18.2.12

ORGULHO DE (NÃO) SER EVANGÉLICO

Em solidariedade a Ricardo Gondim

Eis um universo em que mídia e religião se dão as mãos. Este é o universo dos galácticos do mundo neopentecostal. O interesse na massa e fé como instrumento de barganha com Deus; o culto a personalidade; as conquistas financeiras como sinais da “bênção de Deus”. É por esses e outros motivos que não me considero “evangélico” há muito tempo. Já escrevi neste blog alguns devaneios neste sentido, o mais significativo foi “por que não sou mais evangélico”.

Nesta postagem quero ser solidário ao pastor que foi Católico Romano, presbiteriano de dormir com as Institutas de Calvino e se orgulhar disso, que foi para a Assembleia de Deus e vivenciou o farisaísmo de uma denominação que postula a “posse” do Espírito Santo que deixou de ser assembleiano e organizou a Betesda, agora afirma que está deixando o que ele chama de “Movimento Evangélico”.

Outrora Gondim escreveu em 2000, pela Editora Ultimato, Viçosa/MG, “Orgulho de ser evangélico”, se fosse possível hoje ele mudaria o título daquele livro. Hoje ele tem orgulho de não ser evangélico.

Em seu texto que se despede do “Movimento Evangélico” intitulado Tempo de partir (disponível em: < http://www.ricardogondim.com.br/estudos/tempo-de-partir/>), o pastor pentecostal faz algumas assertivas que merecem ser pontuadas aqui. Ele diz:

 - Vejo-me incapaz de tolerar que o evangelho se transforme em negócio e o nome de Deus vire marca que vende bem. Não posso aceitar, passivamente, que tentem converter os cristãos em consumidores e a igreja, em balcão de serviços religiosos. Entendo que o movimento evangélico nacional se apequenou. Não consegue vencer a tentação de lucrar como empresa. Recuso-me a continuar esmurrando as pontas de facas de uma religião que se molda à Babilônia.

Não desejo me sentir parte de uma igreja que perde credibilidade por priorizar a mensagem que promete prosperidade. Como conviver com uma religião que busca especializar-se na mecânica das “preces poderosas”? O que dizer de homens e mulheres que ensinam a virtude como degrau para o sucesso? Não suporto conviver em ambientes onde se geram culpa e paranoia como pretexto de ajudar as pessoas a reconhecerem a necessidade de Deus.

Posso ainda não saber para onde vou, mas estou certo dos caminhos por onde não devo seguir -

Gondim está certo. Não dá mais para se identificar como “evangélico” nesse país. Está muito deturpado esse conceito. Ele não tem nada haver com o conceito que surgiu na Reforma Protestante. Portanto, acho imprescindível fazer uma ruptura com esse evangelho mercadológico que tanto tem desvirtuado os valores do Reino de Deus.

3.2.12

ESPIRITUALIDADE AFETIVA

Enquanto alguns apontavam o desmantelamento da religião como organizadora de sentido, outros continuaram dando a ela o crédito de ser mediadora, com algumas baixas é claro, da existência humana.

A desconstrução de um Deus gestado a partir da metafísica começa a ter voz com F. Nietzsche com o seu famoso enunciado “Deus está morto”. O filósofo alemão marca uma ruptura entre Sagrado e religião institucional.

Com a pós-modernidade se delineou um novo modo de se pensar e viver religião. Outrora o conceito de Deus/Religião produzido no Ocidente a partir da filosofia grega e a escolástica, não se torna mais possível em uma cultura onde a existência e o sentido das coisas são profundamente revisto pelos mestres da suspeita – K. Marx, S. Freud e F. Nietzsche.

Indubitavelmente a secularização e a globalização, a religião se vê num dilema: antes era possível uma religião burocrática, fixada em suas posições doutrinárias e dogmáticas, agora uma realidade de fraqueza e impotência em relação ao ser humano pós-moderno. A secularização relativiza a religião; o fim da metafísica leva a repensar a transcendência. Se antes a religião era centralizadora, hoje se faz desnecessária num contexto de sociedades flutuantes e dinâmicas, pelo menos no Ocidente.

Assim como religião não pertence mais a lugares específicos de produção simbólica, o conceito de Sagrado esta ganhando outras proporções também. O indivíduo molda sua crença em torno da disponibilidade religiosa que encontra. Neste sentido se antes religião significava códigos definidos, ritos, normas morais e discurso institucional, agora carrega em seu campo semântico a ideia de busca pela transcendência, o ato de transcender, a busca pelo bem-estar espiritual.

Eis o problema. De um lado a religião institucionalizada não é mais atrativa; por outro lado ainda chama atenção à espiritualidade e os valores pregados pela religião. A questão é abrir caminhos para dialogar com este tempo em que o místico substituiu o doutrinário, o afetivo superou o ritual e o experiencial suplantou o institucional.

No Brasil o fenômeno dos “sem-religião” cresceu como apontou o último senso IBGE. Em seis anos foi de 0,7% para 2,9%, ou seja, são quatro milhões de brasileiros que não tem vínculo nenhum com uma religião institucionalizada. Mas isso não significa que não nutrem ou cultivem alguma espécie de espiritualidade.

Tendo este cenário religioso como contexto, a espiritualidade em diferentes formas borbulha. Daí a sua dimensão pública, pois não necessita estar vinculada a nenhuma religião para vivenciar a sua dimensão espiritual. A religião que outrora era produtora de sentido e mediadora de bens simbólicos do imaginário religioso se depara agora com indivíduos que fazem as suas bricolagens espirituais e escolhas próprias, sedimentando, costurando suas próprias combinatórias simbólicas.

O cientista da religião Alberto da Silva Moreira constata outro viés da espiritualidade dentro desse novo contexto:

É preciso perceber que a satisfação de grande parte das necessidades espirituais das pessoas não depende da compreensão ou da inserção em grandes sistemas religiosos, como uma opção consciente e clara, que implicaria numa fidelidade duradoura. Grande parte das pessoas se contenta com fragmentos que fazem sentido para elas naquele momento, com partes desconexas, com imagens e rituais desacoplados, sem longas fundamentações teológicas e com memória histórica bastante curta. O que orienta a decisão às vezes é a lógica do custo-benefício, a satisfação subjetiva, a confirmação da instância interior.

Está dada a concepção de uma espiritualidade afetiva.

Se antes a concepção de fé cristã era mais um exercício mental – aprender, recitar, decorar e expor apologeticamente – neste cenário não cabe mais essas prerrogativas, mas as experienciais.

A igreja sempre priorizou doutrinas, dogmas, ter certezas sobre a eternidade e deixou de vivenciar uma espiritualidade que focasse o ser humano como mediador de santidade (é o tema da carta de 1Jo).

Uma espiritualidade afetiva lê a Bíblia sem procurar nela verdades inquestionáveis sobre a vida, antes lê a Bíblia com afeto e assim seguem Jesus.