23.12.10

NATAL: O NASCIMENTO DAS INVERSÕES

Uma leitura de Lc 1, 31-53

É uma ótima época para presentear, comprar presente, festejar, comer, estar à mesa com a família e os amigos. A nossa cultura consumista conseguiu desvirtuar e transformar todas as comemorações religiosas em comércio. A páscoa deu lugar ao “coelhinho” o natal ao “papai Noel”. Tudo gira em torno de mercadoria, até Deus não escapa a isso.

Quando olhamos para as narrativas do nascimento nos evangelhos de Mateus (Mt) e Lucas (Lc), observamos o quanto os autores teologizou em torno do nascimento de Jesus. Embora não seja o objetivo discutir os enfoques teológicos de cada um, é interessante comparar as duas narrativas apenas para fim de constatação. Enquanto Mt se interessa por José, Lc por Maria; em Mt José e Maria moram em Belém, para Lc José foi para Belém por causa de um recenseamento; Mt faz Jesus ir para o Egito, em Lc Jesus volta para Nazaré; Mt coloca os “magos” como coadjuvantes, em Lc são os pastores. Isso mostra a particularidade de cada autor/comunidade e seu objetivo com a narrativa, cada um tentando buscar seu referencial teológico e comunitário. No evangelho de Mateus Jesus é apresentado como o novo Moisés, e por isso ele vai para o Egito, assim como Moisés, e Herodes manda matar criancinhas recém-nascidas assim como o Faraó; já Lucas quer mostrar a entrada da salvação na história – “Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. Lc não está preocupado em verificar fatos históricos e exatos. É mais um estilo literário, uma linguagem artística, uma narração livre com o fim de edificar e iluminar as vidas de seus leitores/ouvintes.

Se atendo, especificamente, no evangelho de Lucas, vemos a sua preocupação com os desfavorecidos, com os marginalizados, com os oprimidos pelo sistema político (representado pelos romanos), social (a divisão de classes entre os judeus) e religioso (o templo de Jerusalém como dominador do imaginário religioso). Ele tem um olhar todo especial para as mulheres. Logo no início de seu texto, Lc coloca como protagonistas Maria e Isabel. Numa cultura em que mulher não tinha nenhum valor, quer político, social, econômico e religioso, Lc dá proeminência às mulheres.

No texto de Lc 1, 31-53 está o que ficou conhecido como o “Cântico de Maria” ou o Magnificat. O anúncio do nascimento de Jesus, na teologia de Lc, provocou uma renovação de esperanças e forças; era a concretização dos sonhos do povo de Israel. Lc coloca na boca de Maria uma canção subversiva, contestatória, revolucionária. O nascimento de Jesus passa a significar a inversão dos valores, outrora considerados corretos; o nascimento passa a significar a redistribuição dos bens. Para Lc o nascimento de Jesus é um protesto, da parte de Deus, contra o abuso do necessitado pelo rico; é, ao mesmo tempo, a libertação dos oprimidos e dos fracos.

O “Cântico de Maria” significa a quebra de barreiras e preconceitos contra a mulher e o início da igualdade nas relações de gênero. Ocorre o surgimento de novas relações, não mais baseadas na exploração e no descaso pelo outro, mas na equidade. Se outrora o orgulho, aquele que se considera acima dos outros, detinha o poder, ele é destronado; se outrora os poderosos/ricos menosprezava e condenava o pobre ao descaso, agora ele é esvaziado de sua arrogância. Os humildes, aqueles que, no entender de Lc, não almejam o poder, são exaltados.

Para Lc o natal é contestação da situação de exploração econômica, social e religiosa. O nascimento do Messias é um nivelador das relações humanas; é a inversão daquilo que se considerava correto; é o desmantelamento de estruturas de poder que oprime e marginaliza pessoas.

Como seria bom se o natal de Lc fosse comemorado hoje.

10.12.10

HOMENAGEM AOS FORMANDOS DO 3º ANO 2010

A vida é feita de etapas. Ontem vocês estavam saindo do Ensino Fundamental, hoje vocês conquistam o Ensino Médio. Muitas coisas mudaram neste período, hoje, mais maduros, vocês estão sendo convocados a fazer a diferença.

O que esperar de uma das melhores turmas do 3º ano que já tive oportunidade de trabalhar nesta Escola? Gostaria que esse meu discurso, que tenho o privilegio de proferir a vocês, fosse a minha última aula. Uma aula em que não vou pedir “silêncio turma”, ou solicitar para alguém ler um texto e nem se sentar. Mas uma aula sobre esperança, sobre desejar sorte, e vocês terão, sobre como ser diferentes, e vocês serão, e fazer a diferença, e vocês farão.

O que valeu a pena neste tempo que passamos juntos não foram, somente, os textos lidos, os filósofos estudados, a bronca dada, a nota conquistada, os apertos de mãos, a amizade cultivada. O que valeu a pena mesmo foi o momento em que uma ideia, uma frase, um pensamento foi interiorizado e, a partir disso, ajudou vocês a ver a vida de outra maneira. O que valeu a pena mesmo foi aquele momento que ninguém sabe quando ele vai chegar. O descobrimento de que sabe, de que conhece. Momento esse que o professor, por mais que seja bom, não consegue forjar no aluno se ele não estiver disposto. E vocês estavam.

A educação nunca pode ser vista como um objeto, mas como uma autopromoção do aluno. Tratei vocês não como um objeto em que se depositam fórmulas, teses, leituras, mas como pessoas dotadas de individualidade, capacidade criativa, energia e espírito crítico. Como dizia Nietzsche, educar é ensinar a ver. E foi isso que procurei fazer. É por isso que a educação nunca poderá ser reduzida a ter um bom emprego, ela sempre será mais que isso, será a construção de indivíduos, será a contribuição na formação de cidadãos. Escola nunca poderá ser uma gaiola onde se prende os alunos, porque os alunos são como pássaros, em busca do voo cada vez mais alto. Educação ensina a treinar os olhos, tornando-os aguçados e críticos para que, desta forma, seja possível fazer uma leitura correta da realidade que está à volta.

Como alunos inteligentes que são, e aprenderam a arte de ver, gostaria de dar uma última aula a vocês com um conteúdo que não está na grade de disciplinas escolares, mas que todos nós somos capazes de aprender.

Eu diria...

Cultivem a excelência no que se propuserem a fazer, não se contentem em serem simplesmente bons; não sejam medíocres ao ponto de achar que sabem apenas o necessário e que está bom assim, deem passos largos, busquem algo que esteja além, ousem sonhar!

Exerçam a cidadania; assumam as responsabilidades de serem construtores de uma cidade melhor, um Estado melhor, de um país melhor. Exercer a cidadania é buscar aprender a fazer a diferença, é quebrar paradigmas, é ousar modificar mentalidades; sejam revolucionários! Usem a capacidade de vocês para fazer o bem ao próximo, mas também para contribuir para que as coisas não fiquem sempre do mesmo modo. Tenha opinião própria sobre os assuntos, não se deixem ser manipulados por ninguém.

Estudem. Moramos num país que, no ranking educacional mundial, é o quinquagésimo terceiro. Há milhares de pessoas analfabetas e ainda outras mil semianalfabetas. É por isso que temos pessoas, sem o Ensino Médio, que podem tirar sua Carteira de Habilitação e deputado semianalfabeto pode ser eleito. Não se contentem apenas com o Ensino Médio, está noite é apenas mais uma etapa de colação de grau e que outras noites como essa seja possível para cada um de vocês.

A escola é assim...

Uns gostaram de vir, mas não souberam aproveitar bem o momento que passaram aqui; outros não viam a hora de sair, não aguentavam mais, o que é compreensível também. Mas alguns aproveitaram o momento, porque perceberam que sem a escola a vida não seria como é, e esses deixarão saudades.

Alguns sentimentos cabem aqui...

Saudade: dos momentos de risadas, brincadeiras e trabalhos.

Esperança: que muitos de vocês sejam ímpares na sociedade de hoje; verdadeiros cidadãos que deem orgulho para está cidade.

Gostaria de encerrar com uma frase de Cecília Meireles: “Há pessoas que nos falam e nem as escutamos; há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida e nos marcam para sempre”.

A recíproca é verdadeira no caso de vocês.

Boa sorte a todos!

8.12.10

POR UMA ECLESIOLOGIA PÚBLICA

A eclesiologia protestante sempre foi ad intra. Uma igreja marcada pelo apego ao templo com uma visão maniqueísta do mundo, onde preservar os “bons costumes” foi confundido com a completa omissão para com a sociedade. A maneira reducionista de entender, pregar e vivenciar a mensagem do evangelho teve como fatores importantes o pré-milenismo e o fundamentalismo. Assimila-se a cultura estadunidense e esquece-se da cultura brasileira, criando uma concepção eclesiológica em que separa os justos (quem frequenta a igreja) dos injustos (os pecadores que estão no “mundo”).

Dentro da discussão, ainda recente no Brasil, sobre teologia pública, se faz necessário uma eclesiologia pública onde as principais matrizes do evangelho como missão, Reino de Deus, política e pastoral se tornem relevantes para a sociedade com mediações pastorais que contemplem as mazelas do cotidiano de uma cidade/sociedade.

A partir de constatações de que os movimentos eclesiológicos não comportam uma dimensão pública, pelo contrário, a visibilidade que a mídia proporciona para alguns grupos religiosos não abrange a sociedade, mas apenas indivíduos, com um discurso hedonista e exclusivista, formando pessoas que privatizam a fé e a fazem refém de um individualismo radical, não possibilitando a inserção dos cristãos no espaço público, temos como resultado disso uma igreja intimista, voltada para as carências pessoais e míope com relação a sua volta, se esquivando das exigências do evangelho que propõe uma pastoral comprometida com a cidade/sociedade, e não apenas com as pessoas que habitam as quatro paredes de um templo.

A tarefa é árdua, mas extremamente necessária, fomentar uma eclesiologia que seja pública, ou seja, uma eclesiologia dinâmica com recursos teóricos e uma práxis relevante.

A igreja que o protestantismo de missão deixou para os brasileiros é uma igreja com uma ligação com a cultura religiosa norte-americana, menos estável e em constante ebulição, com tendência para manter confronto com a cultura brasileira. Essa igreja tem no seu discurso um forte apelo individualista, ou seja, olha apenas para o indivíduo entendendo que a sua “conversão” melhora a sociedade. A igreja que os missionários nos deixaram é uma igreja com um fundamentalismo bíblico exagerado e um puritanismo extremo que contribuiu para que ela negasse a sociedade, compreendendo igreja como um reduto daqueles que aguardam os “céus”. Essa mentalidade é vista, principalmente, nos cancioneiros das igrejas protestantes. Cânticos que representam uma teologia da espera e isola a igreja do seu entorno.

A eclesiologia pública pretende definir a atuação da igreja na sociedade civil, procurando ampliar sua ação em realidades públicas. Conforme Jürgen Moltmann, “não existe identidade cristã que não tenha relevância pública”.

Para a igreja ter esta dimensão de atuação no espaço público, é preciso, antes de tudo, ter uma clara noção de cidadania. Uma eclesiologia que fomente a condição de cidadãos participantes do processo democrático da cidade aos seus membros.

1.12.10

QUEM EU SOU PARA O POVO?

Comecei trabalhar com a igreja sobre as imagens de Jesus que temos hoje. Não sendo muito especifico, apenas levantei algumas hipóteses de como Jesus é visto pelos principais ramos do fenômeno tido como evangélico (essa palavra está muito desgastada, a uso apenas para qualificar as igrejas e seus ramos). Apenas para constatação, as imagens de Jesus dentro do protestantismo são tratadas pelo Prof. Leonildo Silveira Campos em um estudo interessante sobre isso (Estudos de Religião, n.º 20, Jun. 2001, S. Bernardo do Campo, UMESP).

Falar sobre Jesus é sempre fazer interpretação, os Evangelhos é um exemplo claro disso, há três (sinóticos) e ainda João e nenhum deles são iguais. Na religiosidade brasileira há uma verdadeira diversidade de imagens sobre Jesus. Na tradição católica, ele é um Jesus sofredor; no protestantismo ele é celeste, habita o céu.

Tratei, recentemente, com a comunidade sobre o Jesus gospel.

Há um comércio altamente lucrativo, que não é nenhuma novidade mais, usando a marca Jesus. É um Jesus de vitrine, onde as pessoas se relacionam com ele através dos produtos.

A partir de estudos feitos pela pesquisadora Magali do Nascimento Cunha (UMESP), a cultura gospel se estabeleceu quando louvor e adoração se tornou sinônimo de música, apenas isso. Se adora, se louva a Deus cantando, com som nas alturas. Surgem as “Equipes de Louvor”, uma nomenclatura no mínimo infeliz. Jesus passa a ser consumido nos louvorzões, uma verdadeira festa. O cantor se transforma em celebridade, com direito a autógrafos e fotos. Os produtos são diversos e os slogans dos mais chamativos como: “enriqueça a sua igreja com o produto x”. Os programas dos pastores televisivos são mais comerciais do que qualquer outra coisa.

