21.12.11

A GLOBALIZAÇÃO GOSPEL ­– O CASO DO “FESTIVAL PROMESSAS” DA REDE GLOBO

Globalização é a palavra do momento na conjuntura mundial. Nas palavras de Renato Ortiz (sociólogo brasileiro), globalização significa “produção, distribuição e consumo de bens e serviços”. Este processo se estende para aspectos políticos, econômicos – uma das principais vertentes – e culturais. Mas o mais impressionante na esfera da globalização é o segmento midiático. A capacidade de influenciar e gerar comportamentos a partir da mídia. Em resumo, a globalização midiática proporcionou o surgimento de uma sociedade que valoriza o espetáculo, o show. O consumismo é patrocinado pela mídia e são duas forças que operam juntamente. Uma não vive sem a outra.
No dia 18 de Dezembro foi ao ar o “Festival Promessas” da Rede Globo. Para alguns foi o ápice do “evangelho” no Brasil; para outros não houve “evangelho”; alguns entenderam como “providencia divina” o fato da “poderosa” Rede Globo mostrar pela primeira vez um show tido como “evangélico”, logo ela (Globo) que sempre marginalizou qualquer notícia veiculada pelos “evangélicos”. Foi de Deus, exclamariam alguns. É Deus usando ímpios para levar adiante o evangelho, diriam outros.

É fato que a religiosidade tida como “evangélica” tende a espiritualizar tudo, não poderia ser diferente com isso, daí a explicação mais razoável: o que aconteceu foi a “mão de Deus” agindo. Não quero fazer aqui está leitura, não sou tão otimista assim.

A globalização é isso. Ninguém detém um monopólio por muito tempo. A globalização não está interessada em dogmas, doutrinas, denominações, isso não gera lucro. O interesse é de mercado mesmo. Acontece que a Rede Globo está atenta aos últimos dados do IBGE e viu que na sociedade brasileira um segmento cristão não católico está tendo um crescimento expressivo nas últimas décadas. Assim como refrigerante, cerveja e celular, religião também vende, dá lucro, e como dá. E não vale aqui o espantado com isso porque os neopentecostais ensinaram muito bem como funciona o marketing desse produto chamado indevidamente de “evangelho”.

Ocorre que é sempre um problema quando uma linguagem tida como secreta – as dos evangélicos não midiáticos, ou seja, os que não detêm uma rede de televisão ou programas de TV – veem seu discurso ser transformado em linguagem coloquial como “entra na minha casa, entra na minha vida”. Antes com um discurso hermético que somente os iniciados na religião aprendiam como “Deus de vitória” e coisas assim, vê-se agora transformado em algo comum, onde todos podem ter acesso sem precisar frequentar alguma igreja! Esfumaçou a distancia do sacro santo ambiente igrejeiro do profano e perdido mundo “jaz no maligno”. Isso deve ser um incomodo e tanto. Antes a emissora do BBB e das novelas que faz campanha abertamente a favor da cidadania homossexual é a agora a TV “usada por Deus para propagar o evangelho”. Antes o televiso Silas Malafaia “descia o cassete” – no seu próprio linguajar – na Rede Globo. Agora, ambos, estão de olho no crescente “mercado gospel”. Como as coisas mudam. Incrível.

Não estou nem um pouco interessado se é o homem dos R$ 900,00 e da “unção financeira” ou a Rede Globo que querem abocanhar a porcentagem de “evangélicos” no Brasil. Isso é simplesmente negócio, apenas isso. É venda. É lucro. É mercado. E quem faz com que isso seja assim são as pessoas que pensam que comprando o CD, o DVD ou o livro do fulano estarão mais próximas de Deus!

Não é Deus que “abriu” as portas para o “louvor e adoração” na Rede Globo. É apenas dinheiro.

Não sei, mas acho que se Jesus estivesse aqui ele faria o mesmo com tudo isso como fez no templo de Jerusalém quando expulsou os cambistas que exploravam o povo com a venda de oferendas. Infelizmente isso não será possível. Enquanto isso viva a globalização gospel.

20.12.11

DO PALÁCIO DE HERODES À MANJEDOURA DE JESUS – UMA METÁFORA DO NATAL

Nessa época do ano ficamos mais sensíveis às coisas. Parece que olhamos para a nossa condição humana e percebemos que as coisas poderiam ser melhores. Pena que isso só ocorre neste período.

Esse sentimento é o espírito de Natal. Embora a data não seja essa, e há quem acredite piamente que Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro, a tradição cristã comemora um dia, mas não é o dia, como algo exato, mas a lembrança do menino Jesus.

As narrativas do Natal nos evangelhos de Mateus (Mt) e Lucas (Lc) quer sempre nos ensinar algo. Não é apenas o relato de um nascimento, mas algo a mais. É fato que as duas narrativas (Mt e Lc) não são idênticas. Se alguém estiver procurando nelas fatos históricos, no sentido cartesiano de pensar, está equivocado. Os textos não querem ser prova de nada, pelo contrário, querem evocar uma celebração – a graça de Deus se manifestou a todos e começou inofensivamente num menino, Jesus. Portanto, nas narrativas, os autores teologizaram em torno do nascimento cada um com um enfoque teológico diferente. Enquanto Mt olha para José, Lc vê Maria; enquanto em Mt José e Maria moram em Belém, em Lc eles vão para Belém; enquanto Mt coloca Jesus a caminho do Egito – por uma questão comparativa que o autor faz entre Moisés e Jesus –, Lc Jesus volta para Nazaré. Em Mt são os “magos”; em Lc são os “pastores”.

Interessante notar que ambos, Mt e Lc, colocam um fundo político na narrativa. Em Lc vemos a sua preocupação com os desfavorecidos, com os marginalizados, com os oprimidos pelo sistema político (representado pelos romanos), social (a divisão de classes entre os judeus) e religioso (o templo de Jerusalém como dominador do imaginário religioso). Ele tem um olhar todo especial para as mulheres, é por isso que logo no início de seu texto, Lc coloca como protagonistas Maria e Isabel. Numa cultura em que mulher não tinha nenhum valor, quer político, social, econômico ou religioso, Lc dá proeminência às mulheres. Não é por acaso que o texto de Lc 1, 31-53 está o que ficou conhecido como o “Cântico de Maria” ou o Magnificat. O anúncio do nascimento de Jesus, na teologia de Lc, provocou uma renovação de esperanças e forças; era a concretização dos sonhos do povo de Israel. Lc coloca na boca de Maria uma canção subversiva, contestatória, revolucionária. O nascimento de Jesus passa a significar a inversão dos valores, outrora considerados corretos; o nascimento passa a significar a redistribuição dos bens. Para Lc o nascimento de Jesus é um protesto, da parte de Deus, contra o abuso do necessitado pelo rico; é, ao mesmo tempo, a libertação dos oprimidos e dos fracos. O “Cântico de Maria” significa a quebra de barreiras e preconceitos contra a mulher e o início da igualdade nas relações de gênero. Ocorre o surgimento de novas relações, não mais baseadas na exploração e no descaso pelo outro, mas na equidade. Se outrora o orgulho, aquele que se considera acima dos outros, detinha o poder, ele é destronado; se outrora os poderosos/ricos menosprezavam e condenavam o pobre ao descaso, agora ele é esvaziado de sua arrogância. Os humildes, aqueles que, no entender de Lc, não almejam o poder, são exaltados. É uma leitura politizada.

No caso de Mt a figura política é Herodes. O capítulo 2 Mt usa como construção literária um recurso conhecido como midraxe – é a explicação de um texto bíblico feita livremente com alegorias, imagens, comparações e até mesmo fantasias. Mt quer equiparar Jesus à Moisés e para isso ele, habilidosamente, constrói um texto em que Jesus e Moisés são semelhantes. Assim como o Faraó procurou matar crianças no Egito e Moisés é poupado milagrosamente, Herodes faz o mesmo; assim como Moisés vai para o Egito, Jesus tem o mesmo caminho; assim como Moisés sobe ao Monte Sinai e recebe os Dez Mandamentos, Jesus profere as dez (contando com o versículo 12) bem-aventuranças no monte.

No capítulo 2, Mt está colocando propositadamente a figura de Herodes, o Grande, em contraste com o menino rei Jesus – “nos dias do rei Herodes”. Há um conflito aqui entre dois reis que são distantes em propósito e diferentes em condições.

Herodes – este vivia os meandros da política. Estava acostumado com o jogo de poder. A sua busca era expandir sua riqueza e influência na conturbada região. Gabava-se de ser “amigo” do imperador romano e todos que eram contra ou representava alguma ameaça ao seu domínio ele procurava eliminar. Por conta disso matou os três filhos e a esposa. Herodes governava a partir de construções e embelezamento de cidades, inclusive foi financiador da reforma do templo de Jerusalém.

Herodes representa a inveja, o interesse próprio, o poder simplesmente por ter. Ele é o ícone da nossa sociedade em que as relações são estabelecidas pelo interesse.

Quando os “magos” procuram um rei que não seja ele, prontamente ele quer encontrar o menino a fim de mata-lo. Mt faz uma criança suplantar o notório e poderoso Herodes; ele faz uma flor parar um canhão; ele faz uma luz, ainda tão pequena, dissipar as densas trevas. A opulência do castelo de Herodes não foi suficiente diante da manjedoura. Há outro rei, exclama os “magos”, e este não é Herodes e mais, os presentes são para ele.

A manjedoura quer dizer Deus conosco. Um Deus que veio nos mostrar que a ordem das coisas pode mudar. A manjedoura é sinal de simplicidade, amor, acolhimento, visitação. O palácio gélido de Herodes é sinal de poder, sem graça, de força, sem autoridade, de ostentação de uma sociedade que busca nas relações de poder e na riqueza se encontrar.

