19.11.13

DE QUE SEREMOS JULGADOS? O CRITÉRIO DO EVANGELHO DE MATEUS

É claro que na Bíblia, mais especificamente no Novo Testamento, há diferentes perspectivas quanto ao Juízo Final. Paulo, por exemplo, formula a concepção de Juízo Final em 2Co 5,1-10 a partir da parúsia (Παρουσία), ou seja, a expectativa da segunda volta de Cristo. O julgamento, nesse caso, se dá na esperança de estar com Cristo e, sendo essa união ainda impossibilitada, ela orienta a conduta cristã tornando essa realidade (no caso o julgamento) presente na vida do cristão.

No caso do evangelho de Mateus é interessante. Estou olhando aqui a porção do capítulo 25 versos 31-46. Aliás, os capítulos 24 e 25 é uma preciosidade do evangelho de Mateus. Usando uma linguagem apocalíptica, o texto descreve a vida da comunidade de fé fazendo uso de imagens e figuras do mundo judaico. Sucintamente, as “dez virgens” trata da vigilância da comunidade; os “talentos” da produtividade dos membros da comunidade. Aqui irei olhar o último tópico do capítulo 25, o julgamento.

Trata-se de uma parábola, ou seja, não é algo a ser visto como literal. Quer passar uma mensagem. Qual? O amor demonstrado aos pequeninos de Jesus será o critério do julgamento. Na realidade não está se descrevendo algo para o futuro, está se alertando para algo do presente, ou seja, do cotidiano da comunidade de fé. As imagens de pastor com suas ovelhas e cabritos sugere a vivência da comunidade. Tanto um (ovelhas) quanto o outro (cabritos), o critério será a fé vivida (vs. 34-40).

Aqui há uma linguagem de amor, de carinho, de cuidado, de solidariedade para com o próximo.

O mais incrível, é que os justos (ovelhas) não se deram conta de que estavam servindo a Jesus por meio dos pequeninos.

Sede, fome, nudez, enfermidade, prisão e ser estrangeiro. São questões prementes no tempo de Jesus. Hoje temos essas e mais algumas também. E quem não passa por crises na vida? Quem não fica doente? Quem não passa por necessidades básicas como comer, beber e se vestir? Não se trata de ajudar assistencialmente aqui, se trata de respeito e dignidade para com o ser humano. A questão é o modo, a maneira de tratamento entre os irmãos que não querem ser grandes.

No evangelho de Mateus, àqueles que conheceram Jesus não irão estranhar o critério de julgamento do homem de Nazaré. É presumível de que saibam a maneira como Jesus requer o tratamento dos seus irmãos.

A questão do julgamento não poderia servir de elemento de terror entre os irmãos. Não se trata de culpa e medo para o “último dia”. Antes, trata-se de vivência entre irmãos. A parábola quer acentuar mais uma vez: a relação com Deus (=vida) passa pelo outro. O evangelho de Mateus é o evangelho da alteridade. O processo de se colocar no lugar do outro nos torna mais humano. Aqui o visitar alguém em sua necessidade vale mais que frequentar o culto um ano inteiro. Não é por acaso que Tiago será categórico: “a religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades” (1,27).

9.11.13

HERRAR É UMANO

Certa vez, uma pessoa afirmou: Os pastores não podem ficar chateados quando questionados, quando discordam de sua opinião ou quando são contra aquilo que ele está dizendo, pois ele (o pastor) precisa entender que é humano, passivo de erro e por isso tem que ser questionado.

Fiquei pensando na relação que as pessoas têm com o pastor e comparei isso a outros ofícios na sociedade.

Na nossa cidade temos várias oficinas mecânicas, só no nosso bairro muitas delas. Cada pessoa escolhe quem é o seu mecânico e ao menor sinal de barulho no carro elas correm pra lá. O mecânico então dá uma volta com o carro, escuta o motor, abre o capô e dá o seu diagnóstico. É o coxim do motor! Pode trocá-lo e seu problema estará resolvido. Nessa hora o que você faz? Questiona seu mecânico, afinal de contas ele é humano e passivo de erro não é mesmo? NÃO!

Você troca a peça sem pesquisar em outro lugar por vários motivos:

1 - Ele é o seu mecânico, você confia nele, acredita que ele sabe o que faz.

2 - Ele estudou pra isso e você não. Pode ser que ele tenha estudado informalmente, aprendendo de outro mecânico, ou ter feito um curso, não importa, você nunca viu o diploma dele, nunca pediu seu currículo, mas sabe que ele estudou de alguma forma.

