30.6.09

UM NOVO PARADIGMA NA AÇÃO MISSIONÁRIA

Leituras em Jürgen Moltmann

A contribuição de J. Moltmann para a teologia do século XXI é inestimável. Com uma profunda reflexão contemporânea, Moltmann busca um diálogo com a modernidade na tentativa de propor novos rumos para pensar Deus, Cristo, a Igreja e o mundo. Escritor profícuo e competente, ele vem contribuindo para um pensar teológico que leve em consideração o mundo e suas mudanças de paradigmas.

Com a constatação de que as relações humanas foram influenciadas pela Revolução Industrial, e como consequência o surgimento da sociedade de consumo; a subjetividade e a autonomia do indivíduo como fruto do Iluminismo; a emancipação das tradições religiosas; as descobertas científicas e o avanço tecnológico; a quebra de paradigmas até então absolutos na história. Com esses fatores, tornou-se imprescindível ao cristianismo abrir um diálogo com a pós-modernidade. E uma dessas vertentes, com certeza, é a questão missionária. Como evangelizar numa sociedade pluralista tanto econômica, cultural e religiosa?

Uma coisa que não se pode negar nesta conjuntura, é que há uma necessidade em aceitar que a sociedade que está aí é desta forma e não de outra. Não dá mais para ficar pensando no que nós gostaríamos que ela fosse ou adotar uma postura conformista do “é assim mesmo, as coisas mudaram”. É possível assumir um novo paradigma para uma prática missionária que leve em consideração o nosso tempo, e para isso J. Moltmann contribui.

Em vez de proselitismo, o Reino de Deus: não é mais possível o proselitismo como forma missionária. A tática do céu-inferno não cola mais, ou pelo menos há um grande percentual de pessoas que não acreditam mais nisso. Alguns mitos já foram superados na sociedade dos celulares. Pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi alguns anos atrás, mostrou que 83% dos entrevistados acreditavam que iriam para o Paraíso depois da morte. A velha maneira de evangelizar que tomava como ponto de partida a igreja da reta-doutrina já não funciona mais. Se fosse o contrário as igrejas neopentecostais não teriam tantos adeptos procurando algo neste mercado financeiro que cresce a cada dia. O foco precisa ser (continuar sendo) o Reino de Deus. A missão da igreja é ser fermento do Reino de Deus. A ela é dada as promessas do Reino; como protagonista disso, cabe a ela os sinais históricos e concretos do Reino na sociedade, levar adiante a esperança utópica do Reino de Deus e suas consequências espirituais e sociais. A igreja tem a missão de proclamar o Reino de Deus; a ela cabe despertar no mundo um sentimento apaixonado pelo Reino a fim de transformá-lo. Isso será possível, porque para J. Moltmann a tarefa de antecipar e participar do futuro do mundo é da igreja.

Não existe missão sem a mensagem do Reino de Deus. Os seus valores e seu projeto de uma sociedade regida pelo amor, o perdão, a justiça e a doação como forma de convivência precisa estar na agenda da igreja. Foi o que a igreja neotestamentária procurou realizar quando quebrou as fronteiras entre ricos e pobres, judeus e gentios, homem e mulher.

13.6.09

ERA POSSÍVEL UM MILAGRE?

A discussão teológico-filosófica sobre a relação Deus-mundo é ampla. Há algumas ideias clássicas sobre este tema como a doutrina da providência: o mundo e a humanidade não são governados por acaso ou pelo destino, mas por Deus, que dirige a história e a criação em direção a um objetivo supremo. Os pressupostos apontados pela doutrina da providência parecem não convencer a mentalidade pós-moderna de que Deus esta dirigindo a história e a criação, pelo contrário, o que se vê é um homem cada vez mais interessado em conhecer o universo e suas leis para dominar e explorar; um planeta em constante ameaça pelos poluentes produzidos pela ganância humana; uma história construída em meio a guerras e tragédias que poderiam ser evitadas se os homens vivessem em harmonia. Outra questão é: se Deus dirige a história ele esta sendo conivente com tudo isso?

Com isso gostaria de refletir sobre a mais recente tragédia humana: o voo AF 447 Rio-Paris da Air France. Até então não tinha nenhuma intenção de escrever sobre o assunto. Os depoimentos colhidos dos parentes e amigos daquelas pessoas, por si só já era sofrimento demais. Mas aí, como de costume nessas ocasiões, aparecem àqueles programas sensacionalistas querendo a qualquer custo ter audiência, buscando pessoas que poderiam estar no voo e por algum motivo não entraram naquele avião. Esta semana que passou, um programa de TV entrevistou um rapaz que no último minuto foi impedido de embarcar porque o avião já estava taxiando. Estavam no programa mais dois convidados: um astrólogo e um teólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Eles tentavam entender porque o jovem não morreu com todos os outros. Para encurtar aquelas bobagens, que nem mesmo tive paciência de acompanhar até o fim, o professor universitário afirmou que o jovem não entrou no voo porque ele precisava acertar alguma coisa em sua vida, por isso Deus o poupou. Simplesmente um absurdo. Uma postura recheada de conceitos calvinistas.