A pergunta dos “magos” continua válida para a nossa sociedade: onde está o recém-nascido nisso tudo?

19.12.11

A SALVAÇÃO É MESMO PELA GRAÇA?

Estou conversando com a comunidade sobre a graça de Deus. Inevitavelmente um dos assuntos que envolvem a graça é a Salvação.

A graça que foi tema central na Reforma Protestante parece que virou apenas retórica na igreja e sua prática foi reprimida pelo farisaísmo que vemos presente em tantas pessoas que frequentam igreja.

A pergunta, a salvação é mesmo pela graça, é válida, uma vez que boa parte das pessoas que frequentam a igreja tem uma concepção equivocada da salvação.

O texto de Efésios 2,4-9 é clássico: “salvação é pela graça e não por obras, para que ninguém se glorie”. Infelizmente para algumas pessoas o que antecede a salvação não é a graça, mas o comportamento. Jesus diz: “venha como estás”, a igreja diz: “nem tanto, conserte-se primeiro”.

Outro equivoco é a ideia de que a salvação é individual. Sempre ouvi dizer que a salvação é algo individual. Essa afirmação só serviu para acentuar a individualidade das pessoas no quesito santificação. Elas dizem: “deixa o fulano, a salvação é individual mesmo”. Que tolice. Não há um só versículo bíblico que afirme esse conceito singular de salvação.

A salvação é desenvolvida na história, e sempre envolveu um povo e não indivíduos. Deus chama o povo de Israel e não Moisés especificamente. Deus elegeu o povo de Israel não pele seu mérito, pois não tinha nenhum (Dt 7,7-8). Com a igreja Deus predestina[1] para o “louvor da sua gloriosa graça”. A oferta da salvação é sempre coletiva – “porque a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tt 2,11) – a aceitação do ser humano que é individual, pois envolve fé.

Aquele terrorismo que se faz com a salvação que pode ser e deixar de ser salvo a qualquer momento é descabido. Salvação envolve uma comunidade – “Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador” (Ef 5,23) –, portanto não há como ser cristão individual. Não se vive cristianismo isolado. Isso porque o cristianismo não se resume em ter comunhão apenas com Deus, mas ter comunhão com Deus e com o próximo. É salvo quem faz parte de um povo salvo, quem está ligado ao corpo de Cristo.

A salvação pela graça de Deus tem como consequência a ruptura com o pecado, o pecado do qual fala Paulo, aquele que escraviza o gênero humano e submete a Criação a dores. É uma salvação da culpa e um canto de liberdade. É uma salvação de si mesmo, do egoísmo, do medo.

Não é uma batalha diária em que se autocondena por quaisquer falhas. Salvação é a certeza do amor de Deus agindo em nós; envolve esperança, vida e paz. Aqueles que vão à igreja (templo) para serem salvos estão enganados. A igreja (gente) é o encontro dos salvos.



[1] Para mais detalhes sobre a História da Salvação a partir da predestinação, ver meu artigo: Predestinação como parte da História da Salvação. Disponível em: http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-content/uploads/2009/06/01Predestinacao.pdf

5.12.11

A GRATUIDADE DA GRAÇA NA COMUNIDADE: UMA EXPOSIÇÃO DE MATEUS 18

Na Memorial em Iporanga estamos refletindo sobre a graça de Deus. Gostaria de compartilhar uma dessas mensagens a partir do evangelho de Mt capítulo 18 (leia o texto).

Se apropriando do evangelho de Mateus, que juntamente com Tiago são explicitamente judaico-cristãos, mais especificamente o capítulo 18 (cap. 18), faço uma leitura do texto olhando para a comunidade mateana que reflete a fé em Jesus como o Messias e procura resolver seus problemas internos.

É uma comunidade que enfrenta problemas externos (os fariseus, principalmente) e internos (a própria comunidade). Quando o autor quer falar a sua comunidade ele mesmo nos dá uma chave de leitura, utilizando a palavra irmãos (gr. adelfoz). O cap. 18 é conhecido como o “discurso comunitário”, o centro da experiência eclesial no evangelho de Mt. O ponto central do discurso é a graça de Deus fechando o capítulo com os versículos 21ss.

Na comunidade que vivência a graça de Deus não há maior ou menor. Daí a pergunta dos discípulos não serem condizentes com o real sentido de ser comunidade: “quem é o maior no reino dos céus?” A criança é metaforicamente utilizada para dizer: na comunidade da graça de Deus não deve haver reivindicação de prioridade, de superioridade, de posição. Antes deve haver humildade, franqueza, respeito, consideração.

Mais a frente o autor de Mt utiliza a palavra pequeninos. Quem são os pequeninos? São os fracos da comunidade; são os que necessitam de atenção. Traduzindo para uma linguagem coloquial, são os irmãos que tem dificuldades em frequentar os encontros da comunidade; dificuldades em fazer uma leitura atenta da Bíblia; são aqueles que possuem debilidades em sua fé, e quem não as tem? São aqueles em que não se pode contar muito. Para com esses pequeninos o cuidado deve ser dobrado. É melhor morrer do que fazer um desses tropeçar no caminho do discipulado.

O autor do evangelho de Mt usa até mesmo uma linguagem apocalíptica para defender os pequeninos da comunidade. Utiliza-se de fogo, inferno. Quando ele fala de mão, pé, olho é uma linguagem simbólica para exemplificar as ações dentro da comunidade (vs. 8-10). Sem dúvida a questão do imaginário infernal como julgamento definitivo está presente no evangelho de Mt, mas aqui no cap. 18 está se dirigindo à comunidade. Aqui é configurada uma situação em que o membro da comunidade se afastou do seu maior objetivo, a própria comunidade. Para Mt é o falso irmão, e o “fogo” (símbolo tão controverso no Novo Testamento) é a frustração angustiante de que está afastado do que Deus deseja para a comunidade. Nesse caso, o texto não está falando de gente que não conhece a Cristo, mas sim de pessoas que dizem ter tido uma experiência com ele. Esse é o mesmo caso no cap. 25 versos 41-42, o julgamento final levará em conta a atuação ao próximo, e aqueles que não corresponderam quanto a essa prática, o destino será o inferno. Ele encerra a questão dos pequeninos contado a parábola da ovelha perdida, ou seja, deixa a noventa e nove no aprisco e sai a procura daquele que se perdeu. Tudo isso para dizer: não deixem que suas pequenas coisas afastem ou façam perecer os pequeninos da comunidade.

E quanto aos erros que toda comunidade tem? Mt irá regulamentar isso a partir do vs 15: “se teu irmão pecar contra ti...”. O roteiro é apresentado: primeiro entre as partes envolvidas, depois se não houver solução duas pessoas, persistindo, a igreja, recusando ouvir a igreja, tratar como alguém que nunca teve ou perdeu o senso de comunidade (gentio/publicano). Mas o foco maior mesmo está na boca de Pedro: “até quantas vezes devo perdoar, sete vezes?” O perdão na comunidade não é uma questão de contabilidade. Assim como Deus que nos libera perdão numa rotação máxima, deve ser a comunidade para com os erros do próximo. Mais uma vez Mt encerra contando a parábola conhecida como “credor incompassivo”. Uma grande dívida foi perdoada (o Pai e sua infinita graça) e mesmo assim aquele homem decidiu cobrar uma ínfima quantia de outro.

A graça na comunidade é assim: ela nos nivela, não existindo maior ou menor, todos como crianças; a graça exige cuidado para com os pequeninos (fracos) da comunidade e perdão para os erros que com certeza aparecem na comunidade. Essa é a graça de ser dependente da graça de Deus e de ser comunidade. 

28.11.11

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: CAMINHOS ANTAGÔNICOS

Recentemente saiu no Jornal Batista uma série de reflexões intitulada “O pastor do século 21 – uma reflexão na área da teologia” do querido pastor Isaltino Gomes Coelho Filho. O texto no Jornal Batista saiu fragmentado em diferentes edições, mas na internet é possível ler o texto na íntegra (http://www.isaltino.com.br/2011/09/o-pastor-do-seculo-21-uma-reflexao-na-area-da-teologia/).

Na terceira parte do texto, a necessidade de uma soteriologia correta, o Pr. Isaltino faz algumas considerações sobre a Teologia da Libertação e sua relação com a Cristologia Latino-americana. Ele diz:

A soteriologia da falecida teologia da libertação é de fundo econômico, mas ingenuamente alguns de seus propugnadores criam que Jesus era um modelo que os homens poderiam seguir e que assim seriam socialmente transformados. Sendo o homem intrinsecamente bom, as pessoas precisavam ver o “modelo Jesus”, e se disporiam a imitá-lo. Outros teólogos desta linha, como boa parte dos seus comentários bíblicos mostra, falam de tal de “projeto de Jesus”, que nunca entendi qual seja. Um desses comentários, em cada página trazia o tal “projeto de Jesus”. Parece-me que era de um levantamento das massas contra as famosas “elites”, de quem todos falam, mas nunca identificam. Mas a soteriologia sempre se liga à libertação da pobreza material.
Ideologicamente, a teologia da prosperidade é irmã gêmea da teologia da libertação, pois sua soteriologia também se liga à libertação da pobreza material. Só que seu viés é pelo exorcismo, e não pela política.

Quero tecer algumas considerações ao texto e faço aqui de forma bem simplória e pormenorizada.

Começo pela chamada Teologia da Prosperidade.

