31.10.22

O dEUS DERROTADO NAS URNAS

Texto postado no Facebook no dia 29.10.2022

Ele não queria se meter nisso, até porque nem mesmo “título de eleitor celestial” ele tem. Mas mesmo assim quiseram colocá-lo no rolo. Usaram e abusaram do seu “Nome” de uma maneira vergonhosa, logo, produziram um ídolo, por isso trata-se de “deus”.
Teve quem disse que depois de dois períodos de jejum de 40 dias, “ouviu a voz” de deus dizendo claramente que o 22 levaria essa. Outro disse que “orou muito” e deus disse que a “vitória” viria em outubro, para envergonhar o "diabo". Houve quem disse que orou para deus travar as urnas, no caso de fraude, e assim ter outra “eleição”. Isso sem falar em pastores e líderes que pregaram, fizeram vigília, convocaram membros para a campanha de jejum e oração pelo 22; expulsou irmãos que votaram no 13 e monitorou grupos de 𝑊ℎ𝑎𝑡𝑠𝐴𝑝𝑝 e redes sociais dos irmãos que externaram seu voto no 13, contrariando a "orientação divina” que só o pastor tem. E claro, o que não faltou foram pastores pedindo para que esse deus desse a vitória sobre o “inimigo”, no caso, o 13.
Edir Macedo, chegou a dizer que nessas eleições o povo viria qual deus era o mais forte, da direita ou da esquerda. E não faltou dinheiro para produzir milhares de jornais da IURD a fim de afirmar que os fiéis não deveriam votar no 13, assim como foi em 1989.
Com o 22 perdendo nas urnas, os profetas desse deus precisarão “revisar” a sua atuação e elaborar uma outra “teologia do voto”.
Esse deus não ouviu as orações dos vários pastores que falaram em nome dele; esse deus não travou as urnas; esse deus não mudou os dedos dos eleitores na hora do voto, forçando-os a apertarem o número 2 duas vezes; esse deus não honrou o jejum de quase 80 dias do pastor que disse ter ouvido a “voz” de “deus”; esse deus é fraco porque não consegue nem mesmo mudar a história de um País; esse deus é ruim porque não evitou a derrota do seu suposto escolhido, o ungido, o “messias”. Um deus sem poder. Um deus sem força. Um deus sem profetas.
Pastores do 22 terão que explicar para os seus irmãos convertidos ao Bolsonarismo, porque não só um candidato perdeu as eleições, mas também um certo deus perdeu o seu domínio. Terão que explicar o que aconteceu com o deus derrotado nas urnas.
Ficará um pouco mais fácil no caso deles admitirem que no fundo mesmo sempre se tratou de um ídolo. Assim, a explicação poderá ficar, ao menos, pior. Mas acho difícil.

24.10.22

QUAL É A QUESTÃO NESSA DISPUTA ELEITORAL?

A questão não é a corrupção. Essa já convivemos desde que Portugal chegou por aqui e muitos faziam contrabando de ouro em “santos do pau oco”. Caso o motivo fosse mesmo a corrupção, “Cabo Daciolo” era o presidente do Brasil em 2018.

A questão não é a família. Sem os dados do IBGE, nem mesmo sabemos ao certo quantas mães e avós cuidam de seus filhos e netos sozinhas. A família brasileira é uma ficção e seus valores são superdimensionados em campanha eleitoral.

A questão não é Deus. Ele não tem “título de eleitor” e não precisa ser defendido por ninguém. O Senhor do universo não se deixa usar por políticos oportunistas.

A questão não é pátria. Caso fosse, parte dos militares não estavam se lambuzando com picanha, cerveja e Viagra.

A questão não é o comunismo. Este acabou em 1989 quando o Muro de Berlim caiu. O que se tem hoje são ditaduras, tanto na América Latina como no Leste Europeu.

Qual é a questão?

A questão está entre a democracia e o fascismo. Porque este último, não se enquadra em nenhuma ideologia política pelo fato de não reconhecer nenhum ordenamento jurídico e político-social cabível.

A questão está entre a civilidade e a barbárie. Quem deseja a barbárie participa de manifestações para fechar o Congresso Nacional e o STF, e quando recebe a polícia joga granada e atira nos policiais.

A questão está no modelo de governo que segue querendo avançar ainda mais na sua sanha autoritária. Querendo mudar a composição do Judiciário e continuar cooptando as FFAA para o seu projeto fascistoide de poder.

A questão está entre celebrar a vida ou enaltecer a morte. Quem cultua a morte tem como livro de cabeceira um torturador, não a Bíblia; quem cultua a morte desdenha de quem está morrendo com falta de ar; quem cultua a morte não tem nenhum pudor em dizer que não é coveiro.

A questão está entre favorecer os ricos e tirar ainda mais dos pobres. Quem não gosta dos pobres, já sinalizou que pode reduzir os salários de aposentados e congelar o mínimo e assim continuar tirando direitos trabalhistas via Congresso Nacional que já demonstrou não ter nenhuma vergonha do “Orçamento Secreto”.

