31.5.16

PASTORES: VASOS DE BARRO

A relação de Paulo com a igreja em Corinto foi tensa em alguns momentos. O apóstolo sofria constantemente “ataques” por parte da comunidade que tinha preferências por outros líderes e deixava isso bem claro.

Em 2Coríntios, Paulo enfrenta uma crise ministerial com a igreja e podemos dimensionar isso em alguns trechos da carta.

As acusações que faziam ao apóstolo afetavam a sua vida e ministério. Em relação à sua vida, “diziam” que o apóstolo andava com pessoas “mundanas” (10,2) e o acusavam de não ser de Cristo (10,7). Quanto ao seu ministério, a sua pregação era questionada e ele passa a ser considerado um “mau” pregador (11,6). A comparação com Apolo era inevitável e pessoas da comunidade faziam questão de acentuar as diferenças entre os dois. Ainda no capítulo 11 (versículo 16), Paulo é tratado como um “louco” (a frona einai), ou seja, alguém insano.

As críticas são sintetizadas por Paulo (10,10): “pois dizem: As cartas dele são duras e fortes, mas sua presença pessoal é fraca, e sua pregação não impõe respeito”. Quanto à sua pregação, quando olhamos o texto (grego), o correto seria “desprezível” (exouqenhmenoz).

Não por acaso que 2Coríntios é considerada uma carta chorosa (2,4).

Quando o apóstolo fala sobre sua condição pastoral, prefere usar o exemplo do barro (4,1-7).

Diante de todas as críticas, Paulo se vê como alguém que precisa legitimar o seu ministério e enfrentar os seus acusadores. Isso ele faz e reconhece, como alguém fora de si (capítulo 12), mas percebe que não vale muito a pena. Há pessoas que ignoram argumentos quando eles não corroboram o que pensam.

Paulo está lidando com pessoas que não o reconhecem como um “vaso de barro”. Ele está trabalhando com pessoas que apostam na autossuficiência do apóstolo. Para esses acusadores, o apóstolo não poderia demonstrar fraqueza e Paulo faz questão de mencionar a sua fraqueza (12,5).

É indubitável o amor de Paulo pela igreja. Mas esse amor não estava alicerçado nas estruturas que alguns da comunidade queriam ver em evidência na vida de Paulo. O amor que Paulo expressa pela igreja se dava na comunhão de ideais e principalmente na proposta do evangelho.

Ele quer se mostrar com humanidade à comunidade e para isso recorre ao tema do vaso que é feito de barro.

O chamado para o ministério, de acordo com Paulo, se dá porque Deus convoca baseado na sua misericórdia. Nesse sentido, não se trata de méritos ou diplomas, mas de entender o chamado e atender aos critérios do Cristo. Há uma responsabilidade para tratar o evangelho, mesmo correndo um sério risco de não ser ouvido, de não ser atendido. Paulo é consciente disso.

Mas se o vaso é de barro, há pessoas que gostam de esmagar potes.

Há pessoas que se apegam as estruturas e tornam a vida de seus pastores difíceis, não acompanhando o pastor na condução da igreja por diferentes razões, algumas delas Paulo enfrentou em Corinto, como preferir a companhia de pessoas que ainda estão “fora” da comunidade ou até mesmo recusar a instrução pastoral por meio da pregação bíblica.

Pastor é feito de barro.

Uma pesquisa realizada pelo Pr. Lourenço Stélio Rega (Diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo) alguns anos atrás (não há intenção aqui de atualizar os dados), trouxe números preocupantes sobre o Ministério Pastoral. Destacamos alguns aspectos dessa pesquisa:

- 16% o treinamento recebido no seminário pouco tem servido no ministério;

- 8% se pudesse deixaria o ministério e procuraria outro meio de sobrevivência;

- 13% o exercício do pastorado empobrece a vida família;

- 78% não estão satisfeitos com a autodisciplina no uso do tempo;

- 77% não estão contentes e satisfeitos com o tempo que investe na vida devocional;

- 51% têm de 1 a 5 amigos de verdade (49% não têm?);

- 9% não tem nenhum amigo de verdade;

- 38% não tem desenvolvido uma perspectiva de vida para daqui cinco anos;

- 30% se sentem mais inferiorizados hoje do que no passado. Se pudesse voltar atrás mudaria muita coisa na vida e ministério;

- 10% a igreja já foi responsável por desastres na família do pastor;

- 88% tem facilidade em perdoar os que ofendem;

Esses dados, revelam que pastores não são feitos de ferro ou de aço, mas de barro. O vaso de barro quebra, racha, mas se reconstrói, se refaz nas mãos de Deus (à exemplo do profeta Jeremias).

