30.3.16

TRANSFORMADOS PELO PODER DO REINO DE DEUS E A SUA JUSTIÇA

Esse foi o tema do Encontro da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil – Seção São Paulo no dia 28 de Março de 2016 na Primeira Igreja Batista do Brás (São Paulo).

Um tema profundamente propício para um tempo como o nosso onde perdemos a definição de justiça, ou estamos em busca de uma síntese e não encontramos.

A proposta em atrelar o reino de Deus e a sua justiça faz todo o sentido desde os profetas, como Jeremias, Amós, até Jesus de Nazaré. A justiça está presente na proclamação do reino de Deus.

Na abertura do Evangelho de Mateus, a primeira palavra de Jesus é justiça (3,15).

No Evangelho de Mateus justiça é uma fidelidade nova e radical à vontade de Deus. Isso podemos ver no texto de Mateus 6,33 como em todo o Evangelho de Mateus.

Ocorre que temos sérias dificuldades para compreender o reino de Deus assim como está nos evangelhos. Isso se deve, acredito, pelas concepções escatológicas que cultivamos. Uma dessas razões, foi colocar o tema do reino de Deus na seção “Escatologia” das teologias sistemáticas.

A teologia sistemática olhou para Jesus a partir das doutrinas estabelecidas nos Concílios e não focou na caminhada de Jesus entre o povo. A grande maioria das Teologias Sistemáticas não se preocupam com aspectos do cotidiano de Jesus, mas sim em doutrinas estabelecidas no decorrer da história da igreja. Com isso, deixaram o tema do reino de Deus como sinônimo de milênio. Um equívoco.

Em outro momento, o reino de Deus passou a ser subjetivo – dentro do coração da pessoa.

A exegese bíblica recuperou a concepção de reino de Deus no Novo Testamento e biblistas são unânimes em afirmar: o centro da mensagem de Jesus foi o reino de Deus.

Nos esquecemos disso quando, usamos “a teologia da volta de Cristo como despiste para não se cumprir as exigências do evangelho do reino” (Israel Belo de Azevedo).

A realidade do reino de Deus no Evangelho de Mateus

O reino de Deus é uma realidade divina e humana. Tem origem em Deus e entra no mundo para alcançar o ápice em Deus.

É futuro, e ao mesmo tempo, presente (Lc 17,21-22).

Cresce sozinho, sem lutar contra os inimigos; sem observância meticulosa da Lei.

Requer a colaboração humana (da igreja).

Dissemina-se de modo extraordinário pelo dinamismo e requer uma decisão radical para que se possa instaurá-lo e retê-lo.

Não aponta para uma extensão territorial, mas designa uma força divina – é o próprio Deus enquanto Senhor.

O tempo do reino de Deus se inicia não no cronos, mas no kairós – objeto de confiante expectativa, por isso a oração “venha a nós o teu reino”.

No Evangelho de Mateus há uma estreita relação entre o reino de Deus (céus) e a justiça.

A busca do reino de Deus se concretiza na busca da justiça. É a participação naquilo que Jesus propõe, ou seja, concretizar o reino de Deus. Por isso, seguir Jesus, torna-se para os discípulos, seguir o caminho da justiça (21,32).

Essa justiça precisa ser superior aos dos fariseus (5,20). Os reconhecidos discípulos de Jesus têm fome e sede de justiça (5,6). Por causa sela, eles serão perseguidos (5,10).

Se há a prática da justiça atrelada ao reino de Deus em Mateus, há também a figura do justo.

Quem são os justos?

Os justos são aqueles que praticam a justiça como agentes do reino de Deus; aqueles que procuram agradar a Deus.

Os justos, para Mateus, não ficarão surpresos com o julgamento (25,35-40), pois realizaram obras de justiça sem contabilizarem o que estavam fazendo.

Para Mateus a prática da justiça é realizar o reino de Deus, e os justos são os agentes dessa prática que antecipa o reino de Deus no meio da sociedade.

Conclusão

Os batistas já foram mais comprometidos com a sociedade e a prática da justiça.

Os batistas produziram um documento (Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil – 1963) em que o tema da justiça era contemplado.

Nesse documento no item Justiça Social, diz:

Reconhecemos a inadequação da presente estrutura social, política e econômica para a realização plena da justiça social, pelo que insistimos na necessidade de um reexame corajoso, objetivo e despreconcebido da presente realidade brasileira, com vistas à sua estruturação em moldes que possibilitem o atendimento das justas aspirações e necessidades do povo.

Essa necessidade ressalta da constatação da ineficiência dos institutos assistenciais do Estado, que transformam num favor concedido a custo, direitos líquidos dos trabalhadores; da irracional aplicação dos recursos públicos, que deveriam antes de se destinar, mais liberalmente, aos ministérios da Saúde, Educação e Agricultura, para a solução de problemas sociais angustiantes; da sobrevivência de regimes feudais de propriedade e exploração da terra; da generalizada pobreza das populações carentes mesmo do alimento indispensável à sobrevivência; da injustiça na distribuição das riquezas, e da utilização destas para o cerceamento das liberdades essenciais; da inadequada exploração das nossas riquezas naturais, cujo aproveitamento não só deveríamos intensificar, como fazer revestir-se de significação social; do crescente empobrecimento do patrimônio nacional pela remessa para o exterior dos lucros, extraordinários auferidas em nosso país; da corrupção que tem campeado nos pleitos eleitorais, na prática policial (quer preventiva, quer corretiva), na previdência social, no preenchimento de cargos públicos, na aplicação dos recursos sindicais, etc.