Esta surge nos EUA e seu principal expoente é Kenneth Hagin dentre outros. Como toda teologia é fruto de uma cultura, a Teologia da Prosperidade não poderia ser diferente. Os EUA é a potência responsável pela estabilização econômica do mundo, e por meio das armas e ideologia pressionar nações se comportando há muito tempo como a “polícia do mundo” e conseguiu, por meio de sua moeda e filmes, impregnar o Ocidente com a sua cultura e modo operacional econômico. Pragmáticos, donos da verdade absoluta, fundamentalistas em quase todos os assuntos, os EUA passa uma imagem de opulência financeira e defensores do capitalismo selvagem neoliberal. Diante desse quadro, só poderia mesmo vir de lá a Teologia da Prosperidade. 

No Brasil a febre pega lá pelos anos 70. Com a igreja brasileira sofrendo profundas mudanças, os líderes pentecostais importam o produto; assimila a sociedade de consumo; adéqua a mensagem ao mercado empresarial e formula um discurso triunfalista, repleto de prescrições como andar no sal grosso, passar pela “porta”, a campanha dos 318 pastores etc. Seus partidários são: R. R. Soares, Edir Macedo, Valnice Milhomens dentre outros.

Tudo isso eu tenho certeza que Isaltino já sabe.

Para quem nunca leu o livro de Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina, posso até entender que não reconheça neste continente a opressão econômica e ideológica vindas do norte durante décadas. Por conta disso o segmento evangélico na América Latina formulou a Missão Integral que teve no Congresso Mundial de Evangelização em Lausanne (1974), dando origem ao Pacto de Lausanne, cujo relator foi John Stott, o combustível para que teólogos latino-americanos como Orlando Costas, Samuel Escobar e René Padilla formulassem uma teologia holística para as necessidades do continente. Portanto não foi apenas a Teologia da Libertação que procurou confrontar as condições espirituais e econômicas do continente.

A Teologia da Libertação, da qual sou um partidário, surge na América Latina com uma proposta de restauração não apenas espiritual, mas integral do ser humano. A teologia importada do “american way of life” já não cabia mais no continente. Daí o surgimento de uma nova maneira de ver a vida comunitária e a teologia que ora foi acusada pelo Vaticano de ter como matéria-prima o marxismo, o que por si só é um reducionismo visto que na América Latina há diversos teólogos fazendo Teologia da Libertação a partir de diferentes perspectivas!

Assim, é um equivoco afirmar que a Teologia da Libertação é irmã gêmea da Teologia da Prosperidade. Enquanto a primeira se dá em Comunidades Eclesiais de Base com gente da terra, pobre que vê no evangelho o espelho da vida, a segunda afirma que o sofrimento é coisa do diabo; a fé serve para conquistar bênçãos; todo o crente deve reivindicar prosperidade, a ausência dela significa falta de fé; a enfermidade é sinal de pecado; o mundo e tudo que nele há esta aí para ser conquistado. Isso não é semelhança, é disparidade que não dá nem mesmo para comparar qualquer coisa! Quando iremos comparar um Kenneth Hagin com um Leonardo Boff; um R. R. Soares com um Juan Luis Segundo; um Edir Macedo com um Jon Sobrino. Nunca!

Quanto ao “tal Projeto de Jesus” é necessário dizer. Isaltino lê os evangelhos a partir da dogmática, daí sua soteriologia correta. Por este fato ele não consegue “entender” o “tal Projeto de Jesus”. Para a cristologia latino-americana o centro da mensagem e vida de Jesus foi o Reino de Deus. O projeto de Jesus, termo que a cristologia latino-americana emprega, é entender o Reino de Deus, e para compreendê-lo é preciso ir a Jesus, para conhecer Jesus é preciso ir ao Reino de Deus e este caminho se faz pelo seguimento de Jesus. Seguimento este que se dá na prática de Jesus. Na valorização dos excluídos e marginalizados da sociedade; na compaixão e no perdão; na promoção da paz e da justiça como meio equitativo de convivência. O projeto de Jesus, portanto, é a continuação do Reino de Deus pelos seus discípulos.

Teologia da Libertação e Teologia da Prosperidade nunca poderão ser irmãs quanto mais gêmeas. 

16.11.11

“O SUJO FALANDO DO MAL LAVADO”

O movimento de “cair” no Espírito e Edir Macedo

Recentemente o universo pentecostal foi estremecido com a reportagem da Rede Record sobre o “movimento ‘cair’ no Espírito”. Intensões espúrias da reportagem a parte, é incrível como o ditado popular cai muito bem aqui: “é o sujo falando do mal lavado”, ou seja, é o pentecostalismo com suas bizarrices e o neopentecostalismo com o seu sincretismo mais desavergonhado que já vimos em terras tupiniquins.

Não é de hoje que o pentecostalismo baixo vem usando a sua criatividade para nos brindar de costumes, “unções” e modismos, quase sempre importados do Norte. Já teve “dentes de ouro” inaugurando o “culto do garimpo”; a “unção do riso”, que começou em Toronto, Canadá; a “cola do Espírito Santo” dentre outras manifestações. O “cair” no Espírito, em inglês “slain in the Spirit” tem sua relação desde 1885 com Maria B. Woodworth-Etter nos EUA, portanto, não é um fenômeno puramente legítimo no Canadá.

Isso ocorre porque no pentecostalismo, o mais baixo possível, a experiência e o fenômeno de êxtase dominam as reuniões, sem contar o culto à personalidade onde o “grande homem de Deus” detém a chave do “poder” de Deus. É uma relação de domínio sobre os demais. O Espírito Santo é sinônimo de “poder” e não unidade no corpo de Cristo.

Já o neopentecostalismo desde a sua origem, vem comercializando de novas relíquias e indulgências. O elemento mágico é usado e abusado pelos universais, internacionais e mundiais. As bizarrices que se vê nem choca mais. Com práticas até então vistas nos cultos afro-brasileiros, os neopentecostais ungem objetos que tem como função serem miraculosos: o sabonete da prosperidade, a rosa ungida, a fogueira santa de Israel, o sal grosso, o copo com água em cima da TV ou rádio. Daí as novas relíquias com a promessa de dar a bênção; as novas indulgências como a “oração forte” do homem de Deus que determina a vitória. E falando nisso penso de como as coisas mudam! Digo isso porque o televisivo Silas Malafaia é o mais novo integrante da turma da prosperidade, vendendo unção de R$ 900,00 e em troca da generosa oferta uma Bíblia de batalha espiritual e vitória financeira, com o patrocínio e a anuência “espiritual” do guru Morris Cerullo.

No nosso contexto, o tema Espírito Santo, sempre foi controverso. É por isso as constantes disputas e mal entendidos sobre o tema. Nisso até mesmo as denominações históricas têm a sua parcela de “culpa”. A teologia reformada não dispensou uma atenta atenção para o assunto, alguns manuais de sistemática nem se quer menciona a temática. Com a chegada dos pentecostais, as coisas ficaram ainda mais no campo da animosidade. O Espírito Santo foi o principal meio de divisão entre as denominações históricas, logo ele que é responsável pela unidade da igreja. No ambiente pentecostal a liturgia gira em torno do Espírito Santo; no caso do protestantismo histórico gira em torno do texto bíblico.

Essa temática poderia ser enriquecida com o surgimento de um novo paradigma para se pensar o Espírito Santo, não mais no campo das emoções (pentecostais) ou puramente doutrinário (protestantismo histórico), mas no processo da vida como um todo.

O Espírito da Vida tem como missão promover a vida. Foi por este motivo que Deus nos enviou o seu Espírito, para promover e preservar a vida. Dentro desta perspectiva, a missão não é a expansão da fé cristã a partir do proselitismo, mas a paixão pelo Reino de Deus. O Espírito Santo envolve a vida e sua renovação. Aliás, ruah (espírito) não quer dizer fôlego da vida?

7.11.11

IGREJAS RELEVANTES NESTE TEMPO

Tema da 66ª Assembleia da AIBAVAR – PIB em Jacupiranga/SP

Ocorreu a 66ª Assembleia da Associação das Igrejas Batistas do Vale do Ribeira (AIBAVAR) na Primeira Igreja Batista em Jacupiranga/SP. O povo batista do Vale é incrível mesmo. Que festa! Muita música; celebração; homenagens; emoção; adoração e gratidão a Deus pela pungência do nosso povo no Vale do Ribeira. O tema foi: “igrejas relevantes neste tempo”. É sobre este tema que gostaria de tecer algumas palavras.

O tema é abrangente e relevante (para ser redundante aqui). O mesmo tema será apreciado em 2012, isso é bom, porque assim algumas coisas que apontarei aqui podem ser colocadas em pauta nas reflexões, reuniões e congressos da nossa querida AIBAVAR.

Pensar o nosso tema exige uma reflexão apurada e coerente, ou seja, exige saber ler os tempos e tomar atitudes em relação a ele.

O nosso tempo é marcado por um secularismo camuflado, porque ainda no Brasil somos um País extremamente religioso. Mas o discurso exclusivista ou de separados já não faz tanto efeito como outrora. As pessoas, por exemplo, olham a TV e veem os neopentecostais, e isso porque elas nem mesmo sabem o que são os neopentecostais, e considera o que vê tudo igual, não fazem qualquer distinção. Não há discernimento entre pentecostais, neopentecostais e históricos. Isso é um fato. Daí então querer ter um discurso a partir de uma verdade absoluta, numa sociedade pós-moderna não cola mais.

Outra característica do nosso tempo é o questionamento da igreja como instituição, ou seja, como igreja organizada. Em geral, as pessoas olham com desconfiança para as instituições, e a igreja parece que não está escapando dessa onda também, principalmente depois de fatos de corrupção e escândalos com líderes midiáticos. Apenas para lembrar, recentemente a Revista Época publicou uma reportagem intitulada “A nova reforma protestante”. Além de ouvir alguns pastores e teólogos sobre o tema, a revista trouxe uma reportagem sobre o senhor Rani Rosique – um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. Este homem reúne-se periodicamente com vizinhos, conhecidos e amigos, umas quinze pessoas ao todo, para falar sobre a Bíblia, orar e cantar na varanda de sua casa. Rani pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Para a Revista Época, Rani pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão passando por um processo de revisão. Há uma clara tendência em separar espiritualidade de igreja (como instituição), daí a necessidade de se reformular os modelos e a forma que entendemos um grupo de pessoas que se reúne periodicamente entre quatro paredes. Essa é uma marca indelével do nosso tempo.