O barro demonstra a fragilidade do pastor e evoca compreensão das ovelhas para com o seu pastor.

6.5.16

QUE PALAVRA?

O pregador, diante do texto de 2Tm 2,15, diz, de maneira peremptória: o pastor precisa manejar bem essa palavra (mostrando a Bíblia para o auditório). Para completar, ele recorre a 2Tm 4,2 e completa: essa palavra (mostrando a Bíblia para o auditório) deve ser pregada a tempo e fora de tempo.

Associar a expressão “palavra” que aparece no Novo Testamento com a “Bíblia”, é muito comum.

Essa associação se deve, na grande maioria dos casos, a compreensão de que a Bíblia é a “palavra de Deus” e, portanto, quando o texto fala de “palavra” está se referindo à Bíblia (texto escrito).

Interpretar textos como 2Tm 2,15 (que maneje bem a palavra da verdade), 2Tm 4,2 (prega a palavra) ou Tg 1,22 (tornai-vos, pois, praticantes da palavra) – para dar alguns exemplos –, como se os mesmos estivessem fazendo referência à Bíblia, é um equívoco.

Aqui, não está em discussão se crer ou não que a Bíblia é a “palavra de Deus”, não é essa a questão.

A questão se dá em torno da aplicação do termo “palavra” – que aparece diversas vezes no Novo Testamento – ao texto bíblico, ou seja, uma interpretação automática de uma expressão (palavra) sendo associada com uma ideia (Bíblia).

As razões, para não se interpretar a expressão palavra como se estivesse fazendo referência ao texto bíblico, podem ser elencadas assim:

1 – Quando o Novo Testamento faz uso do termo Escritura, ele não se refere a ele mesmo, ou seja, Novo Testamento. Isso é claro em textos como o de Lucas 24,27 e 32. O texto de 2Tm 3,16 não contempla o Novo Testamento, apenas o que hoje conhecemos como “Antigo Testamento” (a Bíblia Hebraica).

2 – Os textos do Novo Testamento não estavam (todos) disponíveis para a comunidade primitiva (os de Paulo? – 2Pe 3,15-16), portanto, a tradição oral era a única maneira de transmitir o Evangelho. Não por acaso que alguns textos do Novo Testamento traz a permanência na tradição – algo já fundamentado na trajetória do cristianismo primitivo (2Ts 2,16; 3,6).

3 – Quando a palavra aparece no Novo Testamento ela se refere ao Evangelho, pregado, ou seja, o Evangelho de Jesus. Isso é frequente em Atos dos Apóstolos, por exemplo, como também nos Evangelhos Sinóticos (Mc 2,2 e 4,33; At 4,4 e 29).

4 – Nos textos paulinos a palavra é Jesus, ou seja, o Evangelho (2Co 2,17). A palavra da verdade não é um texto, mas sim uma pessoa – Jesus (2Co 6,7).

5 – Nos escritos joaninos a concepção entre palavra e Jesus ganha contornos radicais. As palavras de Jesus são as palavras do Pai. Por isso apenas uma pessoa poderia ser a verdade (Jo 14,6).

A partir disso, é possível dizer que a expressão palavra no Novo Testamento não alude ao texto bíblico. A palavra não é texto, mas uma mensagem proclamada e, depois, uma pessoa.

Não se trata de pregar o texto bíblico em si, mas uma pessoa, a palavra de Deus, Jesus.

Dito isso, não é concebível associar o termo palavra no Novo Testamento com Bíblia. Num primeiro momento a palavra é associada ao Evangelho – a proclamação da igreja a respeito de Jesus – e não com a Bíblia. Isso nunca foi possível com os autores do Novo Testamento.

Não por acaso que Tiago 1,22 traz “ouvintes” da palavra. Ouvimos a palavra (Jesus) e tornamos praticantes dele, Jesus.

A essa altura pode surgir o questionamento: e hoje, a palavra não é o texto bíblico? Sim. Mas só porque ela nos mostra e nos dá a conhecer Jesus. Mas daí dizer que a expressão palavra se refere ao texto bíblico já é outra coisa.

Assim, ninguém maneja Jesus como se fosse um livro a ser lido ou decorado, mas vivido. Assim, é possível falar dele (Jesus) a toda a oportunidade – 2Tm 4,2 –, pois ele é a palavra. Temos o acesso a ele por meio do texto bíblico que chegou às nossas mãos porque a palavra (Evangelho de Cristo) foi proclamado pelos primeiros cristãos.