A questão não é a polarização. Essa, o país já viveu em outras eleições. Polarização tem como pressuposto dois projetos antagônicos ou levemente diferentes entre si. O que o país vive hoje deixou a polarização na saudade. O que temos para hoje está bem definido: guerra ou um vislumbre de paz. E entre essas duas, o país não poderá contar com parte da Igreja Evangélica, porque já escolheu as armas, literalmente.

22.10.22

CARTA PASTORAL À NAÇÃO BRASILEIRA

Nós – pastores e pastoras, e líderes evangélicos das mais diferentes tradições cristãs – vimos à nação brasileira, neste conturbado contexto eleitoral, marcado por polarizações, extremismos e violência, afirmar:

1. Nosso compromisso com o Evangelho do Cristo, personificado na figura de Jesus de Nazaré, que, suportando todo tipo de contradição, injustiça, humilhação e violência, legou-nos o caminho do amor, da paz e da convivência; e promoveu a dignidade humana. Sim, em Cristo, não há direita, nem esquerda, nem homem, nem mulher, nem estrangeiro, nem rico, nem pobre. Também não há distinção de classe, de cor, de nacionalidade ou de condição física, pois, nele, todos somos iguais (Fp 2.1,5-11; Jo 4; Mt 19.14; Is 53.4-7; Rm 10.12; Gl 3.23-29; Cl 3.11; Fp 2.5-8);

2. Nosso renovado compromisso de orar não só pelo futuro mas, sobretudo, pelo presente do país, incluindo seus governantes, neste momento em que o povo brasileiro é convidado a fazer suas escolhas, de tal modo que elas sejam exercidas em paz e pela paz (1Tm 2.2; Rm 13.1-7; Pv 28.9; Mt 7.7-8; Rm 8.26-27; Ef 6.18; 1Ts 5.17; 1Tm 2.1-2; Tg 5.16);

3. Nosso convite para que todos os brasileiros e brasileiras exerçam sua cidadania, escolhendo seus candidatos pelo alinhamento deles com os valores do Reino de Deus, evidenciados na defesa dos mais pobres e dos menos favorecidos, na crítica a toda forma de injustiça e violência, na denúncia das desigualdades econômicas e sociais, no acolhimento aos vulneráveis, na tolerância com o diferente, no cuidado com os encarcerados, na responsabilidade com a criação de Deus, e na promoção de ações de justiça e de paz (Dt 16.19; Sl 82.2-5; Pv 29.2; 31.,9; Is 10.1-2; Jr 22.15-17; Am 8.3-7; Gn 2.15; Rm 8.18-25; Mt 5.6; 25.34-35; Lc 6.27-31; Tg 1.27; 2.6-7);

4. Nossa indignação contra toda pretensão de haver um governo exercido em nome de Deus, bem como contra toda aspiração autoritária e antidemocrática. Afirmamos nossa firme convicção de que o nome de Deus não pode ser usado em vão, ainda mais para fins políticos. Por isso, recomendamos, enfaticamente, que se desconfie de qualquer tentativa de manipulação do nome de Deus (Ex 20.7);

5. Nosso repúdio a toda e qualquer forma de instrumentalização da religião e dos espaços sagrados para promoção de candidatos e partidarismos. Cremos num Deus grande o suficiente para não se deixar usar por formas anticristãs de pensamento e de ação;

6. Nossa denúncia da instrumentalização da piedade e da posição pastoral com objetivo de exercer uma condução do voto. Reafirmamos a liberdade que o cidadão tem de optar por seus candidatos, sem se sentir levado por sentimentos de medo e culpa, frequentemente promovidos por profissionais da religião visando a manipulação política de fiéis (Mt 7.15-20; Rm 16.17-18; 2 Pe 2.1-3; Jo 10.10a);

7. Nossa denúncia de toda e qualquer forma de corrupção, desde aquelas que lesam os cofres públicos às demais travestidas ora de opressão social, ora de conluios e conveniências com a injustiça, com a impunidade e com os poderes estabelecidos (Dt 25.13-16; Pv 11.1; 20.10; 31.9; Is 10.1-2; Jr 22.15-17; Mq 6.11; 7.2-3; Lc 3.12-13);

8. Nossa certeza de que o Reino não está circunscrito à Igreja e de que não pode ser capitaneado por ninguém, seja qual for o cargo que exerça ou credencial que possua (Lc 17.20-21; At 10.34-35);

9. Nossa inconformidade com o clima violento que tomou conta do país, o qual foi, também, muito alimentado por lideranças religiosas que, ao invés de pacificarem o povo e abrandarem os discursos, inflamam ainda mais o contexto polarizado em que vivemos (Mt 5.9; 11.29; Lc 6.27-31; Rm 12.19-21; Cl 3.12);