Para a igreja ser relevante neste tempo o Reino de Deus deve ser o eixo central na tarefa missionária. A missão da igreja é ser fermento do Reino de Deus. A ela é dada as promessas do Reino; como protagonista do Reino, é tarefa dela os sinais históricos e concretos do Reino na sociedade; levar adiante a esperança utópica do Reino de Deus e suas consequências espirituais e sociais. A igreja tem a missão de proclamar o Reino de Deus, ou seja, despertar na sociedade os valores do Reino a fim de transformá-la.

A 66ª Assembleia da AIBAVAR deu sinais claros de que o Reino de Deus é a prioridade quando decidiu por unanimidade aceitar o desafio de se ter no Vale uma casa de recuperação para dependentes químicos, isso é Reino de Deus. É entrar onde o anti-reino impera. Não é apenas olhar para a igreja local como um depósito de gente, mas é assumir a missão de ser igreja em sociedade.

Para que haja igrejas relevantes neste tempo o caminho é o diálogo e a leitura atenta dos sinais dos tempos. A mudança começa dentro da igreja quando esta percebe que o seu discurso precisa trocar de linguagem, sendo a sua mensagem central o Reino de Deus.

No mais, a 66ª Assembleia da AIBAVAR foi bênção! Momento ímpar para se discutir e apontar caminhos. E se queremos ser relevantes temos um longo caminho pela frente.

Parabéns AIBAVAR pela belíssima festa.

4.11.11

O OLHAR DE JESUS PARA A CIDADE

Uma leitura a partir de Lc 13,34  

A relação entre Cidade e Igreja, muitas vezes, é de isolamento. Afasta-se das pessoas que estão na cidade por não professarem a mesma fé ou religião. Por conta disso há uma Igreja que não se mistura com ninguém, pois entende que tudo é mau. A Igreja se esqueceu de que está no mundo e que, portanto, precisa agir nele. Por isso a Igreja deve olhar a cidade sem indiferença. Para tratar bem a cidade é preciso compreender ela; modificar pensamentos; quebrar barreiras e preconceitos; ser sal e luz de fato. Vamos observar a atitude de Jesus em relação à cidade de Jerusalém.

UM OLHAR PROFÉTICO
Como toda a cidade, Jerusalém tinha as suas injustiças: matava os profetas, apedrejava... A cidade é lugar de desigualdade; de desespero; relações injustas. Diante das mazelas da cidade, Jesus não ficou quieto. Ele agiu como um profeta e denunciou as desigualdades, a arbitrariedade daqueles que detinham o poder para governar e cuidar do povo.
No seu tempo o templo de Jerusalém funcionava como um banco. Havia muito dinheiro. As pessoas pagavam diversos tributos para o templo, daí os cambistas que trocavam moedas estrangeiras em moedas do templo, isso favorecia o roubo de quem trocava esse dinheiro com a anuência dos sacerdotes (Lc 19,45-47). A atitude de Jesus foi de revolta, de dizer não ao sistema exploratório do pobre, enquanto poucos tinham muito, muitos tinham pouco! Ele não ficou quieto e isso lhe custou à própria vida, pois os sacerdotes viu nele uma ameaça ao sistema corrupto do templo.
A Igreja não pode ficar ser conivente com o erro. Ela deve assumir uma postura profética e pregar e apontar os erros, mas também ser instrumento de apoio para a cidade. Mas exercer uma ação política não pode ser confundida com partidarismo, e isso, infelizmente, muito ainda não conseguem discernir.

UM OLHAR DE MISERICÓRDIA
Jesus não ficava lamentando os problemas da cidade. Ele via as pessoas como ovelhas que não tinham pastor, daí a sua metáfora: galinhas e pintinhos (Lc 13,34). É preciso amar a cidade, ter empatia com ela. Um olhar de misericórdia nos dá condições de entender o todo e não apenas o particular. As pessoas na cidade são egoístas, querem saber apenas o que podem ganhar e a cidade e seus dilemas fica em segundo plano.
Quem olha para a cidade com um olhar misericordioso consegue vencer o limite do próprio umbigo.
Jesus tinha um olhar afetuoso pela cidade, tanto que ele chora por ela (Lc 19,41). O seu amor era tão grande, que esta mesma cidade que ele tanto ama o crucifica, mas ele os perdoa (Lc 23,34).

Vamos olhar a nossa cidade com um olhar profético. Uma Igreja que atua na cidade para o bem dela, e não para conquistar algo para si. Uma maneira de fazer política e não politicagem, com critérios, visando o bem estar das pessoas e não os interesses de alguns. O nosso olhar precisa ser também misericordioso, mas o olhar misericordioso não anula o olhar profético. Amar a cidade é cuidar; é assumir responsabilidades pela cidade onde vive.

25.10.11

APOLOGÉTICA E TEOLOGIA PÚBLICA: A CONSTATAÇÃO DE DUAS VERTENTES TEOLÓGICAS NO CONTEXTO BRASILEIRO

É fato que a cultura teológica no País é produzida de fora para dentro. Desde que este continente foi alvo da evangelização dos missionários, a reflexão teológica foi gestada por outros centros teológicos como o europeu e, principalmente, o norte-americano. É claro que a teologia e sua reflexão é dinâmica e sempre estamos aprendendo e refletindo com outros saberes quer para fundamentar a reflexão teológica, quer para criticar outros segmento de conhecimento, quer para coadunar com a teologia. Por isso, vertentes teológicas de outros países surgem e contribuem para o aprofundamento da reflexão e isso, de um modo geral, não é ruim.

Ocorre que no Brasil a produção literária não acompanha as perspectivas do contexto latino-americano e brasileiro, com algumas exceções é claro. Um exemplo do que estou tentando dizer é o fato de estar havendo uma crescente publicação de livros sobre apologética (ramo da teologia que pretende “defender a fé”). São congressos, palestras e livros que seguem está linha, sendo na sua grande maioria de palestrantes, preletores e autores estrangeiros.

Apenas em nível de constatação segue uma tabela dos principais livros de apologética publicados em duas importantes editoras no âmbito protestante que ostentam produzir livros teológicos para o País.


A veracidade da Fé Cristã: uma apologética contemporânea
William Lane Craig (Vida Nova)
Há uma batalha intelectual travada nas universidades, nas publicações especializadas e na mídia como um todo. No calor dessa batalha, nossa próxima geração de líderes tem absorvido uma perspectiva evidentemente anticristã.

Apologética cristã cultura cristã
Cornelius Van Til (Cultura Cristã)
O objetivo de Van Til é mostrar que a cosmovisão cristã é a única racional e objetivamente válida. Sem ela, nada faz sentido. Além disso, como tudo no mundo fala de Deus como criador, o apologista cristão pode iniciar uma discussão virtualmente de qualquer ponto da experiência humana e demonstrar como ela expressa a verdade.

Apologética para a glória de Deus
John Frame (Cultura Cristã)
Para pessoas aptas para leitura de material acadêmico de nível universitário que estejam seriamente dispostas a resolver questões que apresentam certo grau de dificuldade.

Apologética para questões difíceis da vida
William Lane Craig (Vida Nova)
O objetivo é que este livro possa ajudá-lo em sua busca de compreender o plano divino, afinal, com diz em 1Pe 3.15, é tarefa de todo cristão estar sempre preparado para responder a todo aquele que lhe pedir a razão da sua esperança.

Compêndio de Teologia Apologética (3 vols.)
François Turretini (Cultura Cristã)
O autor teve como objetivo contrastar a Escritura com perspectivas teológicas conflitantes, particularmente o Catolicismo Romano, o Arminianismo.

Criação ou evolução
John MacArthur, Jr. (Cultura Cristã)
Um desafio a todos os cristãos que fazem ressalvas ao relato bíblico da criação e cortejam os falsos ensinamentos dos naturalistas, que negam o Criador, ensinando que o universo é obra do acaso, e não de Deus. Você entende aquilo em que acredita a respeito da criação? Você poderia defender seus pontos de vista diante daqueles que negam o relato de Gênesis? Neste livro, você encontrará respostas para questões difíceis. Aprenda o que a Bíblia diz sobre como nosso universo começou.


A principal ênfase desses livros é dialogar com a universidade e a sociedade sobre questões de Deus, a existência do Mal, Jesus Cristo. Não sei bem se a palavra seria diálogo uma vez que a apologética reivindica a posse da verdade sobre os temas tratados por ela.

Parece que as editoras ainda não percebeu que o positivismo (o discurso de confrontar com a verdade e provar por meios lógicos de que está certo) não é nem mesmo tratado como prioritário na agenda científica acadêmica brasileira e a cultura do País não é a mesma que da Europa e norte-americana que precisa comprovar fatos verificáveis para se crer. Aqui a religião está no cotidiano; na alegria das procissões; nas celebrações dos cultos; no som dos atabaques.

Já a Teologia Pública, discussão recente no ambiente acadêmico brasileiro, procura fazer outro caminho.

Não é a linguagem do ataque, da comprovação de que se estar com a verdade. É uma leitura que procura pautar a ética social, a justiça social, os direitos humanos, a democracia, a política e a economia. É uma maneira de falar de Deus e sua vontade (Reino de Deus) que seja condizente e intelectualmente possível no emaranhado de ideias, conceitos e comportamentos da atual conjuntura global e social.