O Jesus gospel é badalado; ele é aclamado; pula-se nos estádios por ele; compram-se inúmeros produtos por ele; há marcas de roupa, cosméticos e até mesmo celulares dele, do Jesus gospel.

Se os discípulos pudessem perguntar para Jesus hoje quem ele é para o povo (Cf. Mc 8,27), o povo diria: alguns dizem que tu és milagreiro, cura e expulsa demônios; outros dizem que tu proporcionas riqueza, é o dono do ouro e da prata; outros ainda acham que tu estás no céu, apenas aguardando a chegada da igreja.

A mensagem do reino de Deus foi suplantada pelo movimento gospel, onde tudo é comercializado e as pessoas se relacionam com ele por meio dos produtos.

9.11.10

LIBERDADE OU LEGALISMO

O Protestantismo em geral tem um problema sério com a ascese. A santidade é mediada pelo comportamento ético, pela leitura bíblica, pelo ir aos cultos, pela rotineira oração no dia.

Nas últimas vezes que tive a oportunidade de ouvir mensagens, observei a maneira legalista de proferir o sermão. Apenas se pegando no que fazer ou não fazer; um Cristianismo de moralidade e legalismo que até mesmo os fariseus no tempo de Jesus perderiam.

É claro que é sempre mais fácil se apegar a regras, porque de certa forma, elas provocam a sensação de segurança, pois elas determinam o modo como se deve entender e se relacionar com Deus. Difícil mesmo é lidar com a liberdade que o Cristianismo propõe.

Trabalhei alguns conceitos sobre liberdade com a comunidade. A ideia era mostrar como o Cristianismo nas suas vertentes, Evangelhos (Jesus) e Paulo, lidaram com a liberdade em detrimento do legalismo.

Tenho consciência de que a liberdade apresentada por Jesus e por Paulo é um tema um tanto difícil de digerir. Reina em nossas igrejas a ideologia de que as práticas religiosas é o alvo da espiritualidade; o fazer é preferível ao ser; o não é mais fácil controlar que o sim. Infelizmente o legalismo venceu a liberdade.

Olhando a prática de Jesus, observa-se que ele possuía uma liberdade incrível diante das situações e contextos do seu tempo. Ele não rotulava as pessoas de pecadoras, como faziam os fariseus; ele não obrigava ninguém a fazer aquilo que não queria, o caso do homem rico e o vira as costas quando solicitado a distribuir seus bens com os pobres. Sua atitude é livre para com Deus. Enquanto se buscava Deus nos lugares sagrados, como o Templo, ele buscava no dia a dia; enquanto se colocava Deus no Templo, ele o encontrava no cotidiano das pessoas. Uma liberdade a serviço do próximo. Uma liberdade que rejeita a opressão da doutrinação dos sacerdotes; uma liberdade que estava acima da lei.

Conheci Dostoiévski a partir do meu amigo Pr. Claudinei (SIB em Jacupiranga). Conhecia o literato russo de ouvir falar e algumas coisas que li sem dar muita importância. Lendo um dos seus principais textos, Os irmãos Karamázovi, fiquei impressionado com o trecho sobre o Inquisidor, principalmente com o diálogo com o Jesus da liberdade de Dostoiévski, transcrevo: “em vez de dominar a consciência, vieste aprofundá-la ainda mais; em vez de cercear a liberdade dos homens, vieste alagar-lhes ainda mais o horizonte (...). Teu desejo era libertar os homens para o amor. Livre deve ele seguir-te, sentir-se atraído e preso por ti”.

A liberdade que Jesus proporciona não pede nada em troca, apenas indica o caminho.

É hora de deixar a liberdade vencer o legalismo.

25.10.10

ENTRE O RUIM E O PIOR: UMA DIFÍCIL ESCOLHA

Como milhões de pessoas que votaram nela espera: Marina Silva não deu o seu “apoio” a nenhum dos dois, Serra ou Dilma. Não foi nenhuma surpresa.

Observando os rumos dessa campanha vejo que o povo brasileiro perdeu a oportunidade de levar para o segundo turno uma nova opção de governo, de caráter, de ética, de fibra e de projeto. Mais uma vez preferiu ver o mesmo filme que passou em 2006 quando Lula se reelegeu. Estão reclamando que a campanha está com um baixo nível incrível. Bem, quem escolheu este estilo de campanha foi o próprio povo quando decidiu colocar no segundo turno Dilma e Serra. Fazendo isso o povo escolheu ver os mesmos ataques de um contra o outro, essa baixaria em horário nobre na TV em que passa mais os podres de cada um dos candidatos do que propostas relevantes para o país. Votando em Dilma e Serra, o povo escolheu a mesma tônica das outras campanhas, a maldita comparação entre FHC e Lula, como se o país fosse dividido em períodos da história e não tivesse uma única história com contextos diferentes na história global. Foi difícil com FHC e a crise do México; foi difícil controlar a inflação que era exorbitante, herança de um presidente narcisista como o Collor e de um incompetente como o Sarney. Mas foi possível o Plano Real para normalizar o cambio e garantir a produtividade. Assim como qualquer governo no mundo, FHC teve os seus problemas também, assim como Lula que teve/tem seus méritos e deméritos, pois nenhum governo é perfeito.

Parece que as pessoas não sabiam que Dilma e Serra no segundo turno era a garantia de uma campanha baseada na troca de ofensas, na denúncia de corrupção de ambos os lados, na manipulação da mídia e do marketing pesado em cima da imagem dos candidatos, vendendo aquilo que não são para o povo. Não sei por que o espanto! Alguém tinha dúvida disso? Eu não! Ocorre que as pessoas não se aperceberam que aqui não é os Estados Unidos e o PT-PSDB não são replicas dos partidos Republicados e Democratas, embora haja por aqui um que se denomina de DEM, mas deixa isso pra lá. Preferiram dar o seu voto na mesma cúpula que governou o país por dezesseis anos e não tem critérios lógicos para dizer quem fez mais ou menos, pois um dependeu do outro. Sobre a campanha, o Presidente Fernando Henrique Cardoso disse recentemente que nunca viu uma campanha de tom tão individual e sem propósito como essa onde os candidatos disputam o poder e não a vida e o futuro do país. Palavras de FHC que foi suprimido da campanha do tucano José Serra.

Entre o pior e o ruim a opção era a Marina. A mulher tinha todas as qualidades para fazer um governo excepcional. Governou com o Presidente Lula e saiu por não concordar com este projeto de perpetuação no poder que este governo tem. Mesmo não sendo apoiada pela sua igreja, que não fez nenhuma falta também, ela mostrou do que é capaz e não quis associar a sua imagem a nenhum dos que estão aí.

Era isso que as pessoas queriam ver? Uma campanha que envolveu religião além da conta, transformando temas tão delicados como o aborto em algo tão fortuito e descompromissado, além, é claro, do terrorismo feito nas igrejas contra o PT e de “pastores” que se especializaram em virar a casaca como o senhor José Wellington que no seu aniversário recebeu Dilma no púlpito de sua igreja e disse que ela era a solução para o país, a enviada de Deus, e hoje aparece no horário eleitoral do Serra como se nada tivesse acontecido. Outro televisivo que perdeu a muito tempo a credibilidade mais alguns ainda não se deram conta disso é o profeta da prosperidade Silas Malafaia, que nas últimas semanas do primeiro turno soltou uma série de mentiras sobre Marina Silva quando percebeu que ela não iria para o segundo turno, este aparece no programa eleitoral do Serra querendo influenciar os votos dos seus seguidores mais fanáticos.

Agora a batata está nas mãos dos eleitores que decidiram ver o mesmo filme das últimas eleições, PT versus PSDB. A democracia é mesmo uma beleza.

16.10.10

VENHA A NÓS O TEU REINO

A reflexão em torno do reino de Deus sempre foi motivo de disputa. No protestantismo o tema foi desvirtuado para o Milênio. As chamadas teologias sistemáticas colocaram o reino de Deus na seção Escatologia sempre vinculando com o amilenismo, pós-milenismo ou pré-milenismo. Na seção de Cristologia, o tema, quando não totalmente omitido, é suprimido pelos ofícios de Jesus, pela questão da hipostasia (termo grego que não tem nada haver com Bíblia) para falar das duas “naturezas” de Jesus. Por conta dessa verdadeira avalanche de teologias sistemáticas, diga se de passagem oriundas, na sua maioria, dos EUA, a teologia latino-americana foi suplantada quase por completo dos seminários e faculdades teológicas protestantes. Se aprendeu, se ensinou, se pregou que o reino de Deus será concretizado no Milênio, com isso se adormeceu, se omitiu, se conformou com o contexto social e suas mazelas na confiança de que Deus irá estabelecer o seu reino quando na consumação do mundo.

Como esta ideia foi disseminada por aqui. Há seminários que são completamente confessionais quando se trata do pré-milenismo; bíblias de estudo totalmente imparciais no estudo no assunto; teólogos que perdem amigos por não concordar com a sua posição sobre o Milênio. Quem perde com isso é a igreja que se acostumou a olhar o mundo, a sociedade, os acontecimentos pela perspectiva do futuro reino de Deus que se dará no Milênio. Influenciados pela teologia estadunidense, nossos seminários e faculdades ainda reproduzem essa visão maniqueísta e dualista da fé cristã, uma fé desvinculada da realidade social, desvinculada das questões que afetam a todos.

Para dar um exemplo. Recentemente recebi um texto de um amigo do pastor presbiteriano John MacArthur Jr. Ele escreveu o livro A sós com Deus; o poder e a paixão pela oração (Ed. Palavra). No capítulo “Venha o teu reino” MacArthur Jr. trata dos problemas morais e sociais dos EUA e dá a sua posição como teólogo sobre o reino de Deus. Segue:

A igreja tem uma única missão neste mundo: levar pessoas destinadas a passar a eternidade no inferno ao conhecimento salvador de Jesus Cristo e à eternidade no céu. Se as pessoas morrerem em um governo comunista ou em uma democracia, sob um ditador tirano ou benevolente, acreditando que a homossexualidade é certa ou errada, ou acreditando que o aborto é direito fundamental de escolha da mulher ou simplesmente um homicídio em massa, nada disso tem relação com onde elas passarão a eternidade. Se elas nunca conheceram Cristo e nunca o receberam como Senhor e Salvador, passarão a eternidade no inferno.

Em outro trecho ele completa:

Um dia o Senhor voltará para estabelecer o seu próprio reino perfeito. Então finalmente perceberemos o que temos esperado com tanta ansiedade - e o que os discípulos de Cristo do primeiro século desejavam ver - Cristo governar na terra e os povos do mundo prostrados de joelhos perante Ele.

É uma pena que ainda muitos tenham esta mentalidade ufanista e triunfalista da igreja - os escolhidos e separados do mundo vivendo num gueto que está a caminho do céu. Resumir a tarefa da igreja a céu ou inferno é um reducionismo que não tem cabimento na atual circunstância que o mundo passa. A igreja é agente do reino de Deus, ela é a mediadora desse reino. O “venha a nós o teu reino” se dá, primeiramente, na terra.

6.10.10

DO CHALITA AO TIRIRICA

O teste de inteligência do eleitor

“Foi sensacional (...) coisa de Deus mesmo”.
Tiririca.

Não fiquei nenhum pouco surpreso com a votação maciça no palhaço Tiririca. A imprensa internacional divulgou o seu feito de ter mais de um milhão de votos para a Câmara Federal, de fato um fenômeno. Agora o coitado, que foi usado, precisa comprovar que sabe ler e escrever e ainda desmentir a reportagem da Revista Época que o acusa de ter falsificado o seu registro no TRE-SP, isto é, se não acabar em pizza é claro. Mais uma brecha da legislação brasileira que permite que pessoas apenas alfabetizadas concorram a cargos públicos e logo esses que irão fazer leis e priorizar a educação, isso sim é palhaçada.

Não sou cientista político, mas quero fazer uma reflexão, de cunho bem subjetivo mesmo, sobre a inteligência política de quem votou no Chalita e no Tiririca.

Quem votou no Chalita conhece a sua história. O seu eleitor sabe que a sua formação se deu na PUC-SP (filosofia e comunicação social); sabe que ele foi Secretária da Educação no Governo Alckmin; é um defensor ferrenho da educação, buscando alternativas e apontando caminhos; é católico não por falta de opção religiosa, mas por comprometimento mesmo; sua saída do PSDB se deu por não concordar com políticas públicas que não favorecia a educação e desvalorizava o professor; é escritor na área de filosofia; já foi ouvido em diversos programas de TV; foi o vereador mais votado da cidade de São Paulo; o segundo deputado federal mais votado do Estado de São Paulo, só perdendo para o Tiririca.

