28.11.09

JUSTIÇA: QUAL?

Uma leitura a partir de John Rawls (1921-2002)

Esta nos jornais. Pessoas gritando nas ruas pedindo justiça. É a mãe que chora o filho assassinado; a família que não ver solução para o filho que é dependente químico; é o traficante que ganha seu dinheiro cheirado, fumado; é a corrupção na política mostrando ao povo a sua condição de bestializados diante de tramóias e contratos escusos; é a vítima de latrocínio com apenas vinte anos de idade; é a casa sendo roubada por garotos que deveriam estar na escola. Todas essas situações exigem justiça. Quem é vítima do mal quer ser compensado pela justiça: “ele tem que pagar”. Ocorre que em uma sociedade marcada pela individualidade, justiça é pensada como um conceito meritório, compensatório. As vítimas de injustiça querem ser compensadas de alguma forma; quanto ao agente da injustiça, cabe a ele pagar de alguma forma o mau que praticou.

Será que justiça é feita quando alguém sofre penalidades pelo delito que cometeu? E aqueles que não sofrem qualquer tipo de penalidade pelos seus crimes, como ficam? Quem sofre a injustiça é compensado, e quem a prática, como será restaurado? O sistema prisional resolve? Quem sofre a injustiça é vítima do mal, mas quem pratica a injustiça também o é. No sistema que enxerga apenas a vítima, ignora o agente, tratando-o como único responsável pela maldade praticada, quando na verdade são vitimas do mal quando aceitam voluntários ou involuntariamente praticar a injustiça.

Neste tema é interessante pensar em John Rawls (filósofo norte-americano). O problema é pensando a partir das construções sociais, das instituições que exercem poder sofre as pessoas. As estruturas são corrompidas pelo mal. Mas como as estruturas não podem se converter resta às pessoas transformá-las, uma vez que qualquer estrutura é criação humana.

Claramente partidário da filosofia de Kant (contratualismo), J. Rawls critica o utilitarismo da sociedade pós-moderna que escraviza o maior número de pessoas em detrimento do bem-estar de poucos. A base da desigualdade é a exploração do homem pelo homem, gerando com isso os dilemas sociais. Justiça para ele é o primeiro requisito de qualquer instituição social, mas não aquela meritória e condenatória, mas uma justiça mais humana e menos capitalista no sentido de que todos devem ter igualdade de oportunidades numa sociedade democrática. Quando o sistema econômico e social vigente produz desigualdades aberrantes, é preciso modificar leis que sejam justas para todos e não apenas para uma minoria da população. Ele é considerado um utopista por pensar assim. Quando propõe um neocontratualismo, onde todos agiriam em beneficio de todos, J. Rawls aponta que a injustiça é decorrente da incapacidade do Estado de gerir um contrato ético-social entre as pessoas.

Não sei se a ética socialista de J. Rawls resolveria o problema da justiça/injustiça, mas é fato que quando as pessoas têm no dinheiro a base da sua existência, ocorre que as relações humanas passa pelo dinheiro. Enquanto o dinheiro estiver no lugar da solidariedade, da compaixão, ele continuará produzindo injustiça. Enquanto o Estado sustentar a política econômica neoliberal, a injustiça sempre prosperará, principalmente para os mais desfavorecidos.

Seria interessante ver passeatas gritando por justiça para o agente da injustiça, pois ele também é uma vítima do mal. Para J. Rawls não são os casos de injustiça que precisam ser vistos atentamente, mas as estruturas políticas e sociais que necessitam passar pelo crivo da igualdade de oportunidades, isso é democracia.

25.11.09

O DEUS CONSUMIDO

Uma das características da nossa cultura é o individualismo. E sua vertente mais significativa é o consumo como estilo de vida. A dinâmica da vida em torno das mercadorias transformou o homem em mais uma mercadoria, indispensável, é claro, para o consumo, mas ainda assim marionete do mercado neoliberal.

Este processo de coisificação do humano começou com a Revolução Industrial, quando o homem entrou em contato com a natureza e por meio da técnica, modificou a natureza para o seu consumo, transformando o mundo moderno em um grande supermercado. Crítico da época, Karl Marx já alertava em seus escritos e jornais a condição exploratória do homem pelo homem e a demasiada ênfase no produto. Com seus escritos conseguiu modificar diversos comportamentos entre patrão e empregado, mas uma coisa ficou bem clara, a alienação do ser humano no mundo de consumo. Hoje o consumo é um deus na sociedade pós-moderna, forjou as relações das pessoas por meio do comprar-vender. Em outros termos, o consumismo bestializou as pessoas ao ponto de humanizar os objetos.