Para quem acredita em milagres, esse caso foi um deles. Mas, que Deus seria esse que poupou apenas uns e não mais de 200 pessoas? Se pudesse impedir, para quem entende que Deus permite tudo e se permite pode impedir, por que não segurou a aeronave no ar?

São vários os atalhos que tentam esquivar o homem do controle da história. O fato é que ao homem cabe a construção da história em liberdade e juízo, e que, portanto, cabem também as consequências de seus feitos e atos. Um mundo dirigido por milagres é inconsistente. Se o mundo fosse regido por milagres não haveria a necessidade da ordem natural das coisas e os efeitos que emanam da criação e sua complexa leis invioláveis. Se fosse possível um Deus atuando no mundo por meio de milagres, as grandes catástrofes naturais, as tragédias, a dor humana não seria mais possível, pois se Deus pode impedir que uma pessoa não entre no voo da morte pode também impedir que uma onda gigante não mate dezenas de milhares de pessoas! Por isso a impossibilidade de milagres, porque eles seriam contínuos a todo o momento e Deus estaria remendando a imperfeição do mundo com suas vicissitudes.

Com este texto não se pretende ser insensível com a dor humana ou muito menos negar o poder de Deus. O que se propõe é uma reflexão que indague se é possível uma predileção de Deus para alguns e outros não e ainda mais, essa predileção ser justificada como um milagre.

Deus não é o regente do mundo que a tudo manipula para se revelar; é entregue às criaturas a construção de sua história, Deus, tendo poder, leva muito a sério isso porque age com respeitosa resignação e aceitação consequente dos atos humanos.

A fé me sentencia a ver um Deus que não abandona na escura noite; um Deus de amor infinito que nunca quis o mal para seus filhos; um Deus que se coloca ao nosso lado nos momentos de dor, ajudando a suportá-la, dando alento e completando o coração com esperança.

3.6.09

PASTOREIO E COMPAIXÃO

Não existe receita para ser pastor. Ninguém nasce pastor. É um processo de construção que envolve Deus, a família e a Igreja.

Permita-me pensar sobre o que considero extremamente essencial no ministério pastoral, aquilo que seja a razão de ser pastor, a base fundante de tudo. Não é dinheiro, até porque nossa função anda em baixa por conta de alguns “executivos” e suas “igrejas fast food”. É a compaixão.

O texto de Marcos 6,30-43 é interessante para pensar isso. Considerando as diferentes maneiras (interpretações) de ver o texto, este capítulo da “repartição dos pães” é construído com o intuito de demonstrar Jesus como um pastor que tem na compaixão a sua base ministerial.

O recurso literário esta no Antigo Testamento. Os paralelos são evidentes no texto. Os versos 36-38 nos remetem para o episódio de Elias e a “multiplicação” (2Rs 4,42-44); há uma alusão clara a Josué e a congregação de Israel e este como sendo o pastor depois da partida de Moisés (Nm 27,16-18); não há como deixar de notar a figura do deserto de Êxodo 16 nos versos 31 e 35. A construção literária é tão alusiva que o autor não se importa nem um pouquinho que no deserto há barco e como consequência há água; no deserto há cidades; um deserto que há “relva verde” (vs. 39 – NVI “grama”). Todo este enredo é para mostrar Jesus como pastor: “viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor” (vs. 34).

O que nos move para o pastoreio? No caso de Jesus era a compaixão. Essa palavra que não expressa totalmente o que era que Jesus sentia como pastor, mas com certeza é algo que saia das entranhas, do profundo do coração; a palavra quer trazer a ideia de vísceras, intestinos (gr. splagcnon), algo como uma reação impulsiva que exime de controle. A compaixão de Jesus esgota o vocabulário. O mais incrível nisso é que sua compaixão tem alvo: a multidão.

A multidão tem uma história com Jesus, assim como nós, temos uma história com a comunidade. A multidão admira seu ensinamento, o elogiam, corre atrás dele quando precisa. Mas a multidão também se deixa instigar pelos chefes religiosos e gritam não mais pelo “filho de Davi”, mas por Barrabás. É esta multidão que Jesus tem compaixão, quer pastorear, alimentar, cuidar.

Em nosso ministério temos tantos alvos: é a construção, a receita, os planejamentos, os projetos, as metas, a burocracia administrativa, isso, aquilo e muito mais. Mas o que fazemos no ministério nos define. Não quero ser marcado como o pastor das “construções” (embora tudo isso seja necessário, mas não prioritário); ou ser lembrado como o pastor que finalmente conseguiu o desligamento de uma família problemática.

As atitudes do pastorado nem sempre é multiplicar, multiplicar, multiplicar. É também repartir, compartilhar, principalmente (vs. 40). O pastoreio por meio da compaixão nos permite continuar ali, mesmo que no meio da multidão alguém grite por Barrabás. O pastor que tem na compaixão sua base ministerial, com certeza verá sempre o humano em primeiro lugar. Somente a compaixão permite o dinamismo necessário para partilhar o pão com a congregação e conduzi-los a uma grama verde.