Quem votou no Chalita conhece a sua militância e trajetória política. É alguém que gostaria de ter um representante à altura do Estado de São Paulo na Câmara Federal, com ideias esclarecidas e discurso coerente. Os seus eleitores mostraram que é possível sim ter pessoas com dignidade e competência representando o povo. Foi um voto de basta de parlamentares que acham que o dinheiro público é seu também; foi um voto a favor da ética na política; foi um voto de quem entende que os políticos estão lá para defender os interesses da população e não os seus próprios; foi um voto inteligente.

Quem votou no Tiririca o conhece da sua brilhante carreira de comediante e sua poética música – “Florentina, Florentina, Florentina de Jesus, não sei se tu me amas pra que tu me seduz” (nem mesmo sei se é assim). É alguém que também gostaria de mandar um recado: “estamos cansados dessa palhaçada, de dinheiro na cueca, dos aloprados, das ambulâncias superfaturadas; estamos cansados de deputado rindo e roubando dinheiro em câmeras escondidas; estamos cansados de sermos feitos de palhaços”. É uma reivindicação de protesto! Mas colocar mais um palhaço naquele circo, chamado de Câmara dos Deputados, não adianta. O homem não consegue nem mesmo falar; é acusado de ser analfabeto; não apresentou nenhuma proposta no tempo mais que longo de TV, apenas fez piadas com os seus eleitores – “você sabe o que um deputado faz? Não! Nem eu. Vota em mim que eu te conto; vote no Tiririca, pior do que tá não fica” – ficará pior se ele vier assumir o seu mandato. O eleitor do Tiririca não foi inteligente dando mais de um milhão de votos a ele porque não conhece o sistema eleitoral brasileiro, que é irracional, que trabalha com o quociente eleitoral e a proporcionalidade, ou seja, os votos excedentes do palhaço Tiririca foram para outros candidatos do seu partido. Nesse caso, os eleitores do comediante garantiu a eleição de mais três candidatos que nem mesmo sabe quem são. Isso não é ser inteligente.

4.10.10

SURPRESA? NÃO, DEMOCRACIA!

A minha solidariedade para com os eleitores de Marina Silva

Alguns chamaram de “zebra”; outros de surpresa. O fato é que a candidata à presidência da República, Marina Silva (PV), foi destaque na imprensa internacional e dentro do país. Os analistas, cientistas políticos, sociólogos, estão falando da Marina e não de Dilma ou Serra.

Permita-me, meus poucos leitores, tentar fazer uma radiografia dos eleitores de Marina. Primeiro, eles são independentes. São eleitores que não se importaram nenhum pouco se iria ou não “perder” o voto votando nela; são eleitores suprapartidários, não estão vinculados a nenhum partido de hegemonia como PT ou PSDB; esses eleitores foram os únicos que votaram com inteligência, pois compreenderam de que esse sistema PT-PSDB não é a única opção, portanto, entenderam que essa eleição não era um plebiscito; além do mais, foram esses quase 20 milhões de eleitores que provocaram o 2º turno, o Serra deveria agradecer de joelhos a ela.

A candidata do PT teve que assumir: “quero parabenizar a candidata Marina Silva pelo ótimo desempenho no pleito”. Foi ótimo mesmo, é verdade. Foi ótimo porque um partido pequeno, como o PV, com o tempo mais que reduzido de TV, com a falta de marketing pesado, em comparação às outras candidaturas, conseguiu quebrar a prepotência daqueles que achavam que essa eleição estava garantida logo no 1º turno, isso foi ótimo. Os eleitores de Marina foi uma pedra no meio do caminho, parafraseando o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.

É claro que a dinâmica dos partidos políticos é chegar ao poder, por isso não causaria nenhum espanto o PV decidir apoia um dos candidatos, ainda que seja improvável isso acontecer, mas acredito que não vou ter o desprazer de ver Marina no palanque com Dilma, praticamente impossível, ou com Serra falando assim: “vocês votando nele/a é o mesmo que está votando em mim”, aliás, essa frase me lembra alguém..., mas deixa isso pra lá. Marina não associaria a sua imagem a nenhum dos que restaram para o 2º turno, afinal de contas, os dois são bem parecidos, como bem dizia ela.

Aos eleitores de Marina a minha solidariedade. Não adiantou pastor, político ou qualquer celebridade ofuscar a sua candidatura. Não foi surpresa, foi o pleno exercício da democracia. Aos seus eleitores a confiança, 2014 ela estará de volta e aí “no meio do caminho tinha uma pedra (...) tinha uma pedra no meio do caminho (...) tinha uma pedra (...) no meio do caminho tinha uma pedra”. E que pedra...

2.10.10

O POPULISMO DO LULISMO

De forma bem geral populismo é um modo de governar em que o presidente se utiliza de diversos recursos para obter apoio popular, de preferência a ala mais pobre. Com linguagem simples, com uma imagem pessoal bem construída, além do carismatismo.

Foi Getúlio quem, no seu segundo mandato (1951), eleito com mais de 48% dos votos, assumiu o populismo de forma aberta quando em sua posse disse: “o povo subirá comigo as escadas do Catete, e comigo ficará no governo”. Assumiu o apelido de “pai dos pobres” quando direcionou políticas públicas de subsistência. Com o discurso “o petróleo é nosso” criou a Petrobrás como uma das maneiras de diminuir a pobreza no país, consolida-se, ainda mais, o getulismo. A história conta que o fim de Getúlio foi trágico. Pressionado pelos militares para renunciar, esperando o apoio popular que não veio por conta da sua repressão, comete suicídio.

O populismo de Getúlio promovia grandes manifestações populares, como a do Dia 1º de Maio (Dia do Trabalho) em que dá aumento exagerado aos trabalhadores no ano de 1954. Ao mesmo tempo, nunca se provou, mas o seu guarda-costas foi acusado de tentativa de homicídio contra o polêmico e oposicionista Carlos Lacerda. O populismo de Getúlio usava a propaganda para divulgar as ações do seu governo; não respeitou a liberdade de expressão e tinha um claro plano de se perpetuar no poder. Olhe para Hugo Chávez hoje, era Getúlio ontem.

Os historiados dizem que a história sempre se repete, começo a acreditar nisso. O PT deixou bem claro que sua intenção era um plano de poder e não de governo quando alguns do partido e o então Ministro da Casa Civil, José Dirceu, armaram o mensalão. A ideologia do PT sempre foi: o Estado a serviço do povo. Quanto mais o Estado ser fortalecido, mais ele ajudará o povo. O presidente Lula com o seu famoso jargão – “meus amigos e minhas amigas, nunca na história desse país” – conquistou as classes desfavorecidas quando ampliou o Bolsa Família; colocou mais jovens no PROUNI; levou energia elétrica com o Luz para Todos; implantou o Fome Zero; conseguiu que a classe média chegasse quase a 36 milhões de brasileiros. De fato o “pai dos pobres”. A popularidade é amplamente reconhecida no país, mas principalmente nas regiões norte e nordeste.

Em contra partida, “nunca na história desse país”, vimos tantos escândalos envolvendo os políticos de Brasília. O mensalão proporcionou uma das melhores novelas do Brasil com os debates em cadeia nacional dos processos na Câmara dos Deputados. De um lado Roberto Jefferson, dizendo para o Zé: “você provoca em mim os sentimentos mais primitivos”. Do outro, o Zé: “não tenho nada haver com essa história”. No fim foi o Delúbio, o Marcos Valério, condenados a nada. A sucessora que o presidente escolheu para substituí-lo, se envolveu em escândalos atrás de escândalos. Primeiro ela diz que a Drª Lina estava mentindo quando disse que ela, Dilma, pediu para fazer vistas grossas no caso do Sarney com a Receita Federal. Recentemente a sua mui amiga e pessoa de alta confiança, Erenice Guerra, se envolveu com tráfico de influência por conta dos filhos que começou atuar no governo depois da sua entrada na Casa Civil.

É sabido que o lulismo é maior que o PT. O maior tesouro do PT hoje é o nordestino que veio para São Paulo, foi metalúrgico, que se transformou sindicalista, que concorreu a todas as eleições para presidente desde a redemocratização do país, ou seja, desde 1989, e está é a única vez em que não estará concorrendo à presidência, é o Lula. Um dos índices mais elevados de aprovação popular.

Como em seu partido não havia ninguém para substituí-lo, ele fabrica a Dilma. Se a Dilma vier a ganhar no 1º turno neste domingo, o populismo do lulismo estará consolidado e a democracia brasileira enfraquecida. O povo estará atestando que a sua visão de país ainda é individualista; estará afirmando que o populismo do Lula conseguiria eleger até mesmo um poste se quisesse. Com todos os seus defeitos e qualidades, o Lula foi bom para o Brasil, acontece que a Dilma não é o Lula.

12.9.10

DEUS NÃO TEM TÍTULO DE ELEITOR

“É preciso lembrar a igreja que ela não é senhora nem serva do Estado, mas, sim, a consciência dele. A igreja tem o dever de o criticar e o orientar, sem nunca se tornar para ele num instrumento”.
Martin Luther King Jr.
Prêmio Nobel da Paz

Quando chega esta época é a mesma coisa. Os políticos fazem suas alianças, combinam suas barganhas, prometem o impossível e compram alguns votos, infelizmente. No cenário evangélico chega a ser até mesmo bizarro algumas coisas. Os pretensos “eleitos do Senhor” usam o púlpito, transformando-o em palanque e com a conivência do líder/pastor, despeja um punhado de asneiras para convencer o povo de Deus de que ele e não outro é o “escolhido de Deus” para o cargo. Já vi este filme: sacos de cimento são “doados”; tijolos comprados e latas de tinta adquiridas tudo em nome da “providência divina” que ouviu as orações da igreja. Chega a ser hilário.

O uso da religião para fins eleitoreiros não é de hoje. No primeiro mandato do Presidente Lula muito se ouviu que o PT iria fechar igrejas caso o Lula ganhasse. Fez-se um verdadeiro terrorismo em cima disso. Hoje os mesmos que criticaram lá atrás dão o púlpito para a sua pretensa sucessora falar em “nome de Deus”, pertencendo a um partido que tem ideias claras quanto ao aborto, união civil de homossexuais, o chamado Programa Nacional de Direitos Humanos que será alvo de discussões na próxima legislatura. Para participar do poder se vende princípios, se esquece da orientação bíblica. É sabidamente que igrejas ganham eleição. É por isso que no Congresso Nacional há diversos parlamentares defendendo os interesses coorporativos de sua denominação. Para ganhar votos o discurso é o mesmo: “irmão vota em irmão”; “Deus não nos colocou para sermos calda, mas cabeça”. Em alguns lugares há até mesmo “revelação” de Deus confirmando o candidato X. Em algumas igrejas o candidato leva a igreja de “porteira fechada” e aí daquele que não cumprir com os “propósitos de Deus”. Cidadania, direito de votar em quem quiser não existe.

Reina no inconsciente eleitoral tido como evangélico a figura de um messias, alguém que irá salvar a sociedade brasileira. Essa tendência de teocratizar o Estado não é de hoje. Calvino, por exemplo, pretendia estabelecer em Genebra um sistema totalitário onde pudesse controlar a vida dos cidadãos usando como pressuposto a Bíblia. Ele queria na verdade uma aristocracia dos eleitos, para isso queimou pessoas contrarias as suas pretensões. A perseguição religiosa promovida pela monarquia inglesa foi legitimada pela Igreja Anglicana, surgindo daí grupos contrários à união Igreja-Estado, dentre eles os batistas levantando a bandeira da separação entre Igreja e Estado no século XVII. Parece que em época de eleições o povo evangélico respira ares teocráticos. O candidato tem como legitimação a “vontade de Deus” e sendo assim Deus irá fazê-lo ganhar. Não é democracia onde o povo elege seus representantes pelo seu plano de governo e biografia pública, mas é teocracia, Deus movendo os eleitores para eleger o irmão que é “servo do Senhor”.

Deus não tem título de eleitor e muito menos preferência partidária. É preciso entender que a história é conduzida por homens e suas decisões têm consequências. Durante muito tempo se ouvia em nossas igrejas que cristão não se envolvia com política, é por isso que a classe política do país é menos respeitada de todas as instituições. O não envolvimento levou a igreja a uma profunda omissão na vida política do país. Na Bíblia há diversos exemplos de homens que lutaram contra um sistema político que marginalizava e oprimia as pessoas. Os profetas: Jeremias, Amós, um Isaías. Em comum há uma mensagem profética de repúdio as práticas desumanas e parciais dos reis! João Batista no Novo Testamento, não ficou calado diante da corrupção e imoralidade de Herodes, perdeu a cabeça por conta disso. O próprio Jesus que contrario os poderosos sacerdotes quando expulsou os ladrões que abusavam da boa fé do povo no templo de Jerusalém.

