28.4.15

PREDESTINAÇÃO E SALVAÇÃO

Em Cristo, Paulo centraliza todo o processo salvífico.

Embora surjam textos como desde a fundação do mundo, o fato é que o aparecimento de Cristo na história fez com que a comunidade olhasse para trás e concluíssem que de fato Deus estava no conduzindo. Mas isso não significaria nada se ele não estivesse atuando no tempo. A comunidade compreende que foi na ação histórica de Deus que se deu a sua eleição.

E essa eleição não determinou o seu curso nem suprimiu a história, mas dá à comunidade o fundamento de sua experiência no tempo como algo prioritário para Deus, quer dizer, sua eleição/predestinação, pois ela tem a sua origem na vontade salvífica de Deus — “nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, e manifestada agora pelo aparecimento de nosso salvador Cristo Jesus” (2Tm 1,9-10).
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Mas é no tempo que ela se concretiza, porque foi agora que se manifestou a justiça de Deus, testemunhada pela lei e pelos profetas. É no agora que se recebe a reconciliação através de Cristo. A história estava caminhando para um alvo divino, e neste alvo os gentios estavam incluídos.

É aqui que entra o conceito de justificação e reconciliação de Paulo. A justificação e a reconciliação seriam algo individual ou coletivo?

Os dois conceitos estão extremamente ligados. Porque um diz respeito à absolvição de todo o pecado; outro à restauração de um relacionamento com Deus. São dois conceitos teológicos que se dão no passado.

Para o apóstolo, é uma dádiva de Deus em Cristo que foi comunicada a todos (judeus e gentios). Porque o alvo não seria o indivíduo, mas uma nova humanidade.

O pecado não é mais barreira de divisão entre Deus e o ser humano, porque “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2Co 5,19). A reconciliação é um ato histórico, em Cristo, e coletivo. Sendo assim, Deus não quis reaver os pecados cometidos antes do aparecimento de Cristo na história, mas agora, com ele e sua obra, há a possibilidade de decisão (At 17,30).

Uma vez que a reconciliação e a justificação são iniciativas de Deus no aspecto coletivo, seria a predestinação algo individual?

Uma vez que a justificação e a reconciliação são bênçãos proporcionadas por Deus em Cristo de caráter coletivo e histórico, a predestinação do mesmo modo é algo dado num momento histórico com um fim exclusivamente soteriológico.

Neste sentido, a salvação é uma proposta divina à humanidade, é o sim de Deus em Cristo (2Co 1,19-20). Uma vez sendo essa resposta afirmativa à sua proposta, todas as bênçãos espirituais são realizadas plenamente. E o propósito da predestinação é concluído (Rm 8,29-30; Ef 1,4-5).

Assim como a eleição no Antigo Testamento (Bíblia Hebraica) visou o povo de Israel (Dt 7,7; 14,2), a predestinação no Novo Testamento nunca é individual, mas coletiva — a Igreja, a comunidade dos santos. Não é por acaso que a Igreja primitiva tinha ideia de constituir a raça eleita, um povo santo (1Pd 2,9).

A predestinação não poderia ser algo puramente determinista e selecionista. 

21.4.15

JESUS, UM "LESTAI"

ASLAN, Reza. Zelota: a vida e a época de Jesus de Nazaré. Tradução de Marlene Suano. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, 304p.

Reza Aslan é um pesquisador de temas religiosos que vem se destacando nos estudos quanto às origens do cristianismo primitivo.

De origem iraniana, Aslan teve contato com o cristianismo na adolescência e trilhou o caminho da pesquisa religiosa por se aproximar da Bíblia e encontrar algumas dificuldades com aquilo que aprendera e que agora estava se aprofundando, encontrando assim discrepâncias e situações diversas quanto aos postulados da sua então fé.

Ainda assim, Aslan confessa que “duas décadas de pesquisa rigorosa sobre as origens do cristianismo fizeram [dele] um discípulo de Jesus de Nazaré mais genuinamente comprometido” (p. 13).

Um estilo cativante e criativo ao escrever, Aslan proporciona no texto uma narrativa de fôlego abrindo caminhos na construção de um Jesus de Nazaré a partir do seu contexto social e, principalmente, político.  Um Jesus que vive em um país subjugado pelo Império Romano e pelo Templo.

O livro se divise em três partes com capítulos curtos que fazem a conexão com o próximo, contribuindo assim para uma leitura agradável.

O tema central do texto de Aslan é a figura de Jesus de Nazaré, ou seja, ele persegue o Jesus histórico.

O Jesus que interessa para Aslan não é o “Cristo da fé” proclamado pelos dogmas e pregado pela Igreja. Interessa o Jesus de Nazaré, o homem que viveu na Galileia, andou pela Palestina do primeiro século; teve companheiros (discípulos) e se colocou como um divulgador do Reino de Deus.

O foco histórico do livro de Aslan é um Jesus que procurou estabelecer o Reino de Deus e, como outros que vieram antes dele e depois dele, com pretensões messiânicas.

Aslan apresenta muito bem o que significa “Reino de Deus” e “messias” no seu texto, fazendo uma abrangente discussão em torno desses temas, tornando eles indispensáveis para a sua narrativa.

O ponto mais importante que Aslan apresenta de Jesus de Nazaré, e que define a sua caminhada para a cruz, é a discussão proposta nos evangelhos sinóticos – esses sendo uma das principais fontes de Aslan para acessar o Jesus histórico –, onde é perguntado sobre a legitimidade de pagar o imposto para Roma. Esse é o foco do livro de Aslan como também a entrada de Jesus no templo e sua revolta com o comércio aliado ao sistema sacerdotal.

Aslan discute o tema do zelo em Jesus de Nazaré e considera que a acusação de “Rei dos Judeus” é perfeitamente plausível para Jesus, uma vez que Roma o considera como um lestai, ou seja, um agitador; alguém que deveria ser condenado por sedição.

Embora o livro de Aslan seja bem escrito e academicamente preparado – ele está familiarizado com as recentes pesquisas quanto ao Jesus histórico, fazendo eco a pesquisadores como Richard A. Horsley, por exemplo, um dos mais competentes estudiosos do cristianismo primitivo –, ele, dentre todos os temas da vida de Jesus de Nazaré (nascimento, caminhada, discípulos, morte e ressurreição), não trata da Páscoa celebrada por Jesus e seus discípulos. Em nenhum momento do seu texto Aslan deixa claro porque omite a narrativa da “ceia” presente nos evangelhos sinóticos.