6.5.16

QUE PALAVRA?

O pregador, diante do texto de 2Tm 2,15, diz, de maneira peremptória: o pastor precisa manejar bem essa palavra (mostrando a Bíblia para o auditório). Para completar, ele recorre a 2Tm 4,2 e completa: essa palavra (mostrando a Bíblia para o auditório) deve ser pregada a tempo e fora de tempo.

Associar a expressão “palavra” que aparece no Novo Testamento com a “Bíblia”, é muito comum.

Essa associação se deve, na grande maioria dos casos, a compreensão de que a Bíblia é a “palavra de Deus” e, portanto, quando o texto fala de “palavra” está se referindo à Bíblia (texto escrito).

Interpretar textos como 2Tm 2,15 (que maneje bem a palavra da verdade), 2Tm 4,2 (prega a palavra) ou Tg 1,22 (tornai-vos, pois, praticantes da palavra) – para dar alguns exemplos –, como se os mesmos estivessem fazendo referência à Bíblia, é um equívoco.

Aqui, não está em discussão se crer ou não que a Bíblia é a “palavra de Deus”, não é essa a questão.

A questão se dá em torno da aplicação do termo “palavra” – que aparece diversas vezes no Novo Testamento – ao texto bíblico, ou seja, uma interpretação automática de uma expressão (palavra) sendo associada com uma ideia (Bíblia).

As razões, para não se interpretar a expressão palavra como se estivesse fazendo referência ao texto bíblico, podem ser elencadas assim:

1 – Quando o Novo Testamento faz uso do termo Escritura, ele não se refere a ele mesmo, ou seja, Novo Testamento. Isso é claro em textos como o de Lucas 24,27 e 32. O texto de 2Tm 3,16 não contempla o Novo Testamento, apenas o que hoje conhecemos como “Antigo Testamento” (a Bíblia Hebraica).

2 – Os textos do Novo Testamento não estavam (todos) disponíveis para a comunidade primitiva (os de Paulo? – 2Pe 3,15-16), portanto, a tradição oral era a única maneira de transmitir o Evangelho. Não por acaso que alguns textos do Novo Testamento traz a permanência na tradição – algo já fundamentado na trajetória do cristianismo primitivo (2Ts 2,16; 3,6).

3 – Quando a palavra aparece no Novo Testamento ela se refere ao Evangelho, pregado, ou seja, o Evangelho de Jesus. Isso é frequente em Atos dos Apóstolos, por exemplo, como também nos Evangelhos Sinóticos (Mc 2,2 e 4,33; At 4,4 e 29).

4 – Nos textos paulinos a palavra é Jesus, ou seja, o Evangelho (2Co 2,17). A palavra da verdade não é um texto, mas sim uma pessoa – Jesus (2Co 6,7).

5 – Nos escritos joaninos a concepção entre palavra e Jesus ganha contornos radicais. As palavras de Jesus são as palavras do Pai. Por isso apenas uma pessoa poderia ser a verdade (Jo 14,6).

A partir disso, é possível dizer que a expressão palavra no Novo Testamento não alude ao texto bíblico. A palavra não é texto, mas uma mensagem proclamada e, depois, uma pessoa.

Não se trata de pregar o texto bíblico em si, mas uma pessoa, a palavra de Deus, Jesus.

Dito isso, não é concebível associar o termo palavra no Novo Testamento com Bíblia. Num primeiro momento a palavra é associada ao Evangelho – a proclamação da igreja a respeito de Jesus – e não com a Bíblia. Isso nunca foi possível com os autores do Novo Testamento.

Não por acaso que Tiago 1,22 traz “ouvintes” da palavra. Ouvimos a palavra (Jesus) e tornamos praticantes dele, Jesus.

A essa altura pode surgir o questionamento: e hoje, a palavra não é o texto bíblico? Sim. Mas só porque ela nos mostra e nos dá a conhecer Jesus. Mas daí dizer que a expressão palavra se refere ao texto bíblico já é outra coisa.

Assim, ninguém maneja Jesus como se fosse um livro a ser lido ou decorado, mas vivido. Assim, é possível falar dele (Jesus) a toda a oportunidade – 2Tm 4,2 –, pois ele é a palavra. Temos o acesso a ele por meio do texto bíblico que chegou às nossas mãos porque a palavra (Evangelho de Cristo) foi proclamado pelos primeiros cristãos. 

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