A frase que sempre se ouve para justificar os desmandos, a corrupção, a falta de atendimento adequado do Estado para a população foi: “o mundo jaz do maligno mesmo”. O cristão é cidadão e como tal deve zelar pelas leis e o pleno desenvolvimento humano da sociedade; a igreja, como voz profética, não pode ficar quieta e calada com atrocidades envolvendo o dinheiro público. Não foi Deus quem colocou Hitler no poder que por sua vez dizimou milhares de judeus e marcou a história humana com uma desgraça sem precedentes; não foi Deus quem colocou George W. Bush no poder, aliás, foi em nome dele que ele conseguiu o segundo mandato, um Presidente desastroso e responsável por duas guerras no mundo. Gandhi ficou decepcionado com o Cristianismo por ver os protestantes ingleses oprimir o povo indiano; os protestantes holandeses foram os responsáveis pela segregação racial criminosa na África do Sul.

Deus não tem título de eleitor muito menos partido, nós sim! A história humana é conduzida por homens. A corrupção nasce no coração humano; é o homem que se acha no direito de subjugar o próximo. Não cabe a igreja dizer em quem se deve votar ou não, aliás, como batista isto é inadmissível. Um dos nossos princípios é a liberdade de opinião e consciência, portanto, seria infringir este princípio impelindo o povo a votar nesse ou naquele. Agora cabe a igreja ser voz ativa e quando for do interesse da sociedade denunciar ou ajudar o Estado no bem comum do povo, porque isso é avançar com os valores do Reino de Deus.

Ser de uma igreja X ou Y não credencia ninguém a cargo político, muito menos a pedir votos em nome de Deus. Ser cidadão e cristão comprometido com a justiça, com o bem comum do povo, com os valores do Reino de Deus, sim.

5.9.10

MAIS DO MESMO? NÃO!

Estamos em um momento ímpar no país. Embora o povo não se envolva com a política do país como se envolve com a Copa do Mundo, o fato é que no dia três de outubro vamos todos a urna eleger um presidente para conduzir o país nos próximos anos. Considerando que o horário obrigatório eleitoral é uma verdadeira maquiagem dos candidatos, além é claro de nos fazer rir e muito, o fato é que temos uma ideologia dominante no país: o metalúrgico que nunca trabalhou e nem mesmo estudou, consegue a proeza de ter 80% da aprovação popular. A sua pupila quer continuar o seu suposto legado.

Uma das características da democracia é a alternância no poder. Um projeto que vise à perpetuação no poder nunca será bom para o desenvolvimento da democracia e o fortalecimento das instituições do país.

Se o povo aceitar Dilma estará aceitando continuar mais do mesmo. Os mesmos nomes que apoiaram Lula como José Sarney e seus crimes encobertos pelo PT, blindando o presidente do Senado; ainda teremos mais do mesmo um Fernando Collor; Renan Calheiros e seus escândalos, coronel em Alagoas; José Dirceu estará de volta; Palocci nem se fala. O grande problema é que a sociedade brasileira tem amnésia, sofre de memória desgastada. Não se lembra que o mensalão envolveu todos esses e apenas o presidente assegurou que não sabia: o que é pior saber ou não saber que seus companheiros estão arquitetando um plano para se perpetuar no poder?

Essas eleições parecem que há somente duas opções: mais do mesmo, Dilma; mais do antigo, Serra. Formou-se no imaginário político no país a ideia de que há somente dois partidos, PSDB e PT. Aqui não é os Estados Unidos! Há outras opções e não passa por quem está no poder e quer continuar, a qualquer custo, e aqueles que querem retornar, a qualquer custo também.

As pesquisas de intenção de voto apontam a candidata petista na frente, ganhando ainda no primeiro turno, o que seria uma catástrofe para a democracia brasileira. É sinal de que o Lula conseguiria eleger até mesmo um poste, se quisesse. As pesquisas exercem uma sensação psicológica incrível sobre as pessoas e instaura a velha ideia: “xiiii, já ganhou”. Enquanto isso predomina, as pessoas não conseguem enxergar que há outra opção, de que não temos apenas dois candidatos com chance de ganharem, mas sim três!

Eu não quero mais do mesmo. Quero saber o que este governo fez durante esses oito anos; quero saber se houve desvios de verbas no famoso PAC, embora não tenha dúvidas disso; quero pelo menos tentar com outro presidente, para ver se a tributação diminui e se o governo pode controlar gastos e aplicar melhor os recursos que tem, que não são poucos.

UMA "NOVA" ESPIRITUALIDADE

Leituras em Marià Corbí Quiñonero e Dietrich Bonhoeffer

É claro que aqui não é a Europa. Por lá o Cristianismo passou por um processo de secularização decorrente das duas guerras mundiais. O surgimento da Filosofia da Vida e a preocupação de teólogos como Paul Tillich dentre outros, buscaram fazer uma ponte entre aquela realidade e o Cristianismo. A contribuição de Tillich no debate Cristianismo e Cultura foram essenciais.

Os dois pensadores do subtítulo em questão fizeram o mesmo caminho: compreender a realidade e buscar pontes, meios para um diálogo entre Religião e Sociedade, mais especificamente com a pós-modernidade. Bonhoeffer foi encarcerado no regime totalitário de Adolf Hitler a partir de cinco de abril de 1943. O seu templo foi a prisão, seu gabinete pastoral foi uma cela, suas ovelhas foram os presos, sua espiritualidade era para os não-religiosos. Bonhoeffer faz questão de frisar que Jesus nunca, e nem se quer deixou, a impressão de mostrar às pessoas que elas eram realmente piores quando na verdade eram de fato; com os ladrões na cruz ele não fez nenhuma tentativa de convencimento, até que um deles dirigiu a palavra a ele. Essa tentativa de ser mais religioso que Deus é pedantismo espiritual. É por isso que o luterano preferia a companhia de “não-crentes” à de piedosos que só falavam a respeito de Deus.

Outro pensador é Marià Corbí Quiñonero. Para Corbí a espiritualidade hoje precisa passar por novos modelos. Partindo sobre os pressupostos de que o mundo passa/ou por transformações e mudanças culturais, Marià Corbí entende que vivemos um grande trânsito cultural, não há mais condições para um etnocentrismo ou o fundamentalismo coexistir com esta dinâmica, ainda que haja em países e culturas esta mentalidade, mas, segundo ele, será inevitável a superação dessas formas de vê o mundo pela globalização e a secularização. Entendendo que as religiões foram desenvolvidas em uma época pré-industrial, e, que, portanto, as crenças e a maneira de ver o mundo passa pelo mito, pelos símbolos, pelas narrações sagradas, Corbí acredita que esta maneira de ver o mundo foi superada ocorrendo a primeira secularização. Esta se deu quando o cristianismo travou sangrentas guerras em nome de Deus, de forma inevitável, a secularização abarcou o Estado e a vida pública das pessoas, deixando a opção religiosa sob a escolha de cada um. Este processo teve como impulsionador o Iluminismo. Com isso Corbí entende que as religiões entraram numa crise de sentido por não saber dialogar ou se inserir neste processo, surgindo então dois caminhos: postura conciliatória de diálogo e compreensão dos novos tempos ou fundamentalismo, se fechando para o mundo e suas transformações. Mas isso não é tudo nesta crise religiosa, o espanhol entende que a segunda secularização é pior que a primeira. Na primeira é dado ao indivíduo escolher, ainda uma religião institucional, a segunda secularização passa pela espiritualidade, ou seja, é quando o indivíduo entende que não precisa da mediação institucional ou ortodoxa para vivenciar a sua espiritualidade. Desse modo a religião e a espiritualidade não são mais inseparáveis, são dicotômicas de fato.

Recentemente a Revista Época publicou uma reportagem intitulada “A nova reforma protestante”. Além de ouvir alguns pastores/teólogos sobre o tema, a revista trouxe uma reportagem sobre o senhor Rani Rosique. Um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. Este homem reúne-se periodicamente com vizinhos, conhecidos e amigos, umas quinze pessoas ao todo, para falar sobre a Bíblia, orar e cantar na área de uma casa. Depois a confraternização: chá com bolachas. Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Para a Revista Época, Rani pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.

Estou em uma cidade pequena em que a religiosidade ainda é uma marca. Mas já vivenciamos discursos claros que envolvem a separação entre espiritualidade e o pertencimento a uma igreja. Penso que é um momento de reformular mesmo os modelos e a forma que entendemos um grupo de pessoas que se reúne periodicamente entre quatro paredes. Se não surgir um Cristianismo que propõe o seguimento de Jesus, a comunhão de fato, a maneira de vivenciar a fé e sua incrível necessidade de diálogo, irá surgir cada vez mais grupos como o do senhor Rani Rosique, o que é salutar também.

10.8.10

BATISTAS NA POLÍTICA

As relações do protestantismo com a política sempre foi ambígua. Lutero, por exemplo, não queria uma separação Igreja-Estado; Calvino foi prefeito de Genebra e governou a cidade com mãos de ferro, para ele a cidade seria uma aristocracia dos eleitos de Deus (Rubem Alves). Apenas um ramo do protestantismo, o inglês naturalmente e entre eles os batistas, sempre pontuou a separação Igreja-Estado.

Notadamente, os batistas têm na separação Igreja-Estado um dos seus principais princípios. Ocorre que a defesa da separação Igreja-Estado nunca significou omissão e desinteresse pela política. No Brasil os principais fatores que levaram os protestantes a se omitir na vida política do país foi(e é) uma teologia fatalista como o pré-milenismo. Pregou-se muito sobre o lar no céu, cantou-se muitos hinos sobre o futuro no Paraíso causando um completo desinteresse no aqui e agora, na vida cotidiana e suas mazelas. Juntamente com o pré-milenismo há o fundamentalismo bíblico que só se preocupou em interpretar a doutrina e enclausurar a igreja dentro dela mesma! A Igreja se esqueceu de que todo ato humano é ato político e desassociou o discurso bíblico da realidade política e social do país. A Igreja quando precisou se manifestar se calou, foi conivente e até mesmo entregou teólogos, porque tinha um discurso “subversivo” demais para a Igreja, ao regime militar que tanto humilhou, torturou e matou quem era contrário a Ditadura Militar.

Com a Teologia da Libertação e seu engajamento político, houve críticas, e logo muitos protestantes se posicionaram contra esta teologia por ver uma ligação muito forte com o marxismo. Mais uma vez, portanto, fica de fora de uma efetiva participação política no país.

Muito se ouve sobre a Igreja Católica e sua estreita relação com o Estado. É verdade! A própria Igreja Católica é um Estado. Mas nem por isso eles deixam de atuar politicamente no país. Recentemente o Congresso Nacional aprovou o Projeto da Ficha Limpa, iniciativa da CNBB que arrecadou mais de um milhão de assinaturas para o projeto entrar em discussão na Câmara dos Deputados e ser aprovado, impedindo assim diversos candidatos com processos, até mesmo criminais, se candidatarem. A Igreja Católica não apóia candidato X ou Y! Enquanto isso pentecostais e neopentecostais apóiam abertamente candidatos, fazem reuniões com candidatos para fechar número de votos! Eles detêm uma ideologia sobre o grupo que os qualifica dizer quem deve votar em quem! Quando surgem os escândalos como os “Sanguessugas” e dinheiro em cuecas, ou deputados estaduais orando “agradecendo a Deus” a propina recebida, colocam todos no mesmo pacote.

Estou acompanhando candidatos batistas. É salutar a iniciativa, até porque algum tempo atrás se ouvia muito nas igrejas: “crente não se mete em política”. Enquanto este discurso predominou, muitos entraram nas esferas do poder e não representaram de fato o povo, pelo contrário, buscaram o seu interesse em primeiro lugar, isso não é nenhuma novidade.

É legítimo pleitear uma vaga quer a nível municipal, estadual ou federal. Uma das coisas que gosto na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira é o item ORDEM SOCIAL que diz: “Como sal da terra e luz do mundo, o cristão tem o dever de participar em todo o esforço que tende ao bem comum da sociedade em que vive”. Uma dessas formas de buscar o bem comum da sociedade é ver a política como ferramenta, aliás, ela é a única ferramenta de transformação numa sociedade democrática que tem no sistema de governo republicano a eleição de representantes. Portanto, nada mais natural, do que servir a população com um mandato sério e competente.

O que se espera de candidatos, batistas naturalmente, é que façam valer o voto não para defender interesses corporativos, muito menos com um discurso de que “tem que ter gente nossa lá”. Temos que ter candidatos com diferencial, não nos moldes dos pentecostais ou neopentecostais que movem céus e terras para eleger gente que irá defender os interesses da igreja X ou Y. O candidato batista precisa ter em mente que o seu mandato irá contribuir para o avanço dos valores do Reino de Deus na sociedade e a sua governabilidade é para todos e nunca, em hipótese nenhuma, para batistas, mas para uma sociedade que está cansada de mentiras e promessas fraudulentas. Somente assim é possível justificar apoio, do contrário será mais um tentando usar da política como trampolim para o poder, para o foro privilegiado, para os benefícios enormes que a classe política desse país usufrui.