É indubitável de que no caso brasileiro a Teologia Pública tenha sérias dificuldades. Primeiro, é sendo comum de que teologia é algo restrito às confissões, sejam elas católicas ou protestantes, sendo assim, a tarefa teológica é reduzida aos seminários e faculdades que formam seus clérigos/pastores. Sendo assim, Teologia é compreendida como um discurso para a igreja e não, propriamente, para a sociedade. É tão real isso, que nos currículos de faculdades e seminários confessionais não há disciplinas sobre a Cultura Brasileira, a formação do povo brasileiro, apenas questões concernentes à tarefa teológica-pastoral, o que é uma pena. Segundo, transportar as confissões, elemento chave nas denominações cristãs. É claro que não é possível fazer Teologia sem confissão, mas para que haja diálogo é preciso romper a barreira confessional para dialogar com outros setores da sociedade e, sinceramente, não será a apologética que fará esse trabalho.

19.10.11

CRISTOLOGIA PROTESTANTE NA AMÉRICA LATINA



Há tempos ouvimos que o Brasil necessita conceber sua própria reflexão teológica em vez de importá-la de olhos fechados. A leitura europeia e a norte-americana de textos teológicos muitas vezes é feita com lentes que não enxergam o contexto latino-americano e acabam por orientar-nos a um caminho inexistente em nosso continente.



Diante disso, é muito bem-vinda a Cristologia Protestante na América Latina – uma nova perspectiva para a reflexão e o diálogo sobre Jesus, de Alonso S. Gonçalves, que nos dá um texto rico, sólido e muito bem fundamentado e em diálogo com pensadores regionais que estão a mais tempo no mesmo labor. Sua cristologia é produzida com “olhos e coração aberto à possibilidade de o próprio Cristo chamar-nos a segui-lo a partir da nossa cultura e de nosso ambiente social, em favor do nosso povo com suas demandas, a fim de que todos, pobres e ricos no continente, possam ter acesso e identificar-se com um Cristo mais amplo, completo, o Emanuel, o Cristo entre nós, do qual a própria Escritura dá testemunho”.

“A cruz foi, portanto, o resultado de um processo dos posicionamentos político e religioso de Jesus ao longo de sua vida – diferentemente das interpretações sacrificialistas que surgiram ao longo da história da igreja. Tornou-se um escândalo crucial, sem o qual a vida cristã não teria sentido. [...] Por essas e outras razões, podemos dizer que a leitura deste livro fortalecerá a nossa fé e abrirá novos horizontes para as igrejas em seu testemunho no mundo.”

Claudio de Oliveira Ribeiro
Doutor em Teologia. Pastor Metodista e professor de Teologia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.

11.10.11

O DEUS DE JOSÉ SARAMAGO

O falecido escritor português José Saramago sempre demonstrou interesse pela religião e o cristianismo especificamente em seus romances. O mais emblemático deles é o Evangelho segundo Jesus Cristo.

Não é novidade nenhuma de que José Saramago foi ateu, ou pelo menos deixou isso claro em suas entrevistas e textos. Mesmo assim, o ganhador do Nobel de Literatura (1998) nunca deixou o tema sobre Deus, religião e cristianismo de fora de suas aventuras literárias. No Evangelho segundo Jesus Cristo, o português faz duras críticas ao “Deus” sanguinário e prepotente a partir de seu humanismo, fazendo uma clara distinção entre esse “Deus” e Jesus Cristo.

Há vários momentos no texto que merecesse a devida atenção, mas um momento é interessante, quando o diabo quer o perdão de “Deus”. Segue:

A proposta do diabo a “Deus”?
“Que tornes a receber-me no teu céu, perdoado dos males passados pelos que no futuro não terei de cometer, que aceites e guardes a minha obediência, como nos tempos felizes em que fui um dos teus anjos prediletos, Lúcifer me chamavas, o que a luz levava”.

Com muita arrogância, “Deus” pergunta por que razão deveria perdoar ao diabo? Ele responde:
“Porque se o fizeres, se usares comigo, agora, daquele mesmo perdão que no futuro prometerás tão facilmente à esquerda e à direita, então acaba-se aqui hoje o Mal, teu filho não precisará morrer, o teu reino será, não apenas esta terra de hebreus, mas o mundo inteiro, conhecido e por conhecer, e mais do que o mundo, o universo, por toda a parte o Bem governará, e eu cantarei, na última e humilde fila dos anjos que te permaneceram fiéis, mais fiel então do que todos, porque arrependido, eu cantarei os teus louvores, tudo terminará como se não tivesse sido, tudo começará a ser como se dessa maneira devesse ser sempre”.

Depois que o diabo apresenta sua proposta a “Deus”, há um silêncio tenso, uma expectativa.

Pois bem, qual a resposta?
“Não te aceito, não te perdoo, quero-te como és, e, se possível, ainda pior do que és agora”.

A leitura bíblica de José Saramago é pessimista; a imagem que ele tem de “Deus” é cínica. Acentua ele: “o Senhor dos Exércitos falava a linguagem do relâmpago e do trovão. Gostava de aparecer numa nuvem de fogo, isso nos momentos de bom humor, quando se divertia jogando praga e mais praga sobre o faraó apavorado. Não levava desaforo para o céu. Sodoma, não quis nem saber, fulminou”.

Para José Saramago Deus é inimigo do ser humano, mas ao mesmo tempo ele tem em Jesus Cristo o retorno a um humanismo solidário: “então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque Ele não sabe o que fez”.

Pena que José Saramago não tenha conhecido o Deus Abbá de Jesus; pena que a sua crítica continua válida para muitos cristãos que compreende uma imagem tão fatalista de Deus.

3.10.11

A SUBCULTURA EVANGÉLICA

A sociologia define subcultura como um grupo de pessoas com características distintas de comportamentos que os diferenciam de uma cultura mais ampla da qual elas fazem parte. Neste caso as tribos que compõem a estratificação da juventude na cidade de São Paulo é uma subcultura, onde os partidários do punk, do hip-hop e dos góticos vivem um comportamento diferente do restante da sociedade. O que os diferenciam são: a linguagem, a roupa e suas atitudes.

No universo “evangélico” há uma subcultura que confronta a cultura dominante. De um modo geral, o protestantismo sempre teve problema com a cultura. Principalmente porque uma das matrizes culturais do País é o catolicismo, e o protestantismo, para acentuar a sua identidade, fez questão de se opor ao catolicismo. Com isso houve um distanciamento da cultura brasileira. O prejuízo desse distanciamento foi à completa separação da igreja com a cultura do lugar, uma vez que “conversão” se compreendeu como separação do indivíduo com o seu ambiente vivencial. Por conta disso até hoje o pastor é procurado para ser juiz em determinadas situações que ultrapassam os muros do templo. Os questionamentos são: os adolescentes podem ou não participar de festa junina na escola; podem fazer tatuagem e usar piercing; podem ir ao “baile” da cidade. É pecado ou não? A dança, por exemplo, é colocada como pecado e anormal para cristãos, ignorando o fato de haver inúmeras celebrações no AT e NT onde a dança é um tema comum na cultura israelita. Até pouco tempo atrás o cinema era demonizado em muitas denominações e ainda há resquícios disso hoje.

Sobre o carnaval, lembro-me de que uma Igreja Batista do Estado de São Paulo saiu em carro alegórico. As críticas foram aterrorizantes! Particularmente não sou fã do carnaval, embora fique admirado com a criatividade e com alguns temas escolhidos, mas não me agrada a conjuntura do evento, mas isso sou eu, nem todos, por exemplo, ouvem ou já ouviram Beethoven, Mozart, Chopin ou Bach, é uma questão de estilo musical. Mas daí demonizar, é outra história. O carnaval não deixa de ser um evento cultural.

Quando o assembleiano considerado “herege” no meio pentecostal Ricardo Gondim escreveu o texto É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe (Mundo Cristão, 1998), ele destacou as inúmeras proibições que a sua denominação, mais especificamente, pregava no povo. Coisas como cortar cabelo, jogar bola, pintar as unhas e outras idiotices. De pensar que alguns anos atrás os assembleianos demonizavam a política e a TV, e hoje não vivem sem os dois. Perceba como os conceitos mudam. TV era o Baal eletrônico e política era coisa do diabo, e hoje?

Ocorre que essa ênfase exagerada se deve também porque se enfatizou demasiadamente a regeneração e a santificação, não como transformação de vida, mas como comportamento. O comportamento nesse caso se tornou a chave hermenêutica para a fé e para dizer se fulano é cristão ou não. Sendo assim o não fumar, por exemplo, não é porque faz mal a saúde, mas porque é pecado.

Um dos prejuízos dessa subcultura evangélica é a falta da poesia, da boa música popular brasileira, da literatura de qualidade que não são apreciadas no universo evangélico. Infelizmente.

4.9.11

A INDEPENDÊNCIA DA DEPENDÊNCIA

Há 189 anos um burguês, D. Pedro, declara a independência do Brasil de Portugal. Vale dizer, não foi uma independência onde o povo participou; não houve guerra, como em outros países latino-americanos que lutaram pelo mesmo direito, ser livres. Por aqui não houve participação popular. A independência ficou restrita aos palácios e bastidores do poder político e econômico de então.

O Brasil de 1822 continuou sendo o mesmo em 1823. Ou seja, não mudou nada significativamente. Apenas mudou o regime, de colônia portuguesa para império brasileiro.

A independência, é bom que se diga, foi motivada não por melhorias para o povo como um todo. Aliás, quem era o povo? Os escravos? Não, esses não. Esses continuaram sendo escravos no dia 08 de Setembro de 1822 até 1888. Continuaram a produzir a riqueza do país debaixo da chibata de seus senhores. Povo mesmo era a classe burguesa que queria ver ampliada as suas fronteiras econômicas, sendo a medieval Portugal um entrave para isso.

