22.7.15

E A IGREJA FICOU ASSIM... (MAS NÃO ERA PARA SER)

O movimento batista no Brasil tem a marca indelével do ethos dos batistas do sul dos Estados Unidos.

Aqui, imbuídos de um ímpeto missionário, trouxeram o evangelho e com ele o modo de evangelizar e doutrinar, além de ensinarem como cultuar (liturgia).

A eclesiologia batista tem (teve) a marca da presença batista estadunidense.

Uma eclesiologia centrada no culto-templo, no domingo e no pastor. Assim, nada ocorre fora do templo, e culto mesmo, apenas no templo; o domingo como dia sagrado, e profaná-lo é sacrilégio; o pastor é visto como sacerdote, embora o protestantismo tenha aparecido na história do cristianismo como defensor do sacerdócio universal de todos os crentes, algo que ficou na sua versão 1.0, lá e cá.

Algumas consequências dessa maneira de enxergar e viver igreja contribuiu para que pessoas entendessem igreja como um lugar (templo) e não gente. Levou a compreender que culto acontece apenas no templo e no domingo, fato que torna o pastor indispensável, uma vez que ele (único?) é qualificado para tal tarefa.

Em síntese, a igreja se transformou em um momento no fim de semana; uma tarefa que precisa ser desempenhada; um servir que virou sinônimo de fazer algo (onde?) na igreja-templo.

A presença de Ralph W. Neighbour Jr. em Presidente Prudente/SP, por ocasião da Semana Batista, foi interessante. Apesar de conhecê-lo como um mentor da Igreja em Células, ouvir a sua experiência eclesial como pastor batista e seus desafios em levar adiante os ideais comunitários do Novo Testamento foi revigorante.

O pastor Ralph é alguém que viveu os milímetros da denominação (Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos) e, portanto, conhece bem a teologia e o modus operandi dos batistas do sul dos EUA.

É alguém que sofreu um processo de desligamento de sua própria denominação por querer ensinar algo que, desde que o Novo Testamento é Bíblia para os cristãos, está lá, ou seja, uma igreja pautada em relacionamentos, não em estruturas, programas e eventos.

Em Presidente Prudente/SP, o pastor Ralph W. Neighbour Jr. falou de como as igrejas deixaram de lado o Novo Testamento. Essa fala foi contundente, principalmente porque os batistas acreditam ser um ramo do protestantismo histórico que propaga, com maior fidelidade, os ensinos da Bíblia, mas principalmente os do Novo Testamento.  

Com uma mensagem pautada em trechos fundamentais da eclesiologia neotestamentária, Ralph pontuou uma palavra que trouxe confronto para todos ali, principalmente para um público acostumado a ver igreja como pedra e cimento e ainda como promotora de eventos e programas.

Uma igreja onde o pastor é o responsável maior por trazer pessoas para a igreja-templo, Ralph deixou claro de que o Novo Testamento não ensina sobre o "aceitar Jesus" e muito menos o tal "Deus tem um plano para a sua vida". Antes, a principal mensagem do Novo Testamento para a igreja é ser corpo de Cristo.

De todas as falas do pastor Ralph, a mais impactante foi essa: “a igreja no seu sistema tradicional não produz nenhum cristão maduro”. Infelizmente isso ainda é um fato. 

8.7.15

LIBERTAS, OMNIUM: OS BATISTAS E A LIBERDADE RELIGIOSA

O Jornal Batista (CBB) de 05.07.2015 foi histórico.

Diante de um acontecimento desagradável com a menina Kaillane (11 anos) que sofreu agressão por estar saindo de uma cerimônia religiosa do candomblé, irmãos e pastores batistas fizeram uma manifestação contra a intolerância religiosa, repudiando não apenas o ato agressivo contra a menina Kaillane, como também qualquer discriminação e preconceito a religiosidade do outro. A manifestação ocorreu no Rio de Janeiro, cidade da Kaillane, e, além de outros pastores presentes, o Pr. João Luiz Sá Melo (pastor na Primeira Igreja Batista em Vila da Penha, bairro da menina Kaillane), marcou a sua presença nesse ato em prol a liberdade religiosa. O Jornal Batista dedicou uma edição para não só tratar desse tema, liberdade de crença, como também questões ligadas ao movimento LGBT, Ensino Religioso e Racismo. Definitivamente uma edição que representa a trajetória dos batistas e a defesa de seus princípios, entre eles a liberdade religiosa, para todos.