4.8.10

PASTORES EXECUTIVOS

Estou cada vez mais impressionado com o vocabulário empresarial nas igrejas. Até mesmo a CBESP anualmente promove encontros com especialistas em administração, gestão de negócios. Conversando com um amigo ele me dizia que hoje os pastores deveriam fazer um curso de gestão, de como administrar bem uma igreja, como uma empresa mesmo (palavras dele), em que todos os departamentos apresentassem seus avanços e a igreja trabalhasse o seu produto (entendi que seria o “evangelho”). Outro dia conversando com um colega ele perguntou: “e aí já batizou quantos esse ano?” Minha resposta foi que este ano ainda nenhum, ele arrematou: “xiiii tá fraca a produção”. Este tipo de conceitos está cada vez mais invadindo as igrejas que trabalham com estratégias, conhecendo seu público-alvo, metas e programas.

Congressos, palestras, livros, gurus “evangélicos” e tantas outras coisas estão aparecendo por aí com uma ideia fixa, fazer a igreja crescer a partir das diretrizes empresariais. O pastor, mero administrador, executivo mesmo. Alguém que trabalha com gestão de negócios e não com pessoas; alguém ávido por resultados; alguém que fixa metas para serem alcançadas a médio e longo prazo, como se o Espírito Santo fosse mais um funcionário dessa empresa!

Estamos sendo engolidos cada vez mais pela mentalidade mercadológica. Por esses dias fiquei sabendo que há igrejas que requisitam currículo para pastores candidatos a sucessão ministerial, e outras que até mesmo colocam no mural os currículos dos pretendentes à vaga!

A concorrência é desleal. Hoje é possível ver no mesmo quarteirão de um bairro diversas igrejas, uma concorrendo com a outra por membros, ou melhor, clientes. Aquele que apresenta um diferencial no produto final leva vantagem sobre os outros.

É incrível como nas livrarias tidas como evangélicas encontra-se mais livros de liderança nos moldes empresarial do que temas como justiça social, política brasileira etc. Há uma verdadeira invasão de títulos estrangeiros sobre o assunto, cada um dando sua receita milagrosa.

Os pastores executivos frequentam congressos empresariais; estão ouvindo líderes do mercado sobre crescimento de empresa. O foco deixou de ser as pessoas e passou a ser a instituição que por um acaso ainda se chama igreja. Eugene Peterson faz um alerta em um de seus livros: “os pastores se transformaram em um grupo de gerentes de lojas, sendo que os estabelecimentos comerciais que dirigem são as igrejas. As preocupações são as mesmas dos gerentes: como manter os clientes felizes, como atraí-los para que não corram para a loja concorrente, como embalar os produtos de forma que os consumidores gastem mais dinheiro com eles”.

Quando um amigo sugeriu que as faculdades ou seminários teológicos deveriam ter matérias de gestão de negócios, disse a ele que igreja não é empresa; o Espírito Santo não é um funcionário; Jesus Cristo não é empreendedor, embora alguns o considerem como um.

O vocabulário na igreja dever ser substituído: em vez de produção, transformação; em vez de gerência de departamentos, dons espirituais; vez de executivo, pastor.

21.7.10

FIM DE TARDE... UM DIÁLOGO

Nesta semana fui brindado com um encontro. Fim de tarde, na calçada de uma rua lá estávamos a conversar. Encontro de duas formas de ver o Cristianismo, de entender teologia, de praticar o sacerdócio, de vivenciar a liturgia. Um diálogo fraterno, respeitoso e inteligente. Conversava com o Pe. Jaime. Veio do Norte do país, Pará. Seu sotaque não nega suas origens. Estudou teologia e filosofia. Durante os quase trinta minutos falamos sobre quase todos os assuntos que envolvem o Cristianismo hoje, quer católico ou protestante. O diálogo girou em torno das formas de ser da Igreja hoje; dos jovens e sua dificuldade em se inserir nas atividades da Igreja; das barreiras que criamos para nos dividir e separar cada vez mais; da necessidade de diálogo para um bem comum.

Algum tempo atrás este tipo de conversa seria impossível. Aliás, para muitos ainda é. Não se pode conversar com católico, são “adoradores” de imagem. A tradição protestante sempre viu no católico alvo de salvação. Quando estabelecidos no Brasil, os protestantes de missão (presbiterianos, metodistas, batistas) viram no catolicismo o atraso do país e a barreira para um Estado laico onde a separação Igreja- Estado fosse de fato possível. É claro que a história da Igreja no Brasil conta com inúmeras investidas da Igreja Católica para silenciar, dificultar a inserção protestante por aqui. Houve sim perseguição. Não poderia ser diferente! A Igreja Católica era a religião oficial do Império; a matriz religiosa do país tem no catolicismo seu modo de ser; a cultura religiosa brasileira passa pelo catolicismo.

Minha conversa com o Pe. Jaime mostra o quanto é possível um diálogo fraterno e respeitoso em que se coloca o ponto de vista de um determinado assunto. Em tempos de pluralismo religioso, é imprescindível o diálogo. Ele será possível quando perdemos aquele sentimento de predomínio sobre os outros, de achar que somos mais corretos, mais santos, donos da verdade absoluta. É claro que as divergências quanto à fé haverá! Há pontos no catolicismo que são impossíveis de aceitar, como por exemplo, a infalibilidade do papa, a assunção de Maria dentre outras coisas. Acontece que o fundamentalismo nos ensinou durante anos de que nós (protestantes) estamos sempre com a razão! Isso nos imobilizou quanto ao diálogo; tornou-nos turrões; incapazes de ver a graça de Deus em outras manifestações religiosas. Ocorre que o fundamentalismo está perdendo terreno e uma nova mentalidade está surgindo. Uma mentalidade de que é possível ver convergência na divergência; uma mentalidade que tem como base a espiritualidade de Jesus que nutriu comunhão com os espoliados da sua sociedade; sentou-se a mesa com pecadores, com aqueles que ninguém gostaria de conversar, principalmente os fariseus, donos da verdade e do juízo!

Não é mais possível um apartheid religioso. É preciso ter, acima de tudo, o amor para com o próximo, pois somente ele pode nos libertar de preconceitos e incoerências com o Evangelho.

5.7.10

ELEIÇÕES 2010: OS BASTIDORES DO PODER

É o mesmo filme outra vez: política e religião uma combinação perfeita. Estamos nos aproximando das eleições presidenciais e já começou uma verdadeira luta pelo poder, pela hegemonia da ideologia que predomina no país. De um lado a candidata do governo Lula, que, aliás, será a primeira eleição que não disputará depois da redemocratização do país. Do outro lado está o candidato da “oposição”. Com o lema o Brasil pode mais não convenceu a maioria, se pode mais por que não continuar com o mesmo? Resta a terceira opção, Marina Silva. Nem mesmo aparece nas pesquisas. O fato mesmo é a presença de igrejas querendo mais uma vez participar do poder, quer diretamente ou indiretamente.

A candidata Dilma Roussef (PT) tem sido a preferência das igrejas pentecostais e neopentecostais. Acontece que Dilma vai de acordo com o vento. No Programa Roda Viva, da TV Cultura, defendeu o casamento homossexual: "Sou a favor da união civil. Acho que a questão do casamento é religiosa. Eu, como indivíduo, jamais me posicionaria sobre o que uma religião deve ou não fazer. Temos que respeitar”. A candidata não se pode dar o desfrute de perder alguns votos entre os homossexuais.

Sociólogos como Paul Freston e Ricardo Mariano pesquisam o apadriamento e o clientelismo dos pentecostais e neopentecostais com a política brasileira. Essas igrejas têm um sucesso eleitoral considerável. Ao lado da Assembleia de Deus a Universal e a Internacional contam com deputados e distribuem apoio a diversos políticos. Agora é a vez da Mundial seguir a mesma cartilha da sua igreja mãe (Universal), buscar um lugar ao sol com o discurso de que tem que ter gente “deles” para defender os interesses corporativos da igreja, apenas isso. As igrejas Assembleia de Deus, Universal e Internacional estão juntas a favor de Dilma. O apoio declarado da Assembleia de Deus tem encontrado resistência dentro da denominação de muitos fiéis, mas isso não é um problema.

Dilma está correta quando defende o casamento homossexual, afinal de contas ela não tem nenhum compromisso com os valores cristãos; ela está correta em aceita subir no púlpito da Assembleia de Deus e dizer que preza pelos valores cristãos, afinal de contas deram a ela esta oportunidade; está correta também em tomar um banho de axé com os pais de santo na Bahia; não há problema nenhum em participar da romaria do Círio de Nazaré. O Estado não tem religião e uma candidata precisa participar de todas as dimensões culturais e religiosas do país. Correto mesmo é uma igreja sabendo das suas propostas e mesmo assim dar apoio irrestrito.

O fato é que não importa muito se Dilma é contra ou a favor do casamento homossexual; se vai ou não em reuniões do Candomblé ou no Círio de Nazaré. O fato é o velho clientelismo com os políticos e o voto de cabresto dessas igrejas com o mesmo discurso messiânico de sempre. A intenção é clara, não é o compromisso com o país e seu desenvolvimento social; não é com os desmandos de políticos corruptos; não é com a fiscalização imparcial de políticas públicas. A intenção sempre foi em participar dos bastidores do poder e ter futuros benefícios como concessão de TV e rádio. O mais interessante nisso é o caso de Marina Silva, que não tem apoio nem mesmo de sua denominação, e já rachou o PV por não concordar com as propostas dos homossexuais e se recusar a tirar fotos com a bandeira do movimento LGBT.

Não é em defesa de Marina ou contra Dilma que este pequeno texto foi escrito. A questão é o conluio de igrejas com candidatos; a questão é que tais igrejas perdem a oportunidade de serem respeitadas pelas motivações corretas.

26.6.10

AS CONSEQUÊNCIAS DO PRÉ-MILENISMO

Lá pelo ano de 2001 estava eu em um Concílio Examinatório na cidade de Americana/SP. Para os leitores que não são batistas vai aí uma explicação. Concílio Examinatório é uma reunião de pastores em que sabatinam o candidato ao Ministério Pastoral na área teológica, eclesiológica etc. Se o candidato for aprovado, durante aquelas longas horas de perguntas, o Concílio aprova-o e recomenda a sua Ordenação à Igreja, do contrário ele será reprovado e um novo Concílio pode ser feito depois de 180 dias. É um procedimento válido. Bem, estava eu neste Concílio e na parte final do exame em teologia foi feita a seguinte pergunta: “qual a posição do candidato em relação ao Milênio, é pré, pós ou amilenista?” O candidato pensou, pensou e respondeu: “não defini ainda o que sou”. Bastou isso para que dois pastores começassem a discutir suas “posições escatológicas”. Um requeria saber de qualquer jeito o que o candidato era e outro apenas valorizava a posição do candidato de não ter nenhuma posição.

Está é apenas uma prova do quanto a questão do Milênio fez a cabeça e o imaginário religioso no protestantismo. Há pastores que fazem amizades e desfazem dependendo da interpretação sobre o Milênio! Seminários teológicos são expressamente pré-milenistas e ensinam a doutrina claramente. Bíblias de estudo, como a Scofield, por exemplo, trabalham a interpretação bíblica a partir do pré-milenismo dispensacionalista do Gênesis ao Apocalipse.

Segundo Antonio Gouvêa Mendonça, um dos principais pesquisadores do protestantismo no Brasil falecido em 2007, a disputa entre pré-milenismo e pós-milenismo começou nos EUA por volta do século XIX. Enquanto o pós-milenismo tinha como pano de fundo o mito do progresso social, em que entendia que havia a possibilidade de uma vida de perfeita santidade, o que significava uma melhoria progressiva e constante da sociedade através dos indivíduos aperfeiçoados, esse progresso, portanto, viria pela ação normal da igreja que prepararia a segunda vinda de Cristo. O grande pregador do pós-milenismo foi Jonathan Edwards no século XVIII que, assim, incentivou as campanhas missionárias nos EUA e em outros países. Na concepção do pós-milenismo, o Reino de Deus, já a caminho, devia ser compartilhado com outros povos. Já o pré-milenismo é totalmente diferente, este entende que o Homem é incapaz de se aperfeiçoar. Assim, o Milênio (Reino de Deus) só seria possível com a volta de Cristo para implantá-lo. Essa concepção ganhou grande força a partir dos anos 70 do século XIX. O resultado foi o progressivo distanciamento entre a Igreja e o mundo, incompatibilizando-a com projetos de melhoria social. A Igreja, voltada para si mesma, concentrou-se na evangelização e nas missões estrangeiras. O pré-milenismo chocou-se de frente com o Evangelho Social, assim como contra qualquer forma de compromisso com mudanças estruturais da sociedade. O pós-milenismo foi inteiramente superado no Brasil pelo pré-milenismo.

