27.11.08

A IGREJA DA ESPERANÇA

Em sua principal obra Teologia da Esperança: estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã. São Paulo: Teológica, 2003, Jürgem Moltmann desenha uma Igreja que procura cumprir, verbalizar e transformar, a realidade social por meio de suas funções e vida. Partindo da ressurreição de Jesus Cristo, que se inicia a promessa e a abertura para o futuro, Moltmann entende que o futuro não se esgota com a ressurreição, mas antes confirma, antecipadamente, a promessa da glória e do senhorio do futuro Reino de Deus.

A igreja, portanto, é chamada para mediar a presença de Cristo, que por sua vez media o futuro de Deus. Cabe à igreja ser construtora da realidade futura, e não apenas intérprete da história (como é visto nas concepções milenaristas). À igreja é lhe dada a tarefa de esforça-se para trazer o futuro para o presente. Esta Igreja não pode estar à margem do cenário político-social-religioso. A igreja é a mediadora do Reino de Deus, o futuro de Deus. E como tal precisa estar aberta para o diálogo com o homem de hoje. A Igreja do futuro é uma “igreja de Cristo, missionária, ecumênica e política.” Para ela ser isso, fermento de vida, ela deve assimilar conscientemente de que é a antecipação, o sinal do Reino de Deus. Jesus, com sua missão e ressurreição, trouxe o Reino de Deus para a história, a igreja é a sua antecipação; portanto, é o povo do Reino de Deus. A esperança do futuro Reino de Deus é tarefa da igreja quando assume concretamente a sociedade em que esta inserida dando um horizonte de esperança, justiça, vida e humanidade.

Gostaria de apontar algumas implicações da eclesiologia de J. Moltmann para a Igreja Brasileira que anda capengando em suas funções e com uma profunda crise de identidade.

Em um país subjugado pelo capitalismo selvagem condenado a ser sempre especulativo, mas de terras belas e gente mestiça, a igreja tem a oportunidade de ser mais relevante nas questões sociais. Para um povo em que a “esperança é a última que morre”, a igreja necessita vivenciar a antecipação do Reino de Deus com uma postura que venha sempre favorecer a condição humana. Isso será possível com uma maior participação no processo político do país, onde, de fato, a igreja possa transmitir os fundamentos do Reino de Deus: justiça para todos, amor como base dos relacionamentos, fraternidade para com o desvalido e compaixão com quem sofre para comer o fruto da terra. A este povo festeiro que consegue passar do soluço à gargalhada em minutos, a igreja da esperança traz uma mensagem de que um país melhor é possível. Onde a violência possa perder seu espaço para a solidariedade; onde a discriminação e o preconceito para com o índio e o negro possam dar lugar ao acolhimento e a igualdade.
A grande contribuição que a igreja pode dar à sociedade brasileira é a proclamação de que o futuro ainda esta por vim. Um futuro que coadune desenvolvimento econômico com questões sociais; um futuro que inclua no desenvolvimento sustentável a responsabilidade para com o meio ambiente e suas formas de vida; um futuro que coloque Deus como promotor desta esperança e a espiritualidade, com sua diversidade de manifestações, como construtora desta realidade.

Com a proliferação de denominações tidas como evangélicas, a igreja se transformou em um grande supermercado religioso. Neste cenário, dominado pelos neopentecostais, as práticas e as prédicas são marcadas pela freqüente mercantilização do Sagrado e o uso de elementos mágicos com um fim bem claro de manipulação subjetiva e compensação imediata de desejos; o uso da comunicação de massa como ferramenta para construir impérios religiosos; o exclusivismo desavergonhado, reivindicando a verdade do discurso religioso e a atuação do poder de Deus em local e horário definido.
O desafio é urgente. Levar a igreja a ter uma consciência ética e responsável pelo seu contexto social; contar com o comprometimento de todos na missão ao mundo, tornando patente o seu plano de amor pelo mundo; incentivar o uso das vocações para a transformação da sociedade por meio dos valores do Reino de Deus; procurar ser a sinalização da graça de Deus, pois ela é a consciência mais profunda do manifestar de Deus; tornar realidade, nela mesma, a presença amorosa de Deus por meio do cuidado fraterno; alimentar a fé de um mundo melhor por meio da esperança; celebrar a chave do futuro, a ressurreição de Cristo; ser uma igreja que consiga fazer uma leitura do seu contexto com o coração aberto.

Para Moltmann, a igreja é chamada a participar do futuro e não esperá-lo como povo que observa passivamente os acontecimentos históricos, pelo contrário, a igreja tem a chave da história porque a ela lhe foi mostrada o que será o futuro a partir da ressurreição de Jesus e suas promessas.

6.11.08

"EU TENHO UM SONHO"

O mundo parou para ver a eleição norte-americana. Os jornais noticiam a vitória do democrata Barack Obama sobre o republicano John McCain. O mundo festeja a conquista de um negro filho de imigrante na chamada “terra das oportunidades”. A nação comparece em peso às urnas num país em que o voto não é obrigatório. Sentiram a urgência do momento e a possibilidade de fazer história.

Obama tem pela frente um Estados Unidos que colecionou inúmeros inimigos ao longo dos anos com sua política externa e sua pretensão de ser a “polícia do mundo”. Conta, ainda, com o desafio de enfrentar uma guerra causada por um único homem, o desastroso Bush; uma crise financeira que supera a de 1929; além, é claro, de ser estigmatizado pela sua cor.

Obama no seu discurso da vitória em Chicago, Estado de Illinois, agradeceu à sua família, em especial a esposa, aos voluntários de sua campanha, e, principalmente, a todos os norte-americanos que acreditaram que seria possível aquele dia. Lamentou a ausência de sua avó materna que gostaria de ver o neto presidente. Durante toda a sua campanha, Obama procurou a integração do país afirmando que não havia brancos, negros, mas os Estados Unidos. Passou uma mensagem de esperança e alimentou o sonho de muita gente que enxergou nele um messias.

