Além
desse dois aspectos desse fenômeno social chamado bolsonarismo – a militância raivosa
e o braço paramilitar –, há também o endosso acrítico de uma parcela da Igreja
Evangélica. Com uma pauta moral esbravejante nas falas de um Silas Malafaia e
um Marco Feliciano, apenas para citar esses dois como um estereótipo de que “evangélicos”
estamos nos referindo aqui, fez-se campanha para o então presidente e assumiu
definitivamente a face bolsoevangélica do Governo Federal, com ministros
evangélicos, bem como uma agenda presidencial voltada apenas para esse segmento
religioso do país, que é, por natureza, plural na sua religiosidade. A
narrativa é: “O Estado é laico, mas eu sou cristão” (leia-se, simpatizante dos evangélicos).
O fenômeno social do bolsonarismo capturou o desejo nutrido por anos de ter,
finalmente, um “presidente evangélico” e elegeu Bolsonaro como seu “messias”.
Dessa forma, foi possível surgir, como em outras épocas da política nacional,
mas muito mais acentuado agora, um messianismo político-evangélico quando
passou a idolatrar o presidente da República como um “salvador” do país que
estava, segundo eles, indo a reboque quando um determinado partido no poder
pregava aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, ideologia de gênero e militância
política de esquerda nas escolas e universidades. Assim, o bolsonarismo passou
a funcionar como um parasita que encontrou na Igreja Evangélica (parte dela e
alguns líderes) um fiel hospedeiro.
Para
a surpresa de alguns, a decepção de outros e a resistência de uma maioria, o bolsonarismo
também conseguiu capturar mentes e almas entre os batistas. Não apenas membros,
mas pastores passaram a fazer parte da militância bolsonarista. Para citar um,
em específico, há o pastor Josué Valandro Jr., da Igreja Batista Atitude, no
Rio. No dia 19 de Agosto de 2018, o pastor chamou à frente o candidato do PSL à
presidência da República. Sua intenção era orar pelo candidato, uma vez que a
esposa do candidato era membro da referida igreja. Além de emitir a sua opinião
a favor do candidato, a vontade de Deus, segundo o pastor, pelo menos num
primeiro momento, já estava manifestada para ele: o presidente era o então candidato
ao seu lado. Mesmo que o pastor tenha dito que na igreja não havia “voto de
cabresto”, ele negou, pelo menos, dois princípios dos batistas. Um deles é
a separação entre Igreja e Estado. Por esse princípio, o candidato do PSL
não deveria estar à frente da igreja, a não ser que este fosse o presidente do
país. O segundo princípio, é a liberdade de consciência e opinião, que faculta
a todos o direito inalienável de decidir suas questões morais, éticas,
políticas e religiosas.
Os
batistas, para um rápido recurso da história, surgem como um grupo político-religioso
organizado que luta com veemência pela liberdade religiosa e, como
consequência, a separação entre Igreja e Estado, reivindicando, portanto, o
lugar do indivíduo como fator decisivo de consciência, opinião, crença e participação
política.
Tendo
os batistas a sua gênese no movimento liberal inglês, eles participam dos
anseios e perspectivas de sua época, ou seja, liberdade religiosa e separação entre
Igreja e Estado. Esse ímpeto por liberdade levou o filósofo inglês John Locke a
dizer que “os batistas foram os primeiros proponentes de uma liberdade
absoluta, justa e verdadeira liberdade, liberdade igual e imparcial”.
Recentemente,
houve deliberada desconsideração ao ethos
histórico-político-teológico dos batistas e dos caros princípios fomentados
pelos batistas ingleses da liberdade de consciência e separação entre
Igreja-Estado. O ethos histórico-político-teológico
dos batistas se dá a partir do (i) livre exame da Palavra de Deus; (ii) da
liberdade de consciência; (iii) da responsabilidade pessoal para com a igreja
local e outras coirmãs; (iv) a responsabilidade civil para com o Estado; (v) a
separação entre Igreja e o Estado; (vi) e o amor, que gera conduta e respeito
para com o próximo, testemunho e ação no mundo.
A
partir disso, quem diz que é batista e tem nessa tradição o seu balizamento
para se identificar como tal, não poderia ser bolsonarista. Esses dois pontos
não são convergentes, antes são antagônicos.
O
ser batista não tem qualquer relação com quem defende o fim de instituições que
compõem o Estado Democrático de Direito, como o Supremo Tribunal Federal e o
Congresso Nacional. Os batistas não tem no seu histórico o fim do estrato
político, antes, foi a partir do estrato político que lutaram para que os
princípios que balizam o ser batista hoje fosse possível. Martin Luther King
Jr., para citar um exemplo, pastor batista ganhador do Prêmio Nobel da Paz em
1964, não fez qualquer tipo de manifestação contra as instituições políticas dos EUA. Diferente de Malcon X, Luther King não defendeu luta armada contra o
governo porque os direitos civis dos negros não estavam sendo respeitados a
partir da Constituição norte-americana. Antes, as batalhas se travaram no campo
político, mesmo sofrendo constantes atos de violência. É desse batista a
seguinte frase: “Através da legislação e de ordens judiciais procuramos regular
o comportamento”. Luther King nunca cogitou lutar fora do contexto político e
democrático. Portanto, batistas que se julgam bolsonaristas estão equidistantes do que é o espírito de luta e resistência que a tradição batista legou.
O
ser batista não tem qualquer relação com quem defende a volta do Ato
Institucional número 5. O AI-5 é o ato mais cruel do período da Ditadura
Civil-Militar no país (1964-1985). O AI-5 estabelecia: “A suspensão
dos direitos políticos; suspensão do direito de votar e de ser votado nas
eleições sindicais; proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de
natureza política; aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de
segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de frequentar determinados
lugares”. Esse foi o AI-5 com todos os seus elementos de privação e violação de
direitos em nome de uma guerra contra o “comunismo” que nunca foi possível de
maneira direta no país. É esse mesmo Ato Institucional que é proclamado por bolsonaristas.
A incansável busca dos batistas se deu a favor da liberdade e isso custou a
vida de Thomas Helwys que morreu na prisão por defender o direito de dizer o
que pensava.
Por
fim, ressalto a definição do ser batista de A. B. Langston: “Os batistas são um
povo que tem a coragem das suas convicções. Creem num indivíduo livre, numa
igreja livre, num estado livre; creem nos direitos iguais para todos e
privilégios especiais para ninguém; creem numa democracia política, religiosa,
social, econômica e educativa”. Quando que ser bolsonarista se enquadraria em
algo assim? Nunca!
Democracia
combina com o ser batista, já com o bolsonarismo jamais!