Com o pré-milenismo assegurado no Brasil protestante, os livros de maior sucesso por aqui sempre foram os de escatologia, de péssimo gosto, diga-se de passagem. Recentemente Ricardo Quadros Gouvêa escreveu um artigo em que aponta os quarenta livros mais lidos pelos evangélicos durante quarenta anos (Revista Ultimato, Viçosa, ed. 315, nov./dez. 2008). Entre os autores estão: Hall Lindsay A agonia do grande planeta Terra; Frank Peretti, Este mundo tenebroso. O livro de Hall Lindsay produziu uma verdadeira paralisia da Igreja em relação ao mundo. A partir da concepção pré-milenista, com forte ênfase no fim do mundo, o livro de Lindsay partiu de uma hermenêutica literalista, algo que é clássico na postura fundamentalista, e empolgou uma porção de gente com o “fim do mundo” e a instauração do Milênio. Resultado disso: uma apatia quanto à atuação da Igreja na sociedade e sua participação política.

Criticou-se muito a Teologia da Libertação porque olhava para a dimensão social e pregava em cima das mazelas do povo. No caso da Teologia Protestante, o pré-milenismo tem/teve um efeito paralisante na Igreja. Logo no protestantismo que tem na sua razão de ser a crítica, a liberdade de consciência, a atuação no mundo para a glória de Deus. Com o pré-milenismo produziu-se a indiferença pelo mundo e pela sociedade. Até mesmo a ação no mundo do crente pregado pelo puritanismo como vocação divida o pré-milenismo solapou!

Como consequência do exagero dessa posição escatológica, colhemos um povo apático e desmotivado para encarar a sociedade. Quando o Reino de Deus ficou lá, o aqui parece que não conta mais. Vai demorar a mudar este imaginário fatalista, mas é preciso começar.

23.6.10

OS EQUÍVOCOS EM RELAÇÃO AO REINO

Não é novidade nenhuma na exegese contemporânea da teologia bíblica do Novo Testamento de que a mensagem principal, primeira, primordial de Jesus foi o Reino de Deus. Ele inicia sua caminhada na Galiléia pregando sobre o Reino de Deus (Mc 1,14-15). Dentro da perspectiva do Antigo Testamento sobre o reinado de Deus, Jesus materializa a presença do Reino a partir das suas ações e pastoral: acolhe os marginalizados da sociedade; expulsa o mal pelo poder de Deus; leva as boas novas do Evangelho. Jesus respira o Reino; sua vida está em função do Reino.

Como é incrível a total desconsideração da teologia protestante (se é que podemos chamar assim) quanto a temática do Reino de Deus. Apenas para levantamento: quantas literaturas para a EBD há sobre o Reino de Deus? Livros? Autores/teólogos que escrevem e dão palestras sobre o tema? Quase nada! É um tema relegado, desconsiderado. No cenário religioso brasileiro temos algumas manifestações que nem mesmo cogitam sobre o Reino. Entre os neopentecostais a ênfase está na prosperidade, no dinheiro como instrumento de bênção de Deus, embora a IURD tenha no seu nome “Reino de Deus”, mas é puramente no sentido financeiro e territorial. Entre os pentecostais o tema nunca foi enfatizado, pois a preocupação era (e é) com o Espírito Santo, o poder, a unção.

O protestantismo (batistas) olhou para Jesus apenas sob a perspectiva do berço, da cruz e da pedra. A história da teologia protestante ignorou completamente o aspecto do Reino de Deus na vida de Jesus. A discussão e maior preocupação foi sobre sua divindade, homem ou Deus? O aspecto pastoral da ação de Jesus foi omitido. Quantos livros sobre o Reino de Deus temos? Nas teologias sistemáticas que tantos gostam o Reino de Deus, na área de cristologia, não aparece! Apenas na discussão sobre o Milênio o Reino irá aparecer, mas ainda em cima de uma discussão inútil: ainda virá, já está aqui, é pré, pós ou a?

Alguns equívocos que fizeram com que o Reino de Deus fosse marginalizado na vida da Igreja. Faço apenas alguns apontamentos. O primeiro deles foi, indubitavelmente, confundir Reino de Deus com expansionismo: essa é uma prática que vêm desde o catolicismo português e passa pelos missionários protestantes no século XIX. Reino de Deus ficou sendo abrir templos; levar o nome da Igreja era o mesmo que expandir o Reino de Deus; conquistar território era o Reino de Deus. Onde não houvesse uma determinada denominação era preciso ter, pois era a expansão do Reino de Deus. Vem daí a nossa dificuldade em entender que em outras vertentes do Cristianismo o Reino de Deus também se manifesta. É claro que o fundamentalismo é o segundo fator de marginalização do Reino de Deus. Com a excessiva preocupação com a “sã doutrina” como a inerrância da Bíblia, a hermenêutica literalista do texto, esqueceu-se do principal, o Evangelho.

O terceiro elemento que marginalizou a concepção do Reino de Deus na Igreja foi o pré-milenismo. O pré-milenismo proliferou na teologia protestante, livros, palestras, seminários, como o PV, Bíblias como a Scofield e a Anotada, além dos pentecostais com suas teorias mirabolantes sobre o “fim do mundo”. Jesus virá, estabelecerá o seu Reino por mil anos, o mal será extirpado e aí haverá paz. Com essa assertiva o pré-milenismo imprimiu no imaginário religioso um final feliz nos fins dos tempos, portanto, o povo é apenas espectadores aqui, vendo as coisas acontecerem e aguardando o céu. Canta-se isso: “sou peregrino aqui, em terra estranha estou...”. Resultado: omissão política e social; desvalorização da cultura.

O Reino de Deus tem uma dupla dimensão: aqui e lá, o famoso já e ainda não. Ele tem o seu início com Jesus e a continuação com a Igreja. Esta, a Igreja, nunca poderá ser confundida com o Reino, ele tem dimensões próprias, mas o Reino será propagado com a ajuda e mediação da Igreja.

9.6.10

IGREJA: ENTRE A MASSA E A MINORIA

Vendo esses dias o blog Genizah, vejo a seguinte notícia: Igreja Mundial Renovada. É a mais nova cisão da Igreja Mundial do Poder de Deus. O braço direito do então Valdemiro Santiago, o senhor Roberto Damásio, fundou a Igreja Mundial Renovada com os mesmos caracteres da sua antiga igreja, a IMPD. Não tenho nenhum interesse em saber quem está traindo quem, quem está abrindo mais uma casa de espetáculo. O que achei interessante na matéria do Genizah é a frase do mais novo pop star do mundo das celebridades bizarras. Ele disse: “A Igreja que fundei e abri é melhor do que a primeira de onde vim! A gloria será minha, a igreja é minha, eu sou o dono dela e ninguém me tira”. Palavras de profunda sabedoria espiritual.

Segundo o sociólogo Ricardo Mariano (mestre e doutor em Ciências Sociais pela USP) no seu livro Neopentecostais, sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Loyola, 1999), o neopentecostalismo é um empreendimento profundamente lucrativo. Abrir igrejas é um negócio como outro qualquer. A clientela é vasta; o produto muda apenas de mão, de bispo para apóstolo; a propaganda é feita pela TV com slogan chamativo. As pretensões é crescer, crescer e crescer.

É interessante a diversidade do Evangelho neste país. Enquanto prego na minha tranquila e abençoada comunidade sobre ser semelhante à Cristo, amar o irmão, dialogar com aquele que discordamos, os membros vê na TV pastor vendendo semente; missionário pedindo para comprar uma tal de “Nossa TV” extorquindo o povo em nome de uma pretensa programação “santa”; outro com seus milagres e unções reivindicando a mão de Deus. Já estou cheio disso e acho que você também.

Lendo um dos teólogos mais importantes da América Latina, Juan Luis Segundo, o seu livro Teologia aberta para o leigo adulto: essa comunidade chamada Igreja (Loyola, 1976), Segundo faz uma observação: a Igreja sempre será minoria. Ele faz uma distinção entre massa e minoria. A Igreja de fato será sempre aquela em que pessoas que seguem de fato a Jesus Cristo, participam do seu projeto chamado Reino de Deus e transmitem aos outros a fé recebida. Segundo coloca que Jesus nunca pretendeu alcançar a massa; Paulo nunca teve intenção de conquistar um império. Para o teólogo uruguaio, Igreja será aquela em que o amor ao próximo seja a primeira e principal doutrina. Igreja será minoria sempre, porque nem todos estão interessados em diminuir para que o outro cresça.

A massa pode ser manipulada (e é). A minoria pode mudar algumas coisas, mas não tem a pretensão de mudar o mundo, mas a sua volta. A Igreja de Cristo é minoria. É a dificuldade de relacionamento dos Doze; é a possibilidade dos fortes carregarem as fraquezas dos fracos; é a mutualidade na compaixão e no amor cristão.

Acho que estou fadado a lidar sempre com a minoria, pois é nela que me identifico como pastor.

22.5.10

COMUNICAÇÃO BATISTA E RELIGIOSIDADE MIDIÁTICA

Neste domingo comemora-se o Dia da Comunicação Batista. Não temos muito que comemorar sobre neste dia. Os meios de comunicação que a CBB dispunha foram todos extintos. A JUERP praticamente todos conhecem a história que envolve incompetência e apadrinhamento político. A JURATEL, divisão de rádio e TV, não existe mais. Aliás, a Faculdade Teológica Batista de Campinas penou e muito para assumir o espaço da JURATEL, e uma instituição teológica dos batistas pagava, até pouco tempo atrás, aluguel do espaço físico, isso que é visão de Reino, mas deixa isso pra lá. O caso é que os meios de comunicação da CBB são escassos. O Jornal Batista agora chega a todas as igrejas batistas do Brasil, mas é um meio doméstico de comunicação. Fora este, há sites e outros meios de menor alcance. É claro que o sistema batista de governo, autônomo e democrático, favorece que igreja, com um maior poder aquisitivo, mantenha programa de rádio e TV em sua localidade, mas continua sendo regional. Uma vez se falou nos bastidores da CBESP a possível idealização de um programa de TV, vinculou até mesmo uma revista para bancar o projeto, mas não deu em nada.

A questão é a seguinte. Vivemos em uma sociedade do espetáculo, onde o que vende e atrai é o show. A cultura do consumo e a cultura da mídia são duas dessas manifestações da sociedade. Entenda-se por cultura do mercado o modo de vida determinado pelo consumo, onde o produto deve ser apreciado e visualizado, daí o marketing ser pesado. A comunicação é que vende o produto hoje, a propaganda, definitivamente, é a “alma do negócio”.

A sociedade do espetáculo aderiu a mais um produto no mercado, o Evangelho. Não sei se verdadeiro ou não, mas há pessoas, e muitas, construindo verdadeiros impérios político-econômico-social em cima da fé dos outros. Aderiram completamente o lema da sociedade de consumo e vende o seu produto com mensagens assim: “Deus me chamou para ganhar almas, somente isso”. Mas esta não é mais uma verdade. Nos anos 80, como mostra um estudo do teólogo Hugo Assmann que inaugurou o termo “Igreja Eletrônica”, foi-se o tempo em que os meios de comunicação eram usados para atrair pessoas às igrejas. Hoje a ênfase da mensagem transmitida não é da “Igreja” e na adesão a ela, mas no cultivo de uma religiosidade que não depende da Igreja, mas que é intimista e autônoma, com uma característica totalmente individualizada. O que se enfatiza não é a Igreja, mas a experiência religiosa mediada pelo meio TV ou rádio, isto é, o meio possibilita o cultivo da religiosidade, independente da adesão a uma comunidade de fé. Daí o crescente número de membros de nossas igrejas que se transformam em patrocinadores do Show da Fé. A mensagem atrelada é sobre produtos e patrocínio. Os pastores televisivos vendem seus produtos e compram seus jatinhos em cima de um conceito de mercado: produto + propagando = dinheiro. Por isso há uma verdadeira batalha entre os neopentecostais por espaço na mídia, estão se gladiando no ar em busca de clientes, digo, fiéis.

Neste universo de internacionais, mundiais e universais e outros peixes pequenos, nós não entramos. O sistema batista não permite, não há nenhuma franquia de igrejas para sustentar horas e horas de programa para vender “milagres” e “curas”. O que nos resta? Será que precisamos mesmo de um sistema de comunicação como os católicos fizeram para confrontar com os neopentecostais? Será que temos necessidade de fazer parte da frutífera e salutar edificação aos sábados de manhã da Rede TV? Que tipo de comunicação precisamos ter? Um jornal apenas? Não se importar com essa guerra midiática e continuar onde estamos é o melhor a fazer? O que fazer?