Não foi uma independência política, como se dissesse: “agora seremos livres da exploração portuguesa”. Foi uma independência econômica que teve como consequência a política. Foi uma troca de senhores: em vez de Portugal passou para a Inglaterra, nação que implanta e sustenta o sistema econômico vigente na época. Tudo isso com as bênçãos de D. Pedro.

Por conta disso, a independência não produziu transformações sociais, políticas e econômicas.

É claro que D. Pedro não é nenhum Simón Bolívar, herói da independência de tantos países latino-americanos entre eles e, principalmente, a Venezuela. Por aqui a mentalidade não foi formar um país, como Simón Bolívar, foi explorar a terra, a sua gente, os seus recursos naturais.

Não sou fatalista para com a história do meu país. Só lamento que um Tiradentes, esse sim mártir da independência, não estava às margens do Ipiranga. Na sua voz as palavras “independência ou morte” teria mais sentido e significado. Mas coube à D. Pedro está tarefa por vários motivos e caprichos da história.

Hoje, carecemos de uma independência, pois ainda somos dependentes:
- De um sistema político que favorece quem tem dinheiro;
- De políticos que não tem escrúpulos para administrar a coisa pública, vendo a política como uma maneira de ganhar dinheiro e não como um serviço à população no atendimento de suas necessidades básicas;
- De um sistema capitalista que escraviza o trabalhador que pega o ônibus 5hs da manhã todos os dias.

Mas tenho fé no meu país. Sim, sou patriota e não apenas quando a seleção canarinho está em campo. Meu patriotismo se dá porque vivo num “gigante pela própria natureza”. O sentimento de nacionalismo se deve porque aqui vive um povo que trabalha; que luta; que sofre; que não tem tanta sorte com os seus representantes; mas que está junto, que é solidário com o próximo e sabe se alegrar com as pequenas coisas da vida. Essa é a “brava gente brasileira”.

Neste dia, expresso meu sentimento pelo Brasil nas palavras do poeta Olavo Bilac:
“Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste.
Criança! Jamais verás país nenhum como este.
Olha o céu, que mar, que floresta! A natureza aqui perpetuamente em festa. É um seio de mãe a transbordar carinhos. [...]
Imita na grandeza a terra em que nasceste”.

23.8.11

OS EVANGÉLICOS “GENÉRICOS”

Recentemente, dia 15 de Agosto, a Folha de S. Paulo divulgou uma pesquisa feita pela POF – Pesquisa de Orçamento Familiar – sobre o declínio acelerado de uma denominação neopentecostal. No período de 2003 a 2009 ela perdeu 24% do total de seus fiéis.

Os fatores são muitos, mas os principais são: o surgimento de dissidências religiosas, entre os próprios neopentecostais, além do fortalecimento das já existentes; o aumento do número de “evangélicos genéricos”. A antropóloga Regina Novaes disse que esses “evangélicos genéricos” assemelham-se aos católicos não praticantes. “Eles usufruem de rituais de serviços religiosos, mas se sentem livres para ir e vir (de uma igreja para outra)”, disse ela à Folha de S. Paulo.

Os "genéricos" são crentes que não se sentem presos a nenhuma igreja e podem frequentar ao mesmo tempo duas ou mais denominações.

No mesmo período, de acordo com a POF, esses evangélicos aumentaram de 4% para 14%, atingindo quase todas as denominações. Em 6 anos, 5 milhões de evangélicos deixaram de ter vínculo com igreja.

Esse fenômeno esta tomando proporções agora no Brasil. Em países da Europa e nos EUA, o movimento dos “sem-igreja” já é um fato mais que concreto. É só olhar os títulos de livros publicados aqui que tratam desse tema por lá como, por exemplo, o de Wayne Jacobsen e Dave Coleman – Por que você não quer ir mais à igreja? (Editora Sextante). É um texto que procura encontrar a dimensão originaria do cristianismo e questiona a estrutura eclesiástica como forma de ensinar a espiritualidade. Outro é de Brian McLaren – Uma ortodoxia generosa (Editora Palavra), onde ele propõe uma revisão no que a igreja chama de dogmas, doutrinas. David N. Elkins com o seu Além da religião (Editora Pensamento), é um decepcionado com o sistema religioso herdado dos pais. Como pastor experimentou algumas frustrações. A temática do livro dele é a separação entre Espiritualidade e Religião. Para Elkins, o desenvolvimento espiritual não tem qualquer relação com práticas, ritos e costumes de uma religião, mas com o milagre da vida. Um erro que o autor aponta, e que é tão comum em nossas comunidades, é associar a vida espiritual/espiritualidade com o ir à “igreja”.

No mesmo caminho esta o livro do brasileiro Paulo Brabo com o seu A bacia das almas (Editora Mundo Cristão). Com textos provocantes e contextualizados, Brabo questiona a maneira equivocada da igreja/instituição entender/entendeu a mensagem de Jesus. Ele pontua de que é possível separar Jesus da Bíblia e da igreja. Um cristianismo sem nenhum contato com as regras e a batuta da igreja/instituição.

A pesquisa do POF demonstra aquilo que já sabíamos: as pessoas hoje aderem a uma religião, seita ou movimento não mais por sua doutrina, aliás, isso foi há muito tempo, mas por seu preenchimento existencial. Dado interessante é que cresce o número de evangélicos “genéricos” e, ao mesmo tempo na cidade de São Paulo, por exemplo, o Budismo tem tido um crescimento significativo, principalmente entre a classe média. No Brasil, a hegemonia cultural religiosa já deixou de ser católica há décadas, mas há outras vertentes religiosas que estão conquistando espaço, inclusive o islamismo. Enquanto isso o protestantismo está discutindo assuntos totalmente irrelevantes para o atual contexto religioso no país. Parece que não estamos preparados para discutir o que chamo de “democratização religiosa”. Alguns ainda não se deram conta de que não há mais espaço para o proselitismo baseado no medo e na dor (embora esse imaginário ainda reine no interior do país).

As igrejas neopentecostais estão favorecendo a proliferação dos evangélicos “genéricos”, principalmente quando transformam o templo religioso em uma “agência” de cura divina e banco financeiro espiritual. Hoje há um grande trânsito religioso, um verdadeiro supermercado, por conta dessas denominações. Pessoas tem uma agenda semanal para participar de eventos dos mais esdrúxulos possíveis. Por outro lado, o protestantismo favorece quando nossas preocupações são triviais e supérfluas e quando pregamos uma espiritualidade baseada no fazer e não no ser, na moralidade e não nos princípios. O evangélico “genérico” não suporta mais um moralismo farisaico e sadomasoquista que alguns chamam de vida cristã. Eles preferem transitar a ficarem presos em uma denominação específica.

2.8.11

SERÁ QUE SOU PESSIMISTA?

Antes de começar os meus devaneios, é bom que se diga que não sou partidário do segmento filosófico conhecido como pessimismo tendo nomes importantes como A. Schopenhauer e F. Nietzsche. O pessimismo, que se opõe ao otimismo (ideia de que a realidade é boa, o bem sempre prevalece sobre o mal), é uma visão negativa das coisas, esperando sempre que o pior aconteça. É uma atitude de espírito que acredita ser impossível mudar as coisas para melhor. Contrariando um livro do filósofo Luiz Felipe Pondé, Contra um mundo melhor (São Paulo: Leya, 2010) onde ele destila todo o seu pessimismo, eu preciso torcer, contribuir, não com o mundo, mas com essa sociedade aqui por melhores condições de vida, mas isso por conta de Cristo e os valores do reino de Deus. Do contrário se olharmos para as coisas que se sucedem é para deixar qualquer um pessimista mesmo, e é sobre isso que quero falar.

Observo apenas algumas coisas, sem a pretensão de ser exaustivo na análise, mas lacônico mesmo. Com certeza não sou o único que se sente irritado, enojado, com o conteúdo televisivo por exemplo. É uma verdadeira era da babaquice, do culto a vulgaridade. Quem suporta ver um punhado de “artistas/celebridades” que precisam ser notadas novamente porque a grande mídia esqueceu o seu nome, num programa de TV onde as conversas não tem nenhum conteúdo útil! Fico com o escritor Nelson Rodrigues aqui: nossa época está dominada de idiotas e eles são a maioria, infelizmente. Na verdade a TV está sendo cada vez mais democratizada, é até bonito de dizer isso, por conta disso é que vemos com mais intensidade algumas coisas que ofendem, agridem a nossa inteligência. As novelas, na sua maioria, servem de anestésico para a massa se esquecer de que os políticos, que nem mesmo muitos se recordam o nome, estão arruinando o que já está ruim, é o caso do Ministério dos Transportes superfaturando obras e enquanto isso as estradas em péssimas condições continuam tirando vidas. A grande mídia está a todo o momento dizendo em que devemos acreditar; o que devemos sentir; o que devemos comprar; quem devemos amar.

Num retrato da nossa sociedade, o filosofo francês J. Baudrillard coloca o consumo como um dos principais fatores para o aprisionamento do ser humano num universo de significações simbólicas relacionadas ao poder de compra onde a pessoa passa a viver em uma sociedade marcada pela insensatez. Isso ocorre porque o universo que dá sentido é o comprar e comprar. Antes, com a modernidade, era “penso, logo existo”, hoje é “compro, logo existo”. Diz se não é insensata a ideia de que dinheiro e felicidade são sinônimos? Não seria insensatez afirmar que o processo de globalização ajudou as pessoas a viver melhor? Há maior insensatez do que esta: ganhar dinheiro maltratando a natureza?

