24.5.22

“SÓ DEUS ME TIRA DAQUI” (na possibilidade de “Deus” ter título de eleitor)

Essa é uma velha e conhecida tática: usar e abusar do “nome” de Deus para fazê-lo parecer partidário. Alguns políticos tem feito isso e tornado o Nome um “nome” apenas, fazendo com que a inefável nomeação do “divino” se torne palatável em uma pessoa. Idolatria, é o nome bíblico para isso.

Deus passou a ser identificado, para alguns, com um determinado político, o atual presidente. Ele usa e abusa desse “nome” tornando-o obsoleto dentro de uma conjuntura religiosa. A frase mais ouvida agora é: “Só Deus me tira daqui”. Uma referência à presidência da República e as eleições deste ano.

Para a classe política, e para muitas igrejas, parece ser difícil entender que Deus não tem “título de eleitor”. Mas como o atual presidente entende que “Deus” parece ter uma espécie de “título de eleitor” celestial, vamos entrar na onda dele e ver se o Deus que conhecemos, e se dependesse dele, deixaria o que está aí continuar.

Vejamos...

O Deus dos profetas tiraria o que está aí porque não suporta ver o povo passando fome. Sim, enquanto muitos estão muito bem, há milhares passando necessidade. As famílias estão com fome e isso parece não incomodar quem faz uso desse termo, “família”, o tempo todo. O Deus de Amós diria assim: “Ouçam esta palavra, vocês, políticos que estão em Brasília, vocês, que oprimem os pobres e esmagam os necessitados” (4,1 parafraseado). Deus não compactua com ninguém que deixa o seu povo na fila do osso; Deus não está do lado de ninguém que na maior pandemia da história ofertou R$ 200,00 e o Congresso Nacional aumentou para R$ 600,00 com muita briga, enquanto o Fundo Partidário está na casa dos 5 bilhões. Deus não pode querer alguém que trama para tirar os poucos direitos que ainda restam a grande maioria da população como saúde, educação gratuita e segurança alimentar.

Sendo apenas “Deus” a tirar o que está aí, ele anda pensando muito nessa possibilidade, até porque ele não fica nenhum pouco satisfeito com a devastação que esse governo vem fazendo na Amazônia. Sim, foi ele quem fez com que as árvores dessem o seu fruto e a floresta de pé é coisa dele (Gn 1,11-12). Com certeza ele não gostaria de ver as árvores no chão, com uma política predatória conduzida por um ignóbil que acha que tudo aquilo deveria ser pasto e virar cratera de garimpeiros.

Ainda que haja situações de violência envolvendo o “nome” de Deus na Bíblia, sabemos que ele procurou ensinar o seu povo a buscar a paz e não a violência. É Provérbios 16,29 que diz: “O violento recruta o seu próximo e o leva por um caminho ruim”. Deus observando um ser que apenas usa e abusa do seu Nome e não tem nenhum compromisso com seus princípios, conspirando contra o próprio povo a ponto de vê-los se gladiando nas ruas com tamanha violência, se dependesse dele, tiraria mesmo. E foi Jesus quem ensinou: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9).

Já que é somente “Deus” que poderia tirar alguém do poder, como vem sugerindo o atual presidente, ele deve estar inclinado a isso, caso tivesse o “título de eleitor” celestial. Isso porque ele não suporta a dor e o sofrimento do outro ao ponto de ficar impassível, muito menos fazendo chacota. Quando ele viu a aflição do povo no Egito (Êx 3,7), ele teve compaixão, porque era um povo sofrendo as dores dos seus mortos e feridos pelo trabalho escravo. Sim, ele viu, sentiu e ouviu o choro do povo. Assim, Deus não compactuaria com alguém que, diante da dor do outro, dissesse: “Eu não sou coveiro”.

Mas como Deus não tem “título de eleitor” celestial, tiraremos o que está aí por meio das mesmas urnas que o colocaram lá há quase quatro anos atrás.