Os batistas, historicamente, surgem na Inglaterra do século XVII. Em meio à efervescência de movimentos emancipatórios que tem na filosofia de John Locke, por exemplo, um discurso libertário, os batistas têm traços constituídos por princípios, sendo que, em meio a princípios teológicos, os principais princípios são político-filosóficos.

Somos filhos do liberalismo inglês.

O liberalismo é uma reação ao absolutismo.

Um dos principais expoentes do liberalismo político foi, indubitavelmente, John Locke.

Na Inglaterra o apogeu do absolutismo se deu com o rei Henrique VIII, que com o apoio do Parlamento inglês, que na sua maioria eram burgueses, concentrou o poder nas mãos do rei.

Nesse cenário político, Locke foi um ferrenho defensor da liberdade civil e religiosa. Para ele “os homens são todos, por natureza, livres, iguais e independentes, e ninguém pode ser despossuído de seus bens nem submetido ao poder político sem seu consentimento”.

Os batistas são herdeiros desse pensamento e, como tal, em seus princípios a liberdade religiosa (para si mesmo, num primeiro momento como recurso de sobrevivência) e a separação entre Igreja e Estado se tornam duas lutas que custaram vidas, entre elas a de Thomas Helwys. Arguto para o seu tempo, Helwys foi um defensor da liberdade religiosa e, por isso, enfrentou o rei.

Isso nos mostra de como os batistas não podem abrir mão de sua gênese, daquilo que fizeram os ancestrais enfrentar a prisão e a morte. O autor de Uma breve declaração do mistério da iniquidade endereçou seu texto ao rei Tiago I e por isso a prisão foi sua última “casa”. Razão para isso? Em um regime absolutista nenhum rei gostaria de ver alguém propagando ideias como essas: “o rei é um homem mortal, e não Deus [...] não tem poder sobre as almas imortais dos seus súditos”.

Helwys defendeu até o último momento de sua vida a liberdade religiosa para todos: “que sejam heréticos, turcos, judeus ou o que quer que sejam, não compete a qualquer poder terreno puni-los na menor medida que seja”. Helwys morre em uma prisão em 1616.

Não podemos ser apenas tolerantes com a religião do outro. Há uma diferença entre liberdade religiosa e tolerância religiosa. É Walter B. Shurden quem esclarece isso: “a tolerância religiosa é apenas uma concessão; a liberdade religiosa é um direito”.

A manifestação envolvendo batistas no Rio de Janeiro está perfeitamente dentro do movimento batista em prol da liberdade religiosa na história.

É preciso, honestamente, reconhecer e lutar para que cada um tenha o seu direito garantido de viver a sua fé e religiosidade. Não é possível, principalmente entre os batistas que priorizam os seus princípios, respeitar e fazer respeitar a religião do outro.

Com isso não se afirma que nenhuma religião está fora da crítica ética e teológica, nem mesmo a nossa. Mas não é concebível a partir de uma perspectiva de liberdade religiosa o falar mal da outra religião por ser religião, insultando seus pressupostos. Dentro de um Estado democrático e republicano, cabe à crítica, a avaliação argumentativa, a pesquisa das estruturas religiosas, mas não cabe a dicotomia religiosa onde um acha que a sua religião é melhor do que a do outro.  

Como batistas que tem uma tradição em defesa da liberdade do indivíduo e religiosa, poderíamos ser protagonistas não apenas em situações como da menina Kaillane, mas em um Estado democrático de direito levantar essa bandeira o mais alto que puder.