25.2.15

“SOMOS O POVO DA CRUZ...” AQUI TAMBÉM?

O mundo vem se surpreendendo cada vez mais com a capacidade de crueldade e desprezo pela vida do chamado “Estado Islâmico” (EI).

O último ato de barbárie do EI foi a morte de vinte e um cristãos coptas do Egito, pelo modo mais medieval possível, a decapitação. 

Os cristãos coptas no Egito remontam ao século I. Segundo a tradição eles tiveram contato com o cristianismo por meio do “apóstolo Marcos”.

Hoje, 90% dos cristãos coptas pertencem à Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria, que nasceu no próprio Egito.

A Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria é independente e não está em comunhão nem com a Igreja Ortodoxa nem com a Igreja Católica. A separação aconteceu após o Concílio de Calcedônia, no ano de 451. Embora haja igrejas coptas de tradição católica e protestante.

O último dia 15 de Fevereiro, o mundo conheceu o martírio dos vinte e um cristãos coptas na Líbia. O que chamou a atenção do Ocidente foi o “recado” deixado pelos jihadistas: “uma mensagem assinada com sangue para a nação da cruz”.

Por mais que a cristandade tenha suas diferenças, assim como no islã também, todos ficaram extremamente estarrecidos com o ocorrido.

É claro que o fundamentalismo, palavra cunhada nos EUA no século XIX, está presente tanto no catolicismo, protestantismo e islamismo. Cada qual com seus métodos e maneiras de lidar com o outro, na tentativa de desqualificá-lo religiosamente por não pertencer ao seu segmento religioso.

Com o EI, o fundamentalismo ganha contornos de violência extrema, por não aceitar outra religião no seu espaço de atuação.

Mas olhemos para cá, o Brasil.

Com o martírio dos cristãos coptas, foi possível ver diversas manifestações de solidariedade nas redes sociais. Frases como “eu também sou do povo da cruz” foi a mais vista. Mas o que significa isso?

Bem, aqui nada!

Lá, os coptas são pobres e vão para a Líbia procurando trabalho.

Lá, a situação de perseguição no país, de maioria mulçumana, foi intensificada contra os coptas, principalmente depois que o ditador Hosni Mubarak foi deposto, em 2011. Lá ser cristão não significa viver bem, significa ser perseguido e, como aconteceu e vem acontecendo, morrer.

Cá, é diferente. É gente procurando o “apóstolo” ou o “bispo” tal, porque ele irá resolver os problemas financeiros ou de saúde.

Cá não tem martírio, ninguém é exposto com a sua fé, até porque está na “moda” ser gospel.

O cantor sertanejo tem a sua imagem arranhada por inúmeras situações com bebida. Da noite para o dia, decide que é cantor gospel. Alguém aí levanta a questão: “mas ele se converteu!”. Ah sim, deve ter se convertido... Está cada vez mais difícil nesse universo gospel a conversão ser desprovida de interesse financeiro.

Outro caso, a moça tem uma experiência “traumática” com o corpo, porque ela é filha desse tempo em que a futilidade é marca preponderante. Ela vai parar no hospital e quando sai se torna “bispa” e irá ter um programa na TV de uma igreja que não faz outra coisa a não ser construir um império em nome da “fé”.

Por aqui “o povo da cruz” precisava descer da cruz os crucificados (uma expressão de Jon Sobrino) que são martirizados por um sistema econômico que segrega os menos desprovidos de capital.

Por aqui “o povo da cruz” precisava ser unido no sentido de cobrar da classe política do país responsabilidade com os gastos públicos. Um “povo da cruz” não se conformaria com a precarização do Sistema Único de Saúde (SUS).

Se lá ser cristão significa morrer, aqui ser cristão significa nutrir uma espiritualidade marcada pelo consumo onde se busca a “bênção” de Deus.

Todos ficamos chocados com o ato desumano do EI com aqueles irmãos. Eles morreram orando...

Não tenho condições de pegar “carona” nesse episódio trágico e produzir frases de efeito quando estou distante geográfica e espiritualmente da realidade desses irmãos.