As concepções de Z. Bauman é perspicaz quando em seu livro, A modernidade líquida, coloca que os indivíduos nessa nova cultura não possuem critérios de escolha, o indivíduo consumidor sofre de uma angústia e lhe faltam orientação e critério, quando isso não ocorre o indivíduo se afoga na comilança. Parafraseando R. Descartes não funciona mais o penso, logo existo mas o compro, logo existo.

Na dialética, religião/economia, o discurso religioso é variado. Enquanto a teologia da libertação trabalha com a exploração e marginalização do sistema econômico, a teologia da prosperidade coaduna a fé com a economia, transformando o sucesso econômico sinônimo de agraciamento divino. Neste sentido há um “deus consumido”, onde a relação com a divindade passa por benefícios financeiros assim como uma fábrica/indústria processa e lapida a matéria-prima.

Assim como os shoppings centers das grandes cidades funcionam como verdadeiros templos ao deus consumo, e comprar nesses lugares é uma liturgia. Um tempo em que tudo passou a ser consumido do sexo até o café, as empresas de publicidade tem a função de criar desejos de compra no indivíduo que cresce vendo que quem tem é feliz.

A relação com Deus passa pelo crivo econômico: “o que Deus pode dá? qual o lucro que se pode ter?” As campanhas financeiras dos neopentecostais são verdadeiras marcas publicitárias. Impossível ver hoje pessoas se aproximarem de Deus para amar como ele ama, mas ter o que ele pode dar. Isso se reflete nas músicas que só cantam a vitória, nas orações que invocam o sucesso. Na verdade isso já virou epidemia e quem não à pega é anêmico.

14.11.09

HERMANÊUTICA APIMENTADA

O protestantismo de missão (batistas, congregacionais, presbiterianos e metodistas), sofre hoje com a incapacidade de dialogar com a cultura brasileira. É claro que há incursões neste campo a fim de explorar a dinâmica da cultura e o discurso protestante (o principal no ambiente batista é Jorge Pinheiro). Com uma mensagem que rejeitava o passado do “convertido”, o protestantismo desvalorizou a cultura nacional, não sendo capaz de uma ação de inculturação. Resultado disso são os Seminários, Institutos e Faculdades Teológicas que não têm em sua grade curricular disciplinas de cultura brasileira e teologia latino-americana (há exceções). Os pastores/teólogos desconhecem completamente a literatura brasileira e grandes nomes do pensar abrasileirado como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro. Em vez disso, a cultura saxônica, na sua vertente mais pragmática, a norte-americana, moldou o protestantismo brasileiro.

O que se produziu diante desse fato, foi um total descompasso com a cultura brasileira, e por tabela a incapacidade de discursar com propriedade para o povo brasileiro. Vários fatores ocorreram para uma leitura fundamentalista da Bíblia, a começar pela natureza missionária no país no século XIX.

Uma rápida visão pelas hermenêuticas no protestantismo fica mais ou menos assim: 1). O protestantismo de imigração valoriza uma hermenêutica a partir do método histórico-crítico, um esforço para determinar o sentido histórico do texto; 2). No protestantismo de missão a leitura se deu no embate com o catolicismo, sendo a Bíblia entendida como a Palavra de Deus somente mediante a iluminação do Espírito Santo era possível compreender o texto sagrado, o que não ocorria com o catolicismo, que tem no Magistério a diretriz hermenêutica (não incluo aqui o pentecostalismo porque a chave hermenêutica passa do texto para a experiência, não é o que se lê, mas o que se sente). Com isso a postura fundamentalista se enraizou por aqui. Desconsidera a natureza cultural e temporal da Bíblia, acreditando ser ela a “voz de Deus” em qualquer sentido e tempo, até mesmo como elemento para contradizer a ciência (a polêmica criacionismo x evolucionismo), uma leitura ainda medieval.

Dessa hermenêutica os púlpitos de nossas igrejas bebem. Uma leitura do texto que passa pelo dogma, pelo confessionalismo, pela ética puritana, pelas declarações doutrinárias. Acentuando ainda mais um consenso em torno de uma interpretação que só servem para afirmar as mesmas doutrinas e práticas, e aí daquele que contrariar. Com uma interpretação tida como inspirada, a postura é reproduzir o que se aprendeu com as leituras pragmáticas e calculadas de autores estrangeiros. Uma rápida constatação: os comentários bíblicos de maior sucesso entre os pastores são O Novo Testamento interpretado versículo por versículo de R. N. Champlin (há também do AT e mais uma enciclopédia, esse é o cara); O novo comentário da Bíblia de F. Davidson; série Cultura Bíblica (publicação da Editora Mundo Cristão e Vida Nova), uma coletânea de comentários do AT e do NT; além disso, muita gente gostou do livro que nem mesmo me lembro do autor, A Bíblia tinha razão, uma “comprovação” arqueológica de que a Bíblia, de fato, era verídica, como se o texto precisasse de elementos externos para ser o que é. Todos os autores são estrangeiros. Eu mesmo na faculdade teológica (SP) tive como livro texto A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia (Edições Vida Nova), de Roy B. Zuck. Sentiu a pretensão?

