6.2.14

ENTRE O CARISMA E A INSTITUIÇÃO

O processo de institucionalização de qualquer movimento tende a ser o caminho mais rápido. Até agora as previsões de Max Weber continuam sendo válidas. Primeiro se dá o movimento com os seus “carismáticos”, um “profeta” ou “político”. A crença é o principal veículo de condução e apenas ela favorece o andamento do movimento. Quando o movimento está querendo ter uma expressão maior e tem um número considerável de pessoas surge à tradição. Agora o grupo, até então movimento, procura coesão, procura uma identidade – não levando aqui as consequências de se usar esse termo, recomendo a leitura do texto de Stuart Hall, A identidade cultural na pós-modernidade –, e precisa de um conjunto de fatores que lhe dê uma diretriz organizacional e doutrinaria. Aqui, na previsão de Weber, aparece a instituição. Agora se obedece não à crença, mas sim a tradição. Não é mais necessário o “carismático”, aparece à figura do organizador do processo de institucionalização. É ele quem organiza as regras, doutrinas, ritos e determina o que pode ou não pode fazer, agora não mais em cima de uma crença e sim em cima de uma tradição.

Com o Novo Testamento o processo foi parecido e esse é um dos problemas que temos com a leitura e a interpretação do texto.

Guy Bonneau em seu texto Profetismo e instituição no cristianismo primitivo analisa esse processo em que o carisma dá lugar à instituição e algumas mudanças na eclesiologia neotestamentária definem os rumos do que entendemos por igreja hoje e sua liderança.

Num primeiro momento há o profetismo. Nas comunidades paulinas o profetismo era o elemento que mantinha a comunidade em torno de pessoas carismáticas e aptas a dirigir a atividade eclesial. A ênfase nos dons espirituais se deve pelo fato de que a comunidade se entendia como iguais em dignidade de todos com todos, por esse motivo a coesão, incluindo aí a pluralidade em manifestações tão recorrentes nos textos de Paulo em Romanos e 1º Coríntios sobre a diversidade dos dons espirituais, era uma dádiva da manifestação do Espírito Santo, favorecendo os carismas. Esse, os carismas, é um neologismo paulino para indicar um dom do Espírito Santo ofertado a qualquer um na comunidade. A comunidade é estruturada a partir do Espírito, ele é o doador da liderança carismático-profética que dirige a comunidade por meio da distribuição de dons.

Quando a comunidade passa a ser uma instituição e não mais uma comunidade de iguais, a figura do Espírito Santo passa a ser obnubilada, não esquecida. Ele deixa de ser um “agente” propagador dos carismas. O foco passa a ser os ministérios ordenados, uma espécie de hierarquia, onde o Espírito Santo apenas sopra na direção de alguns. A concepção de iguais deixa de ser uma realidade, assim como era nas comunidades paulinas, e passa a ser uma relação de onde alguém, ou um grupo, sustenta uma autoridade sacralizada e precisa proteger algo, a tradição. É aqui em que o Espírito não nivela mais a todos por meio dos dons espirituais.

Esse processo neotestamentário é visível entre as cartas paulinas e as deuteropaulinas.

As chamadas cartas pastorais representam bem o cume desse processo e a disputa ente o profetismo e a instituição.

Recentemente o universo batista brasileiro foi sacudido por conta de uma decisão da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB) em aceitar no seu grêmio mulheres.

As reações foram diversas. Houve de um tudo. Alguns aplaudiram, sem mesmo saber direito o que isso significava, outros repudiaram prontamente, também sem conhecer com mais acuidade do que se tratava. Outros foram contra por entenderem que a Bíblia estava sendo “rasgada”, expressão de alguns. Os sentimentos estiveram à flor da pele, principalmente no grupo que entende que precisa “proteger” a Bíblia como “palavra de Deus”. Bem isso é uma outra história. O mais interessante é que os extremados estavam propondo, e ainda continuam fazendo tal apologia, uma divisão na OPBB por conta dessa decisão, não respeitando o processo democrático e de direito de um órgão da Convenção Batista Brasileira e sua autonomia.

Bem, essa discussão em torno da ordenação feminina serviu para trazer mais um tema para o debate. O símbolo pastor/a pode ser interpretado apenas como pertencente à instituição ou ele continua sendo um carisma? Pastor/a é uma função ou ainda pode ser considerado um dom do Espírito Santo?

A conta não é tão simples assim. Sendo as comunidades paulinas dirigidas, incialmente, pelos carismáticos – e essa designação não tem nenhuma relação aqui com o movimento pentecostal, apenas uma identificação de pessoas que possuíam os dons espirituais para contribuir com a edificação do corpo de Cristo – e depois, muito tempo depois, por algumas razões que não vem ao caso aqui, serem dirigidas pelos institucionais, é sensato ignorar essa transição em que se deu a questão da liderança neotestamentária na comunidade e fechar a questão em torno do gênero homem e mulher?