São ainda evidências daquela afirmação o tratamento meramente policial dado aos movimentos populares da cidade e do campo, que mereciam ser antes objetiva e carinhosamente estudados, para que viessem a ser orientados construtivamente para o bem geral, através do atendimento das suas justas reivindicações; como também aos movimentos de greve, que, se muitas vezes desvirtuados, se constituem, entretanto, num instrumento legítimo de reivindicação social e de preservação dos direitos dos trabalhadores, e que deveriam, por isso mesmo, ser objeto de uma cuidadosa regulamentação.

Embora afirmemos ser a renovação do homem, mediante a transformação da personalidade, operada por Jesus (visto, o fundamento básico sobre que terá de se alicerçar uma sociedade realmente nova, propugnamos também pela realização de reformas de base na vida nacional, de sorte a possibilitar à criatura a concretização de seus legítimos anseios terrenos).

Por isso, preconizamos a promoção urgente de reformas tais como: a) reforma agrária, que venha atender às reivindicações do homem do campo explorado; b) reforma eleitoral, que venha liquidar as circunstâncias que possibilitam e estimulam os nossos maus costumes políticos; c) reforma administrativa, que ponha termo ao nepotismo, ao filhotismo e à ineficiência tão generalizada quanto onerosa dos serviços públicos; d) reforma da previdência social, que venha pôr em funcionamento as nossas leis sociais com o pleno reconhecimento e o efetivo atendimento dos direitos dos que trabalham.

(O Jornal Batista – 14 de Setembro de 1963)

Hoje presenciamos notas públicas com o intuito de amenizar discussões irrelevantes entre calvinistas e arminianos, enquanto poderíamos ser mais proféticos e promotores da justiça do reino de Deus.

Que Jesus tenha misericórdia de nós e do que estamos fazendo com a sua mensagem: o reino de Deus.

9.3.16

ACEITAR JESUS...

O pregador está finalizando o seu sermão, mas antes que tudo chegue ao fim, ele, como impelido para isso, faz um apelo: você quer “aceitar” Jesus como salvador da sua vida? Levante a sua mão e venha à frente.

Ele insiste. Ele espera. Ele fala novamente.

Quando alguém se dirige à frente, é o ápice da pregação e do culto. Mais uma alma que irá entrar no céu e a igreja tem mais uma pessoa como potencial membro.

Essa foi a principal maneira de tornar pessoas participantes da igreja. E ainda é, dependendo da formação da comunidade e do seu pastor.

Anos anteriores, e sou testemunha desse processo, os membros convidavam as pessoas (quando isso acontecia), e o pastor ficava responsável, no momento do sermão, por tornar aquela pessoa “salva” por meio do apelo.

Se o pastor não fizesse o apelo, o problema estava com ele, e o membro da igreja já tinha feito a sua parte, ou seja, convidar. Se o convidado pelo membro não “aceitasse” Jesus com o apelo do pastor, o problema (na sua grande maioria) era do/o pastor e não do/o membro.

Há casos em que o pastor era procurado depois de um culto sem “conversões” pelo corpo diaconal a fim de cobrar “decisões” ao lado de Cristo (qual deles?), por não estarem acontecendo nos sermões do pastor. Quando as decisões não aconteciam, o maior responsável por isso era, indubitavelmente, o pastor. Não por acaso, que o pregador gastava mais trinta minutos, as vezes bem mais que isso, fazendo o apelo, em alguns casos, com requintes de crueldade onde a ameaça do “inferno” era o mal menor.

A questão aqui é o “aceitar Jesus”.

O que significa isso? Significa aceitar os ensinos de Jesus? Significa entender o que ele quer dizer com “amar os inimigos”?

Rubem Alves, acertadamente, dirá: “ninguém se converte aos ensinos de Cristo, seja o mandamento do amor, a lei áurea, o sermão do monte, a despreocupação ante o futuro, o perdão dos inimigos”.

Nesse caso não tem como “aceitar Jesus”, pelo fato de não o conhecer. Aceitação pressupõe conhecer a fim de entender.

A concepção de conversão no Novo Testamento sempre se dirige aos discípulos. Foi isso que atestou Ronald D. Witherup quando estudou esse tema no NT.

Para Paulo, não se “aceita Jesus”, invoca (chama) o seu senhorio sobre a vida e muda de direção (Rm 10,13).

Não se trata de “aceitar Jesus”, mas sim chamar por ele e conceber a sua graça.

Consulta

Ronald D. Witherup. A conversão no Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1996.

Rubem Alves. Religião e repressão. São Paulo: Teológica/Loyola, 2005.