Penso que é urgente uma leitura latino-americana da Bíblia. Foi o tempo de comer livros de estrangeiros que não conhecem nada de nossa terra, do seu povo, da sua cultura, dos seus costumes. É preciso abrasileirar a Bíblia e começar a fazer uma hermenêutica apimentada, linguagem que nosso povo entende. Uma das grandes vantagens do método histórico-crítico foi demonstrar que a Bíblia não caiu do céu pronta, há um povo, uma cultura, um lugar. A leitura que os autores do NT fizeram do AT foi aculturada, Paulo mais ainda, helenizou totalmente o Evangelho.

A hermenêutica latino-americana valoriza a vida; valoriza a condição em que a pessoa vive; é um discurso que leva em consideração os anseios antes que doutrina. Há no nosso continente uma leitura bíblica com uma espiritualidade tão profunda que nossos púlpitos não sentem nem mesmo o gosto. Uma leitura que leva em consideração a rica ignorância do povo para com a Bíblia (C. Mesters), tendo como combustível hermenêutico a similaridade do povo/autores bíblicos com o nosso povo e seus dilemas. Aqui Jesus é mais humano e não tanto transcendente; os profetas falam a nossa língua quando condenam a opressão.

Há vários códigos de leitura da Bíblia, europeu, norte-americano, asiático, africano, marxista e filosófico. É preciso estabelecer o nosso código, com muito orgulho, latino-americano, e mais preciso ainda, brasileiro.

6.11.09

INQUIETAÇÕES DA VIDA

Assumindo a vida com suas ambiguidades

Há no entendimento de muitos o ateísmo de Friedrich Nietzsche, alguém que por defender a morte de Deus postulava um ateísmo cruel contra o Cristianismo.

Como entender a morte de Deus para Nietzsche? A sua afirmação, Deus está morto, significa dizer que nega a realidade do Sagrado? Parece que não.

Seu tempo é marcado por uma religião autoritária, contraditória, inimiga da vida. Um Deus à imagem e semelhança dos dominadores. Um Deus que estava fora do sistema político-social, mas que apregoava uma ética elitista, puritana, e ao mesmo tempo, se mostrava inacessível ao humano, a não ser pelo dogma. Uma religião que escravizava e tirava a alegria, a nobreza da vida humana, quando colocava toda a realidade da vida nas costas desse “Deus”, impedindo de ver a vida como ela é de fato, ou seja, projeção, construção, incertezas. Com essa assertiva, Deus está morto, Nietzsche não elimina a existência do numinoso, do Sagrado, mas somente o “deus moral” que sufoca a vida.

No seu mais conhecido livro Assim falou Zaratustra, Nietzsche expõe três transformações que representa a passagem para encarar a vida de outra maneira: camelo – corre carregado do peso existencial insuportável, trata-se da solidão, da angústia no deserto; leão – a força, o desejo da liberdade do sentido, o tomar a vida pelas mãos; menino – metáfora da liberdade e da reconstrução, inocência, um começo, um brinquedo. Na metáfora do menino nasce um novo ser, em que a justiça, o amor, a vida, o lúdico estão presentes. Com a figura do menino, Nietzsche quer a realização de uma vida sem rancor pela vida, sem ciúme, é o dizer sim à vida e suas contingências, é amar a sua realidade em todas as suas manifestações. Ao contrário da imagem do menino, a religião e o Cristianismo em especial, com seus recursos além-morte, contradiz a vida. Com isso não se nega o Transcendente, mas a dogmatização do Sagrado.

Apesar da sua dura crítica ao Cristianismo e sua força coerciva da natureza humana, Nietzsche é cativado pela figura de Cristo, que, aliás, para ele, foi o único cristão. Na cruz há o símbolo mais sublime que já existiu, ele foi um espírito livre. Mas há que separar Cristo do Cristianismo, pois este pregou contra o que escravizava o povo. O Cristianismo inventou os dogmas e por meio deles escraviza o povo.