14.5.10

A DESCONSTRUÇÃO DE UM DEUS METAFÍSICO

Apontamentos em Gianni Vattimo

Estamos diante de um fato: a pós-modernidade delineou um novo modo de se pensar e viver religião. Diante deste fenômeno, a filosofia da religião vem apontando caminhos para se pensar o religioso em outras matrizes. Esquemas que privilegie o diálogo, a abertura fraterna e honesta com os eixos da pós-modernidade. Um dos pontos que tanto teólogos quanto filósofos trabalham é o aspecto metafísico do conceito “Deus”. A construção teórica em torno de uma emancipação do conceito “Deus” da metafísica é tratada por F. Nietzsche com o seu famoso enunciado “Deus está morto”. Outro alemão que pensou sobre os limites da metafísica foi M. Heidegger. Com esses autores, o filósofo italiano Gianni Vattimo quer colocar a superação da metafísica. Sua intenção, a partir de Nietzsche e Heidegger, é desconstruir o “Deus” metafísico que norteou a cultura ocidental e apresentar novos rumos para o discurso sobre “Deus”.

O “Deus” gestado pelo Ocidente é o resultado da junção entre filosofia grega e escolástica (Santo Agostinho e Tomás de Aquino). Vattimo e outros filósofos concebem o retorno da religião como um fato; a ciência e a técnica não anularam o sentimento religioso do homem pós-moderno. Para Vattimo esse retorno se dá pelo esvaziamento de sentido, algo que a ciência e a filosofia não souberam trabalhar; uma maneira de preservar as culturas ancestrais, etc. Mas agora esse retorno corre alguns riscos e o principal deles é o fundamentalismo em suas diferentes vertentes.

O “Deus” metafísico da Idade Média proporcionava segurança, estabilidade. O ser era identificado com “Deus”. A partir da leitura de Nietzsche e Heidegger, Vattimo quer colocar a instabilidade de um solo que sempre se acreditou ser firme; “Deus” passa a ser não um fundamento imóvel, mas um vestígio, um traço. Para o filósofo italiano, “Deus” deixa de ser estrutura para se tornar evento. O discurso metafísico sobre “Deus” passa a não existir como um fato factível e torna-se evento, um “Deus” eventual.

O “Deus” metafísico desconstruído pela pós-modernidade e seus eixos, dá lugar agora a um pensamento que descobre os fragmentos do Sagrado por meio do vestígio, do evento histórico. Não é mais um “Deus” visto como absoluto, eterno, imóvel (Aristóteles), sem princípio e nem fim. Para aparecer este novo modo de interpretar e discursar sobre o Sagrado, Vattimo recorre ao conceito bíblico da encarnação. No entender do filósofo italiano, é o Cristianismo que supera o “Deus” metafísico! O Verbo encarnado assume a eventualidade do ser. Deus ter se tornado ser humano já é um enfraquecimento do “Deus” metafísico. Deixa de ser o “Deus” dos raios e trovões, o totalmente outro. O Deus que se torna ser humano come e bebe com malfeitores; assume as debilidades e fraquezas da vida; chama as pessoas de amigos.

O “Deus” metafísico é desconstruído e surge o Verbo, eventualidade do ser. A debilidade levou Vattimo ao Cristianismo. A encarnação torna-se elemento hermenêutico para um novo discurso sobre Deus, assumindo, portanto, a eventualidade do ser; algo em construção, em movimento, nunca fechado e inconcebível.

5.5.10

APONTAMENTOS SOBRE PASTORAL

Uma breve análise a partir do neopentecostalismo, catolicismo e protestantismo

Tenho pensado sobre a forma de ser pastor batista e seus desafios, até mesmo pensei em escrever alguma coisa neste sentido e procurar publicar numa dessas revistas eletrônicas, periódicos teológicos com a intenção de abrir um diálogo entre a forma de pastoral no campo católico, que tem muito a contribuir, aliás, teólogos católicos se debruçam e escrevem muito sobre este tema, teologia pastoral, onde um dos mais respeitados teólogos na área é Cassiano Floristán, teólogo católico espanhol, e o modo protestante de entender o pastor e suas tarefas/funções dentro da comunidade, visão aquém do que se pensa e escreve na academia sobre pastoral.

Na última postagem, impressões de um encontro, um resumo do que foi falado na Igreja Batista em Barra do Turvo/SP sobre posturas pastorais, recebi um comentário do Pr. Natanael Gabriel da Silva (pastor na Igreja Batista Central em Sorocaba/SP) que chamou a minha atenção. Seu texto diz: “tenho pensado que pastores e líderes de movimentos neopentecostais acreditam que o pastoreamento deve ser uma demonstração da sobrenaturalidade de Deus no mundo, outras comunidades, que têm uma preocupação social mais acentuada, observam tal pastoreamento como o atendimento a integralidade do ser humano em sua dinâmica social. No caso dos batistas, do conhecido evangelismo de fronteira, tem-se o pastoreamento quase exclusivamente sob a ótica conversionista, em relação ao "mundo", e sacerdotal (preservação do sistema) quando se refere à comunidade especificamente. Expressões de comando autoritário, como controle interpretativo dos textos, buscando o apoio dos originais, cuja língua é praticamente desconhecida pela comunidade, ou ainda assumindo a sobrenaturalidade na homilia, em que questioná-la é quase um sacrilégio, têm sido os recursos de controle comunitário mais utilizado, creio.”

Pr. Natanael tem uma contribuição ímpar à denominação e sua experiência como pastor batista e participante, até pouco tempo atrás, dos bastidores da denominação, o credencia a ler a fisionomia do pastor batista com perspicácia.

Gostaria apenas de ampliar suas colocações usando outros autores/teólogos sobre o tema. Por ora pensar na concepção pastoral a partir do neopentecostalismo, do catolicismo e do protestantismo, especificamente batista.

A partir das considerações de Antonio Gouvêa Mendonça e Leonildo Silveira Campos, os neopentecostais têm na figura do pastor o mágico. O elemento mágico é o mecanismo de trabalho do líder; a manipulação de fórmulas e crendices são indispensáveis para o fortalecimento do empreendimento neopentecostal. Mendonça chama de sindicato de mágicos quando seus líderes fazem uso de “água abençoada”, “rosa ungida”, “areia do deserto do Sinai”. Neste modo de ser pastor, a comunidade inexistem, os frequentadores são clientes a espera dos bens religiosos; a credibilidade do líder/pastor é dada pela confirmação sobrenatural da bênção de Deus, geralmente financeira.

No caso católico, a tarefa pastoral esta voltada para a integralidade da pessoa humana, independentemente se participa ou não da paróquia. Segundo João Batista Libânio, teólogo católico mineiro, a pastoral é o agir da Igreja no mundo, é o sinal do Reino de Deus na cidade, na sociedade. É a presença da graça de Deus, através da Igreja, na sociedade. Daí a preocupação com as diversas áreas da sociedade surgindo, portanto, as diversas pastorais como da terra, da criança, do encarcerado... É uma pastoral coerente com o Evangelho, sem dúvida.

Já no caso protestante batista de ser, segundo Israel Belo de Azevedo, o pastor batista é anticatólico; tem formação teológica fundamentalista; olha o mundo como alvo da evangelização com o intuito de “ganhar”. Não é uma pastoral de comprometimento com o contexto. A fisionomia do pastor batista é puritana, tem como princípio a santidade de homens como Spurgeon, Baxter, Moody e outros. O púlpito é o principal elemento de pastoreamento e a Igreja, refém do discurso, cabe a moralidade como chave hermenêutica de uma autêntica fé.

A tentativa hoje é procurar dialogar com os “sinais dos tempos” (para um aprofundamento, ler um artigo de minha autoria na revista eletrônica Protestantismo em Revista no link http://www.est.edu.br/periodicos/index.php/nepp/article/viewFile/5/11); fazer uma leitura coerente com os pressupostos da pós-modernidade sem perder os princípios norteadores e a identidade. O recurso da mágica não cabe no modelo pastoral protestante; resta-nos fazer um fraterno diálogo com teólogos que entendem o caminho pastoral a partir da comunidade e não apenas do indivíduo, o pastor. Uma pastoral que encare o Reino de Deus como tarefa imprescindível para a missão da Igreja.

30.4.10

IMPRESSÕES DE UM ENCONTRO

Palestra no Encontro de Pastores Batistas do Vale do Ribeira – Barra do Turvo/SP, 29/04/10

Na última quinta-feira do mês de abril tive o privilégio de falar aos pastores batistas que compõe a Ordem dos Pastores Batistas do Vale do Ribeira na cidade de Barra do Turvo/SP. Na ocasião falamos sobre posturas pastorais, os desafios da teologia pastoral para a Igreja. Momento de reflexão, comunhão, louvor, oração e muita, mas muita risada mesmo.

O objetivo, num primeiro momento, era apresentar o ministério pastoral não apenas na figura do pastor, o indivíduo chamado e vocacionado por Deus para a função pastoral. A ideia não era abordar aspectos psicológicos do pastor como o pastor pregador, conselheiro, administrador, conceitos amplamente difundidos em livros que falam apenas para o pastor. Portanto, a compreensão era levar os pastores ao entendimento de que funções pastorais, ou posturas pastorais, se dão com a Igreja e o pastor (indivíduo), mas não somente com o pastor.

Para situar a discussão, era preciso compreender alguns conceitos. No entendimento do imaginário protestante, e especificamente batista, pastor é o homem que Deus chama, escolhe para ser o porta-voz dele, como se só a ele coubesse essa função. Outra concepção do pastor batista, feita por Israel Belo de Azevedo, em que pastor batista tem na sua genética pelo menos quatro características: é anticatólico, não há diálogo e nem mesmo relacionamento fraterno, transformando o catolicismo em alvo missionário; formação teológica não para pensar teologia, mas para evangelizar, portanto, ele deve ser antes de qualquer coisa um evangelista e não um pastor; função centralizadora na Igreja, tudo passa pelo pastor, nada é feito sem o seu consentimento ou aval, daí a grande dificuldade de alguns pastores com a descentralização; teologia fundamentalista, herança dos EUA, onde a literatura teológica consumida é traduções e a leitura bíblica é literalista com uma hermenêutica pragmática e conservadora.

Diante desse quadro é preciso apontar caminhos para uma reflexão em longo prazo, e isso é salutar no entendimento dos pastores ali presentes. É necessário entender que teologia pastoral não diz respeito às funções do pastor enquanto obreiro da Igreja, mas é algo que ultrapassa isso. Teologia pastoral é a face das ações eclesiais da Igreja, a sua razão teológica de ser. Teologia pastoral engloba a clara concepção de missão e sua relação com o reino de Deus.

Os desafios são gigantescos quando comparados com a estrutura denominacional e a diversidade de ideias que há. Mas o que deve ficar como posturas pastorais coerentes com o atual contexto é que a Igreja não pode mais ser definida e reduzida há um grupo de pessoas que esperam apenas a “segunda volta de Cristo” cantando “sou peregrino aqui, em terra estranha estou”. Ela é a antecipação do futuro; sinal do reino de Deus. Ela deve assumir as suas responsabilidades enquanto agência e promotora do reino de Deus. Outra postura pastoral relevante é o descobrimento da mensagem do reino de Deus, tema esquecido nos púlpitos por conta da teologia sacrificialista de observar e enfatizar a morte expiatória de Cristo e não dar tanta importância para a sua vida pública, sua mensagem e ações como pastor (Mc 6,34). O reino de Deus é o real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada uma obrigatoriedade missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela os sofrimentos desta época, formulando esperança em Deus para as pessoas. Ela como sinal do reino de Deus é continuadora da práxis de Jesus. Com sua pastoral, Jesus não propôs uma nova religião, mas o reino de Deus, e como igreja, deve-se continuar levando avante o seu projeto! A ação pastoral de Jesus olhava para as pessoas e hoje, por influência da mídia, a visão pastoral olha para as estruturas, para a quantidade de membros, para a conta bancária ou o templo luxuoso. O pastor do reino de Deus olha para a práxis de Jesus que anunciava o reino de Deus (Lc 4,43). O pastor do reino de Deus não pastoreia apenas a sua comunidade da qual recebe o seu sustento, mas olha para a cidade, pois entende que a ação pastoral de Jesus não era apenas a sinagoga, mas as cidades (Lc 8,1). O reino de Deus é o senhorio e a difusão dos valores do reino como justiça, equidade, solidariedade, amor, paz, perdão, promoção da dignidade humana.