Barack Obama é o resultado do empenho, esforço e paixão de um homem que um dia disse “eu tenho um sonho”. Martin Luther King Jr: nascido no dia 15 de janeiro de 1929 em Atlanta, Geórgia; ordenado pastor batista no dia 25 de janeiro de 1948. Sua trajetória é marcada pela luta contra a segregação racial e defesa da dignidade humana.

Na América de Luther King Jr, a segregação racial era legitimada por leis abusivas. Negros eram segregados em ônibus, lojas, restaurantes, parques, banheiros etc. É contra isso que Luther King Jr luta no caso da senhora Rosa Parks que é presa porque recusa a dar seu lugar no ônibus a um jovem branco na cidade de Montgomery. Líder natural dentro da comunidade, Luther King liderou o boicote aos ônibus da cidade.

A marcha pela liberdade culmina na “marcha dos negros” no dia 28 de agosto de 1963. Fazem exatamente 45 anos do seu discurso no Capitólio em Washington diante daquela multidão. Na capital daquele país ecoa o famoso “I have a dream (eu tenho um sonho)”. O sonho de Luther King Jr era ver “uma sociedade em que as pessoas não são avaliadas pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter”. Alguém que vivenciou a violência de radicais racistas da Ku Klux Klan; cresceu e estudou no sul do país, região escravagista.

Obama agora é ícone de esperança e depositário de sonhos de seu povo. Se hoje ele pode dizer que é possível mudar, é porque Luther King Jr ousou dizer: “eu tenho um sonho”. Em abril de 1968 é assassinado por querer tornar este sonho realidade. Depois de 40 anos ele é concretizado na pele escura de Barack Obama.

1.11.08

A CRISE ECONÔMICA

Não sou economista. Na verdade estas linhas é um atrevimento de alguém que ouve nos jornais o que está acontecendo no universo econômico, à chamada crise financeira, e que gostaria de dar um pitaco.

Os historiadores costumam dizer que a história sempre se repete. Com esta crise parece que eles têm razão. Refiro-me a Crise de 1929. Ao final da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos se estabelece como potência econômica e militar no mundo, fruto do seu messianismo para com os países europeus, que saíram arrasados da guerra. Responsável por quase 50% da produção mundial, os EUA assume a dianteira da economia mundial. O progresso tecnológico e o clima eufórico de consumo criaram o conhecido “estilo de vida americano”. A escalada de produção não acompanhou o consumo ocorrendo a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 que abala o mundo inteiro, inclusive o Brasil e seus produtores de café.

É preciso voltar um pouco para entender como chegamos até aqui.

Com o Iluminismo a razão ficou sendo o instrumento de ordenação do mundo. Agora o homem domina a natureza e faz dela sua matéria-prima para produzir mercadoria. O Iluminismo terá como um de seus filhos a Revolução Industrial na Inglaterra no século XVIII. Desde o século XIV, com a expansão comercial, o dinheiro e o lucro se tornaram mediador das relações humanas. O novo sistema econômico tem em Adam Smith o seu teórico mais expressivo com seu liberalismo econômico. Smith entendeu o capitalismo como uma força autônoma, defendendo a não intervenção do Estado no plano econômico e a livre concorrência. Na contramão Karl Marx. Alguém que denuncia o sistema capitalista como desumano e cruel. Não quero entrar na sua teoria econômica, mas apenas salientar a sua preocupação com a transformação do homem em mercadoria. Ele diz: “a produção capitalista produz o homem não só como mercadoria, a mercadoria humana, o homem com caráter de mercadoria, mas o produz, de acordo com esse caráter, como um ser desumano quer espiritual, quer fisicamente.”

Seria Marx um profeta? Estaria ele com razão quando no Capital acredita que a produção capitalista acabaria destruindo o ser humano e a natureza?

José Saramago, escritor português que faz uma leitura dos dilemas humanos como a dominação política, as barreiras que se opõem aos sentimentos mais profundos do ser humano como o amor e a solidariedade, deu uma entrevista na semana passada, e como de costume poucos jornais deram esta notícia. O assunto era a crise financeira e as medidas milionárias que os governos de diversos países estavam tomando para salvar o sistema financeiro global. Na entrevista ele pergunta: “onde está este dinheiro para salvar os africanos da fome e da miséria?” É Saramago o sistema econômico sempre foi mais importante que as pessoas. Friedrich Engels tem razão quando coloca o Estado como o primeiro poder ideológico no sentido de garantir o bom funcionamento da economia e a defesa da propriedade privada.

A crise demonstra a relação dependente das pessoas com o dinheiro. As pessoas coisificam as relações pessoais e personalizam as coisas. O dinheiro é transformado em fetiche quando o ter é confundido com o ser. É muito comum ver alguém comprando algo não porque precisa de fato, mas porque deseja. O produto é mais um combustível de vaidade pessoal.

A crise financeira revela uma crise humana. Quando as pessoas colocam o dinheiro como centro de suas vidas, as relações ficam deterioradas. Isso não começou no setor imobiliário norte-americano que deflagrou a crise. Isso é conseqüência da relação depredatória que a humanidade vem construindo com o planeta desde a Revolução Industrial; o autoritarismo econômico dos países chamados ricos sobre os países emergentes; o lucro como fator preponderante nas relações diplomáticas.

Quando as relações entre nações forem pautadas pela ética e a solidariedade e não somente pelo fator econômico, seria possível ver um mundo melhor onde os milhões seriam destinados a pessoas e não a bancos.