Não sei se estou sendo fatalista demais. Mas custo a acreditar que a educação pode dar jeito em alguma coisa, principalmente quando ela é pensada no seu estágio final, a universidade, e não nas primeiras séries do ensino fundamental. Isso porque, em sala de aula, apenas alguns alunos valem a pena; a globalização continua empobrecendo a muitos; as pessoas já não esperam dignidade dos políticos; na TV nem mesmo os programas tidos como “evangélicos” não disfarçam a vinculação religião-mercado; as pessoas querem ganhar dinheiro a qualquer custo e para isso superfaturam obras, vendem habeas corpus; numa sociedade em que a novela, o carnaval e o futebol são a trilogia perfeita para domesticar a população, sinceramente não vejo mudanças nesse cenário.

Não sei se sou pessimista, mas não vejo motivo para ficar otimista também (é claro, a partir de uma leitura generalizante, porque não há dúvidas de que haja motivos para ser otimista com a vida de algumas pessoas). Conforme J-F. Lyotard (filosofo francês), este é um tempo marcado pela ausência de crenças, onde os fundamentos simbólicos que dão certo sentido à história são estabelecidos pelo progresso tecnológico e cientifico e as novidades cibernéticas modificam a vida das pessoas.

Esperanças? Há muitas, mas não para nós (Franz Kafka).

26.7.11

O BRASIL DOS “EVANGÉLICOS”

Recentemente escrevi um texto (Por que não sou evangélico?) colocando as razões do por que não me considero um “evangélico”, por diversos motivos, mas o principal, por entender que o que está aí não é outra coisa senão um punhado de “igrejas”, denominações, movimentos e instituições que a grande mídia nomeia como “os evangélicos” e esses traduzem, dizem, o que são os “evangélicos” hoje. Ela (a mídia), não sabe, e nem mesmo tem obrigação de saber, as diferenças marcantes que há no universo religioso não católico que abarca protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. É por isso que nesse caso prefiro ser conhecido como Batista e não como “evangélico”. É uma pena que o termo tão caro aos luteranos, que no Brasil recebe o nome de Igreja Evangélica de Confissão Luterana, está sendo cada vez mais arruinado no país por conta de verdadeiros impérios da “fé”.

Mas o Brasil dos “evangélicos” é, de modo geral, fundamentalista em todos os sentidos, não só em relação à Bíblia. Por aqui parece que o segmento cristão não católico nem mesmo pertence ao continente latino-americano. Não se vê literatura dos nossos irmãos vizinhos (é claro, há exceções), mas estadunidense, na sua esmagadora maioria. É por este fato que por aqui o fundamentalismo é tão evidente. Não só a teologia, mas a agenda pastoral da igreja, os temas de congressos, as instituições são determinadas, infelizmente, pelo Norte. Como é deprimente ver um novel pastor desconhecer a produção teológica da América Latina em compensação, ele tem, na sua biblioteca, um punhado de livros sobre teologias sistemáticas traduzidas que formam a sua teologia e pastoral, sempre marcada pelo pragmatismo tão característico da teologia norte-americana. Às vezes parece que nem mesmo somos latino-americanos. Acho que até mesmo os nossos vizinhos pensem isso mesmo.

No Brasil dos “evangélicos” reina uma espécie de milenarismo comunitário em que o imaginário religioso leva as pessoas a acharem que estão sempre a caminho do céu e o que ocorre por aqui não diz respeito à igreja, pois o “mundo jaz do maligno”. A influência direta do pré-milenismo, deu uma concepção de história sempre supramundana e nunca intramundana. Enclausura-se num gueto e discute temas como crescimento de igreja, o modelo X ou Y que mais deu certo lá fora; se discute o que se deve usar ou não; se discute se o cristão pode beber ou não; se discute quem será o próximo “apóstolo”; se discute se a denominação X ou Y está em crise de identidade; se discute se mulher pode ser pastora ou não! A capacidade de ler os tempos é tão irrisória que no Brasil dos “evangélicos” 56% dos jovens entrevistados pelo Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã declarou que fazem sexo antes do matrimônio, mas a igreja ainda insiste em não admitir isso e nem mesmo discutir o tema com eles. Esse é um exemplo dentre tantos que atestam a incapacidade de adequar o discurso às novas realidades.

No Brasil dos “evangélicos” se faz movimento, e como faz. É o movimento em prol da família e contra a lei da homofobia, a favor da liberdade de expressão e de consciência. Ótimo. Faz-se a “Marcha para Jesus”, como se fossem um exército querendo conquistar o Brasil para Cristo a fim de transformar o país numa República Fundamentalista Evangélica. Os planos políticos dos “evangélicos” são claramente de poder, nunca de engajamento social e democrático. Controla-se a massa, denominada aqui de “evangélicos”, como um “forte” segmento social e que por isso os outros (lê-se aqui o restante da sociedade numa clara alusão a separação entre sagrado versus profano, puros versus impuros, santos versus pecadores) devem respeitar, pois não vai demorar muito “seremos maioria absoluta” como apregoa alguns. Pregadores televisivos, que enchem as manhãs de sábado discutindo assuntos internos de suas denominações, na maioria deles conflitos de poder e politicagem, arrebanham dezenas de pessoas para seus congressos e passeatas a fim de demostrar o poder de fogo que exerce no país. Que pena!

Como seria bom se os “evangélicos” se organizassem não apenas para reivindicar aquilo que consideram uma afronta ao seu sistema religioso como a união de homossexuais, mas tivessem a mesma força e disposição para ir até Brasília e reivindicar uma reforma política, uma postura ética e coerente com o país dos políticos profissionais. Seria bom ver os “evangélicos” fazendo barulho pedindo mais transparência na máquina pública, exigindo que o governo não entregasse aos partidos políticos estatais para serem saqueadas por verdadeiras quadrilhas como a que acabamos de ver com o PR (Partido Republicano) superfaturando obras no Ministério dos Transportes, engordando o caixa partidário, com o pensamento na próxima eleição. Isso nós não vemos. Não chegaremos a ver um desses pastores pop-star que pagam milhões de reais em programas de TV, com a mensagem de que está levando o evangelho de Cristo a nação, condenando, falando, conclamando o povo a tomar uma atitude concreta em relação ao país. Esses são os “evangélicos”.

Como faz falta uma Teologia Pública. Que encare o país com respeito e dignidade, olhando para as suas questões com amor, mas também com ação. Há tanta coisa que poderia ser dita sobre o Brasil dos “evangélicos”, mas esse tema está me deixando enojado.

18.7.11

CONSTRUIR COMUNIDADE

Algumas ideias que compartilhei com a Igreja Batista Memorial em Itapetininga neste domingo (17/07), uma igreja alegre, dinâmica, com uma liderança jovem e um grande potencial. Valeu a pena ter conhecido essa gente.

A nossa cultura, para seguir algumas ideias de Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, é marcada pelo individualismo. A sociedade, tida como pós-moderna, favorece isso quando dão ao indivíduo condições de satisfazer os seus desejos e os anseios principalmente com o dinheiro, base do consumo. Parafraseando René Descartes, “penso, logo existo”, hoje é “compro, logo existo”. A existência se baseia no que se pode comprar, é por isso que a esposa vai ao shopping e torra o cartão de crédito porque brigou com o esposo, o comprar completa a sua existência.

Em relação à religiosidade parece que está no mesmo caminho, pelo menos é o que alguns pesquisadores/as apontam em Ciências da Religião. Pessoas querendo atender as suas necessidades “espirituais” buscam na igreja/comunidade algo que supra as suas carências. Até aí não há problema, mas quando envolve a questão da demanda (igrejas) e a procura (clientes, digo fiéis), há um problema. Em um efervescente mercado religioso em que se pode escolher qual produto, quer dizer, evangelho, se quer, é uma tendência fortíssima de escolher comunidade que mais lhe agrada. Philip Yancey, no seu livro Igreja: por que me importar? narra a sua maneira como enxergava a igreja antes de ter uma experiência significativa com a graça de Deus. Ele se aproximava da igreja com um espírito exigente, de consumidor mesmo. Uma boa liturgia, uma boa música, um bom sermão. Ele era o espectador em busca do espetáculo que chamamos de culto. Em segundo lugar, Yancey buscava uma igreja que fosse a sua “cara”, ou seja, que tivesse o mesmo perfil cultural, o mesmo gosto, uma igreja conforme a sua imagem e semelhança. Demorou para o jornalista estadunidense entender que igreja/comunidade não é algo para ser servido, mas para servir. É por este motivo que hoje o nosso tempo é caracterizado como “trânsito religioso”, onde as pessoas migram de igreja com muita facilidade em busca de algo “melhor” ou de pessoas melhores.

Para fazer parte de uma comunidade é preciso estar disposto a construí-la. Não é possível entrar nela com um espírito de querer ser servido, mas de servir (Jesus); não se pode entrar nela sem duas coisas características e imprescindíveis para a comunidade, o perdão e o amor! É preciso estar disposto a dar algo sempre quando se decide construir comunidade.

Paulo falando para a igreja de Corinto (cap. 12, 12-27), ele trata exatamente desse problema. Lá as pessoas queriam se beneficiar da comunidade e não se entregar a ela. Havia divisão de grupos, cada um postulando um mentor, Paulo, Apolo, Pedro. Para exemplificar isso, ele usa o exemplo do corpo humano para dizer que a igreja é o corpo de Cristo e que por este fato todos são importantes, até mesmo aqueles que achamos, ou julgamos ser fracos e desnecessários. Os fortes carregam os fracos (Rm 15,1).

Construir comunidade é se dá em relacionamentos. Quem espera uma igreja pronta, nunca irá perceber a graça de ser igreja.