10. Nossa defesa do Estado laico, da liberdade de consciência e de expressão, do direito à vida, à maturidade individual e à integridade, e do pleno direito de exercermos a liberdade religiosa (Jo 8.31-32,36; 2Co 3.17; Gl 5.1.13; Rm 6.22; Cl 1.13);

11. Nosso renovado compromisso de semear perdão onde houver ofensa, amor onde houver ódio, esperança onde houver desespero, luz onde houver trevas, verdade onde houver mentira e união onde houver discórdia, manifestos no respeito e na contínua intercessão a Deus pelo processo democrático brasileiro (Mt 5.9; 18.21-22; Lc 6.27-31; Jo 13.3-5; Rm 12.19-21; Gl 5.13);

12. Nossa união em defesa da vida digna, em sua plenitude, para todas as pessoas, cujo exemplo e potencial maior está em Jesus de Nazaré; e do amor, da paz e da justiça estabelecidos por ele como valores para sua efetivação (Mt 11.29; Jo 10.10; 13.3-5,15; Rm 12.1-2; Fp 2.5-8).

“A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.” (2 Co 13.13)

Brasil, setembro de 2018.

2.10.22

O USO INDEVIDO DE SALMOS 33,12

Nesses dias o que mais se vê é gente usando o texto bíblico de Salmos 33,12 na sua primeira parte que diz “feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”. A segunda parte do versículo esquece, propositadamente ou não. Com isso, querem dizer que uma “nação” que tem “Deus” como o Senhor é feliz, logo, o versículo vira “cabo eleitoral”.

Que nação é essa do versículo? É a brasileira? Deus quer uma nação para ele? Para todas as perguntas é um não auditável!

O texto de Salmos 33,12 está falando da nação de Israel e não de qualquer outra nação, muito menos a brasileira. A segunda parte do versículo diz: “cujo povo ele escolheu para lhe pertencer!”. Que povo ele escolheu para lhe pertencer? Israel! Não outro povo. Isso porque esse povo, Israel, não era lá essas coisas (Dt 7,7-8). Assim, Salmos 33,12 está se referindo, exclusivamente, ao povo de Israel dentro da aliança que Yahweh fez com ele. Não é de longe outra nação que o texto está se referindo, muito menos o Brasil.

Alguém pode dizer: “Mas isso é no sentido de ser abençoado por Deus uma nação que tem ele como Senhor”. Pois é, outro equívoco. Nada que uma boa teologia bíblica da igreja não resolva.

A igreja tem uma função que está acima de qualquer governo ou autoridade política. Isso ela tem por que foi o próprio Cristo que assim o fez. Em Efésios 1,21-23 é dito: “Agora ele está muito acima de qualquer governante, autoridade, poder, líder ou qualquer outro nome não apenas neste mundo, mas também no futuro. Deus submeteu todas as coisas à autoridade de Cristo e o fez cabeça de tudo, para o bem da igreja. E a igreja é seu corpo; ela é preenchida e completada por Cristo, que enche consigo mesmo todas as coisas em toda parte” (NVT). Logo, é a igreja, por meio de Cristo, que assume a função de continuar o ministério de Cristo. Ele é o Senhor de tudo. E como Senhor de tudo, ele escolhe a igreja para preencher todas as partes. Isso significa que a igreja não pode ser de uma nação! Isso significa que a igreja não pode participar do poder, porque ela tem no Cristo alguém que está acima de qualquer ordem política nesse mundo! Entendeu?

Para deixar mais claro ainda. As funções do Israel bíblico, o Novo Testamento entende que cabe à igreja ser a continuidade. Não mais por meio de um único povo, uma única nação, mas todos os povos. 1Pe 2,9 é muito claro: “Vocês, porém, são povo escolhido, reino de sacerdotes, nação santa, propriedade exclusiva de Deus. Assim, vocês podem mostrar às pessoas como é admirável aquele que os chamou das trevas para sua maravilhosa luz” (NVT). A igreja é multiétnica. Ela não tem nacionalidade. Antes é o ajuntamento de todas as cores, de todas as pessoas. O povo escolhido é a igreja. O sacerdócio de Deus é o povo dele, a igreja. Esse povo é propriedade exclusiva de Deus, não um país, não uma nação!

Não é por acaso, que a igreja quando diante do Cordeiro será assim: “Depois disso, vi uma imensa multidão, grande demais para ser contada, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro. Usavam vestes brancas e seguravam ramos de palmeiras (Ap 7,9 – NVT).

O Brasil não será uma “nação” cristã! E ainda bem que não. Porque Deus já tem a sua nação, a igreja, composta de todas as pessoas que proclamam o Evangelho de Jesus Cristo! 

Quem fica por aí citando Salmos 33,12 como se fosse para o Brasil de hoje, usando o texto como cabo eleitoral, está cometendo um duplo erro: o texto é para o povo/nação de Israel; e cabe à igreja (nova aliança) ser o ajuntamento de muitas nações.