Para que essas posturas pastorais sejam de fato concretas, é necessária uma reforma na concepção de missão. Missão não pode ser confundida com as campanhas de missões, que são importantes. Missão não tem como objetivo a colonização, a cristianização a qualquer preço; não é expansão territorial. Missão é o envio dos discípulos de Jesus para continuar aquilo que ele mesmo começou, portanto, os objetivos da missão é o amor de Deus, a solidariedade, a compaixão, a promoção da vida humana, o diálogo com o outro não para “ganhá-lo”, uma linguagem de batalha e guerra, mas para testemunhar mesmo de Cristo, ser sinal do reino de Deus. Não dá mais para encarar a tarefa missionária como mero proselitismo, atividade praticada durante anos! A Igreja em missão do reino de Deus é sinal de esperança e trabalha a partir da perspectiva da Nova Jerusalém; a Igreja em missão possui uma leitura bíblica contemporânea que consegue ler o seu contexto com coerência e se fazer relevante.

Os depoimentos dos pastores foram abençoadores. Alguns confessaram os seus receios e temores outros colocaram as dificuldades de uma mudança de mentalidade. O que ficou foi a clara impressão de que estamos todos preocupados em pensar a nossa postura enquanto pastores e o desafio de ensinar, direcionar a Igreja para ações que contribuam para o reino de Deus.

Pr. Alonso Gonçalves

16.4.10

CONTRARIANDO A DONA FLORINDA

Um dia desses preguei um sermão na Memorial em que falava do encontro entre Pedro e Cornélio. O contexto é: Atos dos Apóstolos vem narrando como o Evangelho foi sendo levado a outros lugares. Passou por Samaria com Filipe e chega pela 1ª vez a um gentio, Cornélio.

Antes de Pedro se encontrar com Cornélio, ele tinha seus medos e preconceitos sobre os gentios. Judeu e gentio não se davam bem, havia discriminação, repulsa mesmo, ainda mais se este fosse romano, ou seja, chefe do exército invasor! Pedro, e muitos de Israel, desprezavam os gentios, achavam que Deus não se importava muito com eles! Pedro não era diferente. Ele precisou de uma visão para abrir os olhos e mesmo assim foi até a casa de Cornélio contra a sua vontade. Ele aprende que a dicotomia pureza/impureza não cabia mais no Deus de Jesus. Quantos não agem assim quando dizem: “Aquele ali nem Deus dá jeito”. Crentes não têm um relacionamento com pessoas que não são da Igreja, pois acham que são impuras, incrédulas, ímpias, e para alguns ainda, merecedoras do “inferno!” Quando na verdade a Igreja é lugar de impuros, de doentes e debilitados! Crentes que não vai em aniversários e encontros de pessoas que não pertencem à Igreja pois não quer se misturar, agindo como um puro. Pedro pensava assim! Não se misturar. Deus mostra a ele que é tarefa de todos o convívio com pessoas que não pertencem ao nosso meio. Não há mais separação entre puros e impuros, Deus deixa isso bem claro a Pedro.

Um judeu na casa de um gentio e ainda mais, comendo com ele! Isso era uma afronta, um total desrespeito! Era assim que Pedro via aquele encontro. É por isso que ele vai logo dizendo: “não é lícito um judeu ajuntar-se a um estrangeiro”. Pedro aprendeu na prática a bobagem que é o preconceito quando se conhece o Evangelho. Com isso Deus esta dizendo: o Evangelho é para todos, e não somente para os judeus, pois Deus ama a todos! E mais, Pedro viu muito bem que Deus “não faz acepção de pessoas”, para ele todos são iguais. Quem somos nós para negar a comunhão da Igreja a alguém? Quem somos nós para dizer: “este não pode ser membro da Igreja, aquele pode?”. Pedro se deu conta de que Deus estava agindo no meio dos gentios e disse: “pode-se recusar o batismo?” Ou seja, pode-se recusar a comunhão dessas pessoas? Não! Precisamos quebrar tabus como este: “não converso com católico”.

Deus não faz acepção de pessoas, Pedro aprendeu isso na prática. Para ele, sendo judeu, nunca poderia imaginar entrando na casa de um gentio, ainda mais romano. Não podemos ser partidários da ideia da dona Florinda (Programa do Chaves, SBT). Todas as encrencas do Kiko com o Seu Madruga acabam em tapas e bofetadas, e o ritual acaba com a famosa frase: “vamos tesouro, não se misture com essa gentalha (Florinda)”. Pelo contrário, é nossa tarefa testemunhar de Cristo no convívio com amigos, parentes e conhecidos que não frequentam a nossa Igreja! Misturar mesmo e não tratá-los como perdidos e estranhos. Somente assim seremos luz e sal da terra.

12.4.10

A CIDADE: ALVO DA GRAÇA DE DEUS

Sermão pregado na Segunda Igreja Batista em Jacupiranga/SP – 11/04/10

No segundo domingo de Abril estivemos (eu e Lívia) na Segunda Igreja Batista em Jacupiranga. Que Igreja! A hospitalidade, o carinho, a empatia, a disposição, a amizade, as conversas... Dizem que a Igreja é a cara do pastor, em relação à SIB em Jacupiranga posso dizer que isso corresponde. Uma Igreja em que seu pastor imprimiu seu modo de pensar e agir, encurtou as relações pastor-igreja com amor, distanciando a característica tão frequente em muitas igrejas em que o pastor faz questão de ser visto como o PASTOR, centralizador, e às vezes até, autoritário.

Pela manhã falamos sobre a “Educação cristã numa sociedade em mutação”. O objetivo era fazer um panorama da nossa cultura e apontar pistas de como o currículo da Escola Bíblica Dominical pode estar envolvido com as questões pertinentes da sociedade.

À noite, a mensagem foi o tema deste artigo baseada em Atos 18, 1-11.

Hoje se faz necessário a Igreja pensar a cidade de maneira integral. A concepção de pastoral precisa ser revista, pois se entende que cabe apenas ao pastor pastorear quando Igreja tem funções pastorais na cidade.

Geralmente há três posições da igreja em relação à cidade:
1 – Completa omissão: ignorando completamente as mazelas e os problemas da cidade;
2 – Conquista: com a preocupação de trazer pessoas para o templo; a mensagem é de que no templo, na Igreja física, as pessoas estarão salvas, e quem participa da Igreja é um agraciado.
3 – Pastoral da graça: uma Igreja que olha a cidade como alvo da graça de Deus não espera nada em troca quando age em função da cidade. É uma pastoral que leva a Igreja para a cidade e não quer trazer a cidade para a Igreja.

Para ter uma mentalidade de pastorear a cidade, é necessário modificar alguns comportamentos como: rever a teologia missionária que olha apenas o indivíduo com o objetivo de “ganhá-lo”. Para a Igreja ver a cidade como alvo da graça de Deus é preciso: quebrar a barreira dos puros/impuros. Aquilo que Paulo faz em Corinto quando deixa a sinagoga e vai em direção aos gentios, pessoas consideradas imundas aos judeus. A cidade de Corinto não é diferente de nossas cidades: uma cidade de comércio muito forte, com o seu porto que ligava a Europa à Ásia; uma cidade com vícios e promiscuidade; uma cidade orgulhosa e de religião desintegrada com cerca de 750 mil habitantes. É nesta cidade que o Senhor pede a Paulo para não se calar e falar. Para que uma pastoral aconteça na cidade, é preciso quebrar a ideia de que dentro da Igreja estão os salvos e lá fora os perdidos; dentro o amor e o perdão de Deus, lá fora a perdição e os pecadores. Quando a Igreja olha a cidade com alvo da graça de Deus ela oferece, por meio de uma pastoral comprometida, refrigério e descanso aos esgotados da cidade; ela é a humanização da cidade quando nesta reina a competição e na Igreja cooperação; quando na cidade reina a solidão na Igreja a comunhão. Isso será possível quando houver esta quebra de barreira de puro-impuros, salvos-pecadores.

Outra postura da Igreja que olha a cidade como alvo da graça de Deus é a clara noção do Reino de Deus. Reino de Deus não pode ser confundido com conquista, expansão territorial, ideias tão comuns na ação missionária. Reino de Deus é o domínio de Deus na cidade; são os valores como justiça, paz, vida e o amor de Deus. A Igreja é sinal do Reino de Deus quando luta contra a malignidade das estruturas políticas e sociais da cidade. Como sinal do Reino de Deus ela tem função profética de denunciar; chamar ao arrependimento; estar atenta à política da cidade. Onde reinar o mal, o Reino de Deus precisa se fazer presente. A ação missionária da Igreja não pode ser vista como avanço de território numa linguagem militar, mas sim como sinal da graça de Deus ao outro, essência do Evangelho.

Uma pastoral que olhe para a cidade como alvo da graça de Deus sua ação para a cidade não se resume aos seus chamados “cultos evangelísticos”, mas faz valer os valores do Reino de Deus como a igualdade; a denúncia da opressão; a solidariedade nos serviços públicos.

Ser sinal do Reino de Deus é agir pastoralmente na cidade entendendo que o Senhor tem muita gente na cidade são alvo do seu amor.

5.4.10

ESPIRITUALIDADE CAPITALISTA

Durante muito tempo ouvi de que este mundo é passageiro, somos peregrinos aqui. Minha tradição, batista, canta este tema, prega-se sobre isso. Como uma das ramificações do protestantismo, os batistas não fogem à regra, a preocupação é com a “alma” do indivíduo, é preciso salvar a “alma” e o restante esta sob o “controle” de Deus. Aquela ideia de que tudo está nas suas “mãos” e de que somos apenas indivíduos passivos.

Com esta postura, muitos deixam de olhar a sociedade como um ajuntamento de pessoas e que, portanto, há ditames de uma sociedade, ou seja, algo puramente humano e não sobrenatural. Quem decide o valor do dólar é o mercado; o preço aumenta no supermercado devido à lei da oferta/procura; os juros sobem ou descem porque no sistema neoliberal o Estado tem uma interferência direta na economia com o pretexto de assegurar o sistema capitalista. Neste sentido a condução da história não está nas mãos de Deus; não foi ele quem inventou a fome; não foi ele quem criou a metralhadora! Foram os seres humanos, os mesmos que exploram o continente africano o empobrecendo cada vez mais. A condução da história se faz pelo poder, somente assim um presidente poderia declarar guerra a um país com uma mentira tão bem contada que se transformou em verdade (refiro-me ao Iraque). É tolice, criancice espiritual, imaturidade de fé, acreditar que tudo passa pelas mãos de Deus, há não ser quando se é calvinista e entende que tudo que ocorre no planeta é meramente palco da glória de Deus, neste sentido as guerras se justificam, os ataques terroristas são divinos.

Recentemente a revista Cristianismo Hoje (on-line) divulgou os nomes e valores dos pastores televisivos que compraram recentemente seus jatinhos particulares avaliados em milhões de dólares. Um adquiriu um modelo luxuoso e veloz depois de uma campanha na TV pedindo ao povo uma oferta de R$ 900,00. Os outros não há necessidade de se justificar, afinal de contas são “homens de Deus” e seus templos-mercado estão por todo lugar, de fato são internacionais, mundiais e até mesmo universais. Mas isso é sinal de bênção de Deus, e eu, bem, eu sou um invejoso que não pastoreio uma mega-igreja e não tenho um helicóptero ou um jatinho, e por isso estou escrevendo isso, porque me responda aí: “você já viu algum crítico construir alguma coisa?”

Materializou-se a espiritualidade capitalista. É a oração para Deus dar dinheiro, aumentar salário. A oração não é uma ferramenta de intimidade com Deus, de relacionamento de amor, mas é uma forma de conquistar, de pedir a intervenção de Deus para melhorar a vida, diga-se financeira.

Estou lendo um opúsculo do teólogo Jung Mo Sung com o título Se Deus existe, por que há pobreza? O teólogo coloca que a responsabilidade da história está nas mãos dos homens. Ocorre que Deus esta cada vez mais fora desse processo histórico. A mensagem do Reino de Deus, tema central da pregação de Jesus, foi trocada por uma mensagem triunfalista e de ordem: “eu determino”!

Para fazer alguma coisa é preciso primeiro de uma teologia de responsabilidade com este tempo e esta história, não dá mais para ficar alimentando a pregação de que este “mundo jaz do maligno” e que, portanto, não há nada mais por fazer, errado, a Igreja está aqui; segundo, a Igreja ser agência de transformação histórica. Escrevendo estas palavras, lembro-me de Desmond Tutu (protestante), arcebispo na África do Sul, ganhador do prêmio Nobel da Paz. Há uma frase dele muito perspicaz: “quando os missionários aqui chegaram, nós tínhamos a terra e eles a Bíblia, e nos ensinaram a orar de olhos fechados. Quando abrimos os olhos nós tínhamos a Bíblia e eles a terra. Agora essa Bíblia ficará em nossas mãos, e com ela reconquistaremos a terra”. Postura profética e de não conformidade com a situação. Será mesmo que foi da vontade de Deus o apartheid na África do Sul, onde brancos (protestantes) exploram e marginalizaram os negros, prendendo Mandela por 27 anos?