23.10.19

PREVISÕES QUE SE CONFIRMARAM, MESMO NÃO SENDO VIDENTE

Era um jantar na casa de um amigo. O ano era 2018 e o mês Setembro. Ano eleitoral.

Claro, o nosso assunto foi a política e as eleições para presidente.

Estávamos tendo uma conversa agradável e bem equilibrada, pautada em situações reais e factíveis, ou seja, o meu interlocutor não era partidário de teorias conspiratórias e muito menos entorpecido pela “ameaça comunista” no país. Era uma pessoa instruída, com formação superior e fazia parte de uma igreja.

Chegamos, entre uma garfada aqui e um pouco de vinho ali, no tema “eleição de Jair Bolsonaro”. Até aquele momento o nosso diálogo estava afinado em diversos temas, menos nesse: Bolsonaro presidente do Brasil.

Como acabara de conhecê-lo, até aquele dia não o tinha visto em nenhuma ocasião, procurei ser ponderado e ouvir sua argumentação a favor da eleição de JB.

Para ele, JB tinha qualificações para ser presidente do país, para mim ele não tinha (e continua não tendo) nenhuma qualificação para ser presidente do maior país da América Latina. Ainda assim, procurei entender as suas considerações.

Os seus argumentos a favor de uma eleição de JB foram, em resumo:

(1) Ele é contra o sistema político que está aí, ou seja, ele é a “nova política”;
(2) Ele não irá querer a reeleição, sabe que tem uma missão apenas;
(3) Ele é contra a corrupção, não tem nenhum escândalo que envolve o seu nome;
(4) O país vai voltar a crescer com ele, a classe média o apoia.

Esses foram os principais pontos que uma pessoa instruída, evangélica e de classe média conseguiu formular para dar legitimidade ao seu voto em JB.

No primeiro momento não julguei o seu caráter e muito menos a sua capacidade cognitiva, antes entendi que estava diante de um “cidadão de bem” que gostaria de ver o seu país melhor e, no seu entender, quem iria fazer o país “melhor” seria JB quando chegasse ao poder, uma vez que ele estava fora do establishment do sistema político-econômico, ou seja, alguém de fora que viria “salvar”.

Claro que discordei de todos os seus argumentos e, não querendo ser uma “Mãe Dináh”, disse o que aconteceria.

(1) Ele não é contra o sistema político, pelo contrário, ele é um beneficiário do sistema. Não pode alguém ser contra um sistema político que o permitiu ficar quase 30 anos na Câmara dos Deputados, e ainda eleger todos os filhos no Poder Legislativo. Portanto, a tal “nova política” não cola! Isso é tentar surfar em uma onda contrária ao establishment, mas na realidade quer mesmo é fazer uso do sistema para se beneficiar.

(2) Lembro-me como se fosse hoje. Disse para o meu interlocutor que quando o JB chegasse ao poder a primeira coisa que iria fazer é trabalhar para ser reeleito em 2022. Ele riu. Eu disse: “Você é muito inocente ou não conhece nada de política brasileira”.

(3) Ele não é contra a corrupção, ele apenas não foi envolvido em um grande esquema de corrupção (Mensalão, Petrolão). O meu interlocutor estava pensando no PT e os recorrentes escândalos envolvendo políticos e empresários. Lembrei que o candidato do PSL tinha envolvimento com as milícias do Rio de Janeiro e um dos seus filhos já havia homenageado milicianos na ALERJ.

(4) Neste item disse que o único que tinha proposta, ainda assim muito malvada, para o país no campo econômico era o então futuro ministro da economia num eventual governo Bolsonaro, que atende pelo nome de Paulo Guedes. No mais, JB não tinha nenhum projeto para o país. O seu horizonte não contemplava nenhuma proposta para os menos favorecidos do país.

Ainda na nossa conversa, disse que não tinha dúvida de que JB seria presidente. O meu interlocutor se espantou com essa afirmação depois que procurei rebater seus argumentos. Disse que ele seria presidente porque pessoas como ele (o meu interlocutor) estavam convencidas (com a ajuda das fake news) que ele seria a melhor “opção”, quando havia outras opções para aqueles que não gostariam de ver o PT novamente no poder.

Com isso, as minhas previsões colocadas naquela conversa em Setembro de 2018 se confirmaram, não porque há um dom de previsão, antes porque política no Brasil é assim: muda-se as peças, mas o tabuleiro continua o mesmo. Quem começou a ter interesse em política a partir de 2017-2018, não conseguiu ver as manobras políticas e seus personagens que fazem o jogo ser jogado.

Assim, a tal “nova política” não deu tão certo. Hoje os principais articuladores do governo no Congresso são do MDB, o partido que entra governo e sai governo e continua no governo, independentemente de qualquer governo, direita ou esquerda.

O presidente mais mal avaliado nos últimos anos quer disputar 2022 e não se cansa de dizer que deixará o cargo em 2026. Arrogância misturada com populismo de extrema-direita que conseguiu fatiar 30% do eleitorado brasileiro. Até quando irá manter isso? Não sabemos.

Ainda que o país tenha sérios problemas com a corrupção, o governo de JB, em poucos meses, conseguiu desmontar os principais mecanismos de combate à corrupção como o COAF. O seu filho, Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio de Janeiro e envolvido com o caso “Queiroz”, foi beneficiado pelo presidente do STF quando suspendeu investigações envolvendo repasse de dinheiro detectadas por órgãos de controle e investigação. Hoje, até mesmo a OCDE questiona o Brasil quanto às suas ações de combate à corrupção, apontando que o país, com essas e outras medidas, tem afrouxado o combate ao crime organizado. A mesma OCDE que o governo quer fazer parte, mas foi deixado de lado pelo amoroso Donald Trump.

Por fim, e não menos pior, a economia do país patina. A promessa é de que a reforma da Previdência ajude o país a crescer, mas tudo indica que isso não será bem assim. A reforma tira direitos e coloca milhões de brasileiros na informalidade.

Estamos diante de um governo que não sabe governar e ainda quer continuar. Retrógrado. Vingativo. Autoritário. Fanfarrão (crise do PSL). Incompetente.

Gostaria de estar errado em Setembro de 2018.