10.8.12

O PASTOREIO A PARTIR DE JESUS E PAULO – OBSERVAÇÕES QUANTO AO MODELO PASTORAL E AS CRISES DO MINISTÉRIO

1º Conclave Pastoral 
Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Subsecção – Vale do Ribeira 
4 de Agosto de 2012 – Hotel Estoril, Registro/SP

Um dia de sol; um lugar acolhedor; uma comida boa; os amigos, os colegas e irmãos de diferentes denominações. Este foi o cenário do 1º Conclave Pastoral. Um dia para refletir e ponderar algumas questões quanto aos desafios e os dilemas do ministério pastoral.

O nosso convidado foi o Pr. Natanael Gabriel da Silva (Igreja Batista Central – Sorocaba/SP). Alguém com trinta (30) anos de ministério pastoral.

Quem pensou que iria ouvir teorias sobre o crescimento de igreja ou modelos importados de crescimento, ou ainda, sete passos para ser bem sucedido no ministério e etc., ficou frustrado, apesar de ter a impressão de que o grupo lá presente esperava aquilo mesmo, ou seja, nada do mesmo. O Pr. Natanael abordou a figura do pastor em suas diferentes perspectivas, mas priorizou o texto bíblico e o modelo de Jesus e de Paulo no pastoreio.

Com uma hermenêutica centrada na construção teológica e comunitária do evangelho de Mateus, o expositor passou a identificar as características do ministério de Jesus e seu momento introspectivo, ou seja, o momento em que ele – Jesus – avalia o seu ministério a partir das circunstâncias.

O modelo pastoral de Jesus se dá na contramão de duas tendências bem nítidas no seu tempo: o modelo sacerdotal e o modelo profético. No primeiro, Jesus não se assimila de modo nenhum com o modelo sacerdotal, pelo contrário, esse modelo é identificado como opressor na figura dos sacerdotes do Templo de Jerusalém. No segundo modelo – profético – no qual Jesus faz parte, mas não nos moldes que o profeta era associado