3 - Ele tem experiência nisso. Enquanto você trabalha, cuida da casa, produz na empresa, ele está consertando carro. Você não vai questionar alguém experiente como ele.

Embora seu mecânico seja humano provavelmente você não irá questioná-lo. Não são poucas as vezes que temos que trocar mais peças por que não era (só) aquela, ainda sim ele é o nosso mecânico.

Outra profissão em outro extremo do status social é o médico. Nos livros de convênios temos centenas e centenas deles e embora o Brasil esteja carecendo de médicos, vivemos numa região privilegiada com muitos hospitais, postos de saúde, UPAs, etc.

Quando você sente uma dor logo vai ao seu médico. Quando não tem nenhum aceita recomendações de quem você confia e vai até a consulta.

O médico examina, pergunta, afere sua pressão, dá um diagnóstico e diz o que você terá que fazer. Receita um remédio, uma injeção, exercícios físicos, etc.

Nessa hora o que você faz? Questiona seu médico, afinal de contas ele é humano e passivo de erros não é mesmo? NÃO! Você provavelmente não irá a outro médico, apenas seguirá suas orientações, sabe por quê?

1 - Ele é o seu médico, você confia nele, foi muito bem recomendado.

2 - Ele estudou pra isso, fez curso de medicina. Você estudou outra coisa (se é que estudou). Como você poderia questionar um médico?

3 - Ele tem experiência nisso, enquanto você está atendendo clientes, vendendo coisas, projetando peças ele está atendendo pacientes, analisando enfermidades e consultando pessoas. Claro que você não irá questioná-lo.

Voltemos ao pastor. Surge um problema em sua vida ou na igreja. Problemas precisam ser resolvidos e então logo as pessoas começam a se mobilizar e falar a respeito do que devemos fazer para resolver da melhor maneira possível e principalmente dentro da vontade de Deus. Então, o pastor, líder da congregação, escolhido e empoçado pelo povo e acima de tudo escolhido por Deus, dá a sua opinião a respeito do que deveria ser feito. O que você faz? Você irá obedecê-lo pelas seguintes razões:

1 - Ele é o seu pastor, você confia nele, existem várias igrejas na cidade, mas você decidiu estar ali, ser parte daquele corpo, ser pastoreado por aquele pastor. Ninguém o obriga a isso, você escolheu isso, você confia nele.

2 - Ele estudou pra isso. Enquanto você fez, administração, música, pedagogia, enfermagem, medicina ou engenharia mecânica ele decidiu fazer teologia. Ficou quatro anos estudando a bíblia para poder pastoreá-lo. Ele não só estudou pra isso, mas estuda pra isso. Continua a participar de congressos, palestras, ler livros, preparar mensagens, etc. Como você poderia questioná-lo?

3 - Ele tem experiência nisso. Enquanto você está trabalhando, produzindo, pagando contas, pesquisando e vendendo, ele está na igreja. Orando, se preparando, visitando, pensando em como treinar mais líderes, pensando no aniversário da igreja, nos grupos que se reúnem nas casas. O seu final de semana é o dia a dia dele. Você pode até ter 30 anos de igreja, mas quantos anos você já pastoreou? Provavelmente nenhum. A experiência do mais jovem pastor, nesse caso, excede a do mais velho membro da igreja. Ainda tem outros motivos pelos quais você irá obedecê-lo que nem seu médico e nem seu mecânico tem.

4 - A Bíblia manda você obedecê-lo.

Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês (Hb 13,17).

A Bíblia não manda você obedecer ao mecânico ou ao médico, mas manda você obedecer aos seus líderes. Além dos argumentos humanos, o argumento bíblico nos fará obedecer.

5- Um último motivo pelo qual, com certeza, vamos dar ouvidos ao pastor, é porque cremos que Deus capacita seus líderes para abençoar seu povo. Gideão não era tão inteligente para armar uma estratégia capaz de vencer milhares e milhares de soldados com apenas 300 homens, mas Deus o capacitou. Davi não era tão forte para vencer um gigante, mas Deus o capacitou. Cremos que mesmo não sendo tão forte, tão esperto ou tão inteligente, Deus escolheu o pastor e irá capacitá-lo. Quando quero ver alguma mudança nos jovens eu falo com o líder de jovens, quando quero ver alguma mudança no louvor eu falo com o líder do louvor. Creio que quando Deus deseja uma mudança na igreja Ele também fala e coloca o desejo no coração do pastor. Se não fosse o poder sobrenatural de Deus na vida dos pastores, com certeza o ministério não seria possível. Acreditamos que antes de escolhermos um pastor Deus já o escolheu.

Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência (Jr 3,15).

Depois de todos estes argumentos, claro, quando o pastor falar o que você irá fazer? Irá obedecê-lo. NÃO! Você irá questioná-lo, afinal de contas o pastor é humano e passivo de erro.

Não deixaria a minha missão de pastorear para ser mecânico ou médico. Como Paulo diz a Timóteo, acredito que escolhi a mais nobre função que alguém poderia escolher. Sei que sou humano e passivo de erro e por isso não quero mandar em tudo e em todos e nem quero uma submissão cega. Só gostaria de ter um pouco daquilo que as ovelhas dão sem reservas a médicos e mecânicos, mas que às vezes esquece-se de dar ao pastor: RESPEITO!

Nei Nascimento
Amigo pessoal e pastor da Igreja Batista Bom Retiro – Sumaré/SP

1.11.13

E POR FALAR EM REVELAÇÃO

Revelar é mostrar, ou apontar, para um aquém. Pelo menos é assim que a palavra (conceito) desde Heródoto veio a significar, ou seja, desvendar, manifestar.

A linguagem é meio indispensável para a comunicação e as palavras servem para nomear, narrar, conceituar experiências que vivenciamos. Sem a linguagem não haveria a organização do nosso “mundo”, ela define o que somos e o que pensamos. O filósofo Wittgenstein, estudioso da linguagem, vai dizer que no jogo de linguagem é o aprendiz que dá nome aos objetos (coisas). Ainda lidamos com a dialética no pensamento ocidental, por culpa dos gregos, e sempre estamos tentando decifrar a coisa, ou seja, o objeto visto, experienciável. Rubem Alves, leitor de Wittgenstein, irá acentuar de que as “linguagens são construções da realidade”, sendo assim, a linguagem exerce um domínio, uma força que, de alguma maneira, nos aprisiona, e, ainda com o mineiro que é campineiro, ela nos enfeitiça. Em suma, toda a reflexão, seja que nome possa dar, é fruto de uma linguagem que exprime nossos palpites sobre o “mundo” ou acerca dele.

A palavra revelação, e sua tradução, sendo uma herança dos gregos também, é uma linguagem que procura expressar aquilo que estava encoberto e veio à tona, o que estava oculto e foi possível desocultar. A palavra revelação ficou tão restrita ao campo religioso, no caso aqui ao cristianismo desde o primeiro século, que a filosofia prefere o termo desvendamento por conta da ambiguidade etimológica da palavra.

O Novo Testamento (NT) é linguagem e o grego está na sua construção. Sendo assim, o NT é fruto de uma linguagem e, portanto, procura decifrar experiências que pessoas tiveram com o Deus de Israel e, posteriormente, com Jesus de Nazaré. Nesse sentido a linguagem expressa, ou, de alguma maneira, procura decifrar aquilo que essas pessoas vivenciaram.

Tendo isso como pressuposto, a Bíblia (o texto) em si não seria a revelação. Essa afirmativa pode chocar alguns por achar que ela, a Bíblia, é a Palavra de Deus enquanto letra. Está aí mais uma tremenda confusão, pelo menos para mim. Palavra de Deus não pode ser texto, ou seja, linguagem, esta, a linguagem, expressa àquilo que se vivenciou e não pode ser um instrumento em si puramente, mas um apontar para. Neste sentido a Palavra de Deus é uma pessoa e não um texto. O texto só foi possível porque houve uma pessoa e não ao contrário. A carta aos Hebreus (1,1-2), por exemplo, deixa isso bem claro: “nestes últimos dias nos falou pelo Filho”. Em Colossenses (1,15) temos a seguinte afirmativa: “ele (Jesus) é a imagem do Deus invisível”. Os exemplos bíblicos podem ser multiplicados facilmente e o exemplo mais cabal disso é a questão de Filipe com Jesus: mostra-nos o Pai (Jo 14,8-9).

A revelação não é a linguagem do texto, mas uma pessoa. A linguagem é usada para expressar aquilo que está diante dos olhos e mesmo assim ela ainda não dá conta: “o que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, com respeito ao verbo (palavra = logos) da vida” (1Jo 1,1).

A revelação de Deus só é possível em uma pessoa, Jesus. E este, não ensinou sobre a onipotência, onisciência e a onipresença de Deus, aliás, uma linguagem adotada a partir de conceitos gregos, linguagem essa que o NT não usou e muito menos Jesus para falar do Deus Pai.