Quando construímos comunidade, se doando um ao outro e entendendo que o outro integra comigo o corpo de Cristo, valorizamos as pessoas em vez da instituição; valorizamos a conversa e o diálogo em vez da disciplina; valorizamos os defeitos e as qualidades do outro, quando ele sofre, sofremos juntos, quando ele se alegra, nos alegramos juntos. Por isso que tenho receio com pessoas que só conseguem enxergar os defeitos de uma igreja. É sinal de que este ainda não entendeu o que significa ser corpo de Cristo.

Não nascemos prontos. Vamos nos construindo. Pertencer a uma comunidade é exercitar o amor e o perdão como chave de relacionamento, é difícil, mas é o nosso alvo.

30.6.11

PASTOREIO DO CUIDADO

Reflexão compartilhada no encontro de pastores (30/06)

Olhando para o pastor de tradição reformada (batista, em especial), vemos algumas dificuldades em compreender o conceito de pastoreio que não seja centralizado no indivíduo. Um exemplo disso é a quantidade de livros que há sobre o Ministério Pastoral que foca inteiramente o ser do pastor, sua santidade, oração, vida piedosa, claro com exceções.

Apenas para fazer uma comparação e elucidar o que estou querendo colocar, uso um quadro comparativo do teólogo/pastor metodista uruguaio Júlio de Santa Ana, em que coloca as diferenças entre o entendimento católico e protestante sobre a pastoral. Enquanto no universo católico a atividade pastoral é a ação coletiva do povo de Deus na igreja, centralizando essa tarefa na comunidade, no protestantismo a tarefa pastoral é apenas de um indivíduo, o pastor – centralizando apenas em um sujeito. É claro que essa maneira de ser pastor no universo protestante é fruto dos reformadores que entendiam a pastoral apenas para um indivíduo e não como missão pastoral da igreja. Isso se deve porque no Protestantismo o pastor detém o discurso do Sagrado e é preparado para isso nos seminários/faculdades confessionais.

Em outros segmentos, como o neopentecostalismo, o pastor/líder deve demonstrar sobrenaturalidade, ser um mágico; no caso pentecostal o pastor/líder a sua imagem de “homem de Deus” e credibilidade ao controle do poder do Espírito Santo. No caso do pastor batista, com exceções, há uma série de mecanismo de controle e detenção do discurso a fim de legitimar o controle do rebanho – por exemplo – o domínio do texto sagrado principalmente quando se usa os recursos dos originais para assegurar a interpretação correta do texto, daí sua palavra não pode ser questionada assumindo uma postura de sobrenaturalidade principalmente, antes do sermão, com a oração para que o pregador/pastor não fale dele mesmo, mas do Espírito Santo. Muitos se valem desse argumento para massacrar, fazer valer a sua vontade na comunidade, afinal de contas ele fala em nome de Deus. Outra ferramenta de controle que o pastor batista, repito com exceções, é a postura de juiz quando julga o que é certo/errado, centralizando nele a manipulação da consciência do rebanho, além de estabelecer uma relação por meio da hierarquia, pastor é pastor, ovelha é ovelha.

O pastor no Novo Testamento (NT) não é, num primeiro momento, uma figura oficializada como temos hoje. É uma maneira de agir, não uma pessoa, é uma postura diante do povo, não um indivíduo, um sujeito. A figura do pastor remete ao cuidado, bem-estar do rebanho. Por isso o pastor não é o pregador em 1Co 14,3, sim o profeta, responsável por edificar, encorajar e consolar a igreja. A figura centralizadora do pastor irá aparecer no NT por conta das ameaças heréticas como o gnosticismo. Daí a necessidade de se ter uma liderança estável, especializada, de autoridade para defender a comunidade de ameaças externas. Isso é muito claro nas Pastorais, por exemplo, 1Tm 3,1-2. A partir daqui o profeta desaparece e o pastor assume a tarefa de pregador, administrador, doutrinador. Daí nosso jeito de ser pastor todo proveniente das Pastorais.

O pastoreio pelo cuidado é expresso em Jo 10, 11-15, o Bom Pastor. Um pastoreio pelo cuidado, pelo estar junto, pelo monitoramento saudável. O pastoreio pelo cuidado ajuda a pessoa a se tornar gente, humaniza as relações, onde o cuidador cresce junto com quem recebe o cuidado; cuidado dispensa a relação de poder; o pastoreio pelo cuidado é uma maneira de tratar as pessoas com suas histórias e singularidades, perdendo aquela visão hierárquica nos relacionamentos.

21.6.11

POR QUE NÃO SOU EVANGÉLICO?

Confesso que a cada dia que passa, tenho resistência em dizer que sou evangélico. Não qualifico mais a minha comunidade como evangélica, por entender que a nomenclatura, no atual contexto brasileiro, não condiz mais com a origem do termo na história do Cristianismo.

Num primeiro momento acho que Igreja Evangélica Brasileira não existe! Isso se dá pelo simples fato de que no segmento religioso brasileiro conhecido, popularmente, como evangélico há uma verdadeira babel doutrinária, litúrgica, teológica e ética. Não podemos nos misturar, infelizmente, porque há mais o que nos separam do quê o que nos unem. É claro que isso é resultado de um longo processo histórico desse segmento cristão (abaixo sintetizarei) que tem como característica a divisão. Isso não ocorre, por exemplo, com a Igreja Católica que tem no Papa e no Magistério a sua força de coesão. Quanto aos denominados evangélicos não há coesão, há exclusivismo, aglutinação de igrejas com seus nomes mais diversos possíveis, contendo aí uma diversidade teológica e de ênfase incrível. Quando digo que não existe uma Igreja Evangélica Brasileira, é porque há diversos blocos denominacionais que impedem a convergência e a fraternidade, é claro que há exceções, principalmente no ramo Protestante. O termo evangélico aparece na Reforma Protestante no século XVI, onde os principais personagens o usavam para qualificar um retorno às crenças e às práticas bíblicas em contraponto ao catolicismo da Idade Média. Hoje o seu sentido nem passa perto disso.

É possível sintetizar essas transformações. Num primeiro momento há Cristianismo, com os apóstolos, a igreja perseguida pelo Império Romano, os escritos do Novo Testamento, a mensagem de Jesus proclamada. Depois há a Cristandade, a partir do imperador Constantino no século IV quando torna o Cristianismo religião do Império. É a partir desse momento que as coisas começam a se complicar. Há uma bifurcação entre política e religião; uma dominação religiosa que envolve templo e clero. É aqui que as divisões não param. Os Concílios Ecumênicos que se sucederam depois desse alinhamento prova isso, marcados por divergências filosóficas, teológicas e bíblicas em torno de temas como divindade de Jesus e Trindade. Depois da Cristandade surge o Protestantismo como movimento de protesto aos desmandos da Igreja Católica como, por exemplo, as indulgências, além de enfatizar a autoridade das Escrituras; é com o Protestantismo que aparece o Denominacionalismo, irmão gêmeo do Institucionalismo, com uma estrutura organizacional que compreende várias congregações locais “unidas” com base num mesmo princípio doutrinário, teológico e litúrgico. A diversidade é uma marca perceptível das denominações, onde cada uma quer ser a máxima representante do Cristianismo com sua ética, regras, comportamentos, doutrinas. Cada uma formula o seu dogma, sua fé, causando uma multifacetação do Protestantismo. O Pentecostalismo é derivado disso, colocando a ênfase na doutrina do Espírito Santo e nos dons espirituais.

No Brasil há pelo menos três blocos denominados de evangélicos, ou que são qualificados como tal. São eles: o protestantismo histórico (Batistas, Metodistas, Presbiterianos); o pentecostalismo clássico (Assembleia de Deus, Congregação Cristã, Evangelho Quadrangular); neopentecostalismo (Universal, Internacional, Renascer, Sara Nossa Terra, Mundial). Ocorre que neste momento o terceiro bloco, o neopentecostalismo, está na mídia dizendo o que é ser evangélico hoje. Quando a sociedade olha para a igreja não católica, são os neopentecostais que ela enxerga sendo os evangélicos. Para a sociedade em geral a matriz do cristão evangélico é a igreja eletrônica com seus bispos, apóstolos, “homens de Deus”. A fonte são eles hoje, infelizmente. A sociedade e a imprensa brasileira não qualificam quem é Protestante histórico, quem é Pentecostal e quem são Neopentecostais. Certa ocasião, por exemplo, o Jornal Nacional (Rede Globo) fez uma série de reportagens sobre os Protestantes, quando falou sobre os Batistas o ancora do JN qualificou como Pentecostais. Prontamente surgiram dezenas de e-mails solicitando que o erro fosse reparado, na edição do dia seguinte o JN corrigiu o mal-entendido.

Se o termo evangélico voltasse a ser designado como uma posição teológica na autoridade das Escrituras e uma experiência pessoal de fé em Cristo, com certeza usaríamos a nomenclatura com prazer. Mas enquanto o termo evangélico for associado a um punhado de gente que se diz apóstolo, bispo, Grande Homem de Deus que faz da chantagem emocional o veículo para extorsão não cabe aqui ser identificado como evangélico. Não gostaria de ser associado a um grupo que tem como meio de bênção apetrechos como sabão ungido ou sal grosso como mecanismo para se alcançar a prosperidade; não quero ser confundido com pregadores que ludibriam pessoas com mensagens sensacionalistas a partir de uma hermenêutica pobre; não quero fazer parte de um grupo que tem no Espírito Santo o maior causador de divisões no ambiente pentecostal. Se for para ser evangélico nessas condições prefiro ser identificado como cristão, assim como os irmãos de Antioquia (At. 11,26) que, por si só, implica numa série de prerrogativas, sendo a principal delas, a identidade com Cristo. Isso já basta.