Nietzsche apostou no niilismo para chegar a real condição do humano, a negação de todos os valores e conceitos científicos, religiosos e moral. Um crítico ferrenho da cultura Ocidental, mas ainda alguém que via no amor o sim para a vida, um amor que aceitasse a vida como ela é de fato, inclusive com a sua crueldade; aceitasse o mundo e suas ambiguidades e amá-lo por isso. O seu niilismo o levou a produzir uma concepção de Deus de forma límpida, não como interventor, dominador, usurpador da vida, mas um Deus que soubesse dançar.

Colocar em Deus os acontecimentos pessoais e mundiais é a negação da vida, foi o que Calvino fez! É tirar do ser humano a sua mais básica condição, a humanidade. Nisso Nietzsche contribui, e não é por acaso que ele foi e continua sendo um dos filósofos mais lidos. Nunca iremos aprender a lidar com o sofrimento, mas ele é, inexoravelmente, parte da vida.

4.11.09

CONTINGÊNCIAS DA VIDA

Uma reflexão a partir de Friedrich Nietzsche (1844-1900)

A vida é incertezas, ela não é matemática, ela é superação, desespero, esperança, amor, ódio... Eu não sei por que há pessoas que param na rua para aquelas ciganas lerem as mãos; há ainda àqueles que vão à cartomante para jogar os búzios e as cartas de tarô; sem contar os “profetas” que estão por aí dizendo o que vai acontecer. A vida é projeção, construção, nada pronto, é imperfeição e isso é uma bênção.

No aspecto religioso nossas igrejas estão cheias de pessoas procurando saber qual é a “vontade de Deus” para as suas vidas. É o jovem que diz que esta orando para ver se o namoro com a moça é da “vontade de Deus”; é uma família que esta com um enfermo em casa e sempre esta orando para saber qual é a “vontade de Deus”; a saída ilesa de um acidente é interpretada como “livramento de Deus”, portanto, não era da sua “vontade” a morte naquele momento, como se ele tivesse um relógio celestial em que marcasse a hora das pessoas morrerem. Apegamo-nos em algo que possa compensar a fragilidade, e a religião é uma dessas formas, ou um código simbólico para fazer uma leitura, ainda que ilusória em alguns momentos, da realidade.

Lembro-me de um caso que vi na tevê (escrevi um texto no dia 13/06/09 “Era possível um milagre?”) sobre o acidente do avião francês da companhia Air France. Bem, um programa de TV entrevistou um rapaz que no último minuto foi impedido de embarcar porque o avião já estava taxiando. Estavam no programa mais dois convidados: um astrólogo e um teólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Eles tentavam entender porque o jovem não morreu com todos os outros. Para encurtar aquelas bobagens, que nem mesmo tive paciência de acompanhar até o fim, o professor universitário afirmou que o jovem não entrou no voo porque ele precisava acertar alguma coisa em sua vida, por isso Deus o poupou. Simplesmente um absurdo. Uma postura recheada de conceitos calvinistas. Mas que Deus seria esse que poupou apenas uns e não mais de 200 pessoas? Se pudesse impedir, para quem entende que Deus permite tudo e se permite pode impedir, por que não segurou a aeronave no ar?

O fato, e podem discordar, é que, para não aceitar a vida e suas vicissitudes, as pessoas se valem de subterfúgios. Prova disso é a sociedade que vivemos onde o vazio existencial é preenchido por drogas, moda, compras, violência. Talvez as minhas reflexões não sejam interpretadas no sentido de alguém que quer buscar outros discursos para ler a vida, mas quando proponho Friedrich Nietzsche é porque ele foi filho de pastor luterano, portanto conhecia a Bíblia e até pensou em seguir o mesmo caminho do pai, mas que num dado momento percebeu que o cristianismo em voga era insatisfatório para responder aos anseios humanos, e parece que hoje a história se repete quando há um cristianismo que acentua seus valores, suas regras, suas receitas, em detrimento da vocação humana para a liberdade.

Nietzsche é influenciado, num primeiro momento, por Schopenhauer e sua obra O mundo como vontade e representação, uma filosofia pessimista da vida, mas ainda, no entender de Nietzsche uma metafísica da vontade. O que ficou dessa leitura foi a convicção de que o homem é um eterno insatisfeito. Um ser que comunga dor e prazer, e que, portanto, é ilusão conceber a vida sem dor.

As leituras em Schopenhauer e Dostoiévski levaram o jovem Nietzsche a ver a vida, a cultura e, principalmente, a ciência com outros olhos. Numa época em que o pensamento filosófico era impregnado de conceitos científicos, e, portanto, a vida tinha a sua causa e efeito, Nietzsche valoriza a vida e suas contingências desconsiderando o aspecto cientifico com a pretensão de explicar tudo a partir da razão. Ele via a vida não como lamentação; a tragédia não como expiação, mas como necessária ao crescimento vital da vida. A vida é uma constante transformação, e por isso, deve-se estar preparado para o inesperado, para a surpresa, para as batalhas que ela oferece.

Alguém que experimentou a solidão profundamente; experimentou a rejeição da sua bela Lou Salomé, aluna russa que não quis casar-se com ele; acometido de uma doença mental incurável, Nietzsche, mesmo doente, era saudável. Ele tirava proveito dos momentos mais dolorosos da vida.

Nietzsche concebe a tragédia como algo que ocorre, naturalmente, à vida. Ele aceita as contingências da vida de forma aberta, sem mediações, quer cientifica ou religiosa, pois a vida é assim, incertezas, vicissitudes.

Continuo...

1.11.09

NOVOS TEMPOS - II

Somos herdeiros de uma história. Nossa tradição é batista, fruto do protestantismo de missão que, inegavelmente, ajudou e muito a construir este país. Ideais políticos (sistema republicano com estado laico), filosóficos (positivismo), econômicos (liberalismo), religiosos (anti-clericalismo e anti-catolicismo) e educacionais (inovando com o método de leitura e ferramentas de ensino), ajudou na formação do país. A passagem do Brasil - Império para o Brasil - República, teve como participação efetiva dos protestantes que influenciaram homens como Rui Barbosa e Prudente de Moraes.

Como podemos contribuir para a nossa sociedade nesses novos tempos?

Aponto aqui alguns temas que considero relevantes.

Princípios: a defesa e a promoção dos princípios batistas são inegociáveis, eles definem quem nós somos. A autoridade da Bíblia na comunidade; a formação eclesiológica autônoma e democrática; a liberdade religiosa, moral e consciência; a separação Igreja-Estado. São bandeiras esquecidas no nosso meio. O fundamentalismo bíblico ofuscou os princípios batistas e nem mesmo os pastores conhecem eles, quanto mais os membros da igreja! Em novos tempos é imprescindível acentuar a identidade, e os batistas não são a Declaração Doutrinária da CBB, antes dela há os princípios defendidos com a vida, como, por exemplo, Thomas Helwis que morreu na prisão pela liberdade religiosa.

Pastoral: em vez de uma pastoral burocrática e administrativa, uma pastoral solidária e integral. A formação teológica não prepara o pastor/teólogo para lidar com os problemas da vida que afetam a todos. Há uma insistência na evangelização a todo o custo, e a pessoa no seu sentido mais integral é marginalizada. A mentalidade reinante é “ganhar almas para Cristo”, como se o homem fosse apenas “alma”. A sociedade, com suas mazelas e desafios éticos, não é considerada. Falta ainda uma visão holística; uma espiritualidade que não seja proselitista, mas humana.

Estrutura denominacional: a organização denominacional é empresarial. Analiso as condições da estrutura da CBESP. Na última assembleia o tom foi empreendedorismo. Não há problema nenhum em ouvir profissionais da área de finanças e imprensa, o problema esta em querer transportar conceitos empresariais para a Igreja. Já sofremos muito com o modelo eclesiástico-organizacional baseado na industrialização, dividindo a igreja por departamentos, desconsiderando completamente a liberalidade dos dons espirituais. Sendo os batistas autônomos e democráticos, e a CBESP/CBB sendo instituições a serviço da Igreja, essas poderiam promover um amplo debate sobre as questões que preocupam o país. O que os batistas têm a dizer sobre células-tronco? Qual a opinião dos batistas sobre o aborto? Como reagimos frente ao descaso do poder público com algumas necessidades vitais da promoção humana? Qual nossa postura com políticos envolvidos em escândalos financeiros? Alguém aí já viu os batistas entregando um projeto de lei no Congresso Nacional com no mínimo um milhão de assinaturas? Onde está a nossa capacidade de comunicação? Até quando os batistas iram ver os neopentecostais fazendo uma lavagem cerebral na cabeça do povo com este evangelho marqueteiro? Não é apenas um pastor que representa a opinião dos batistas, por isso a necessidade de discussão e apontamentos que falem pelos batistas de modo geral. Para isso ocorrer a estrutura denominacional precisa estar atenta a isso, não é apenas campanhas missionárias que resolveram o problema.

Essas são algumas provocações que faço. Respeito aqueles que pensam de forma diferente, mas insisto nisso: novos tempos exigem novas leituras. A minha preocupação é se estamos prontos ou quando estaremos prontos para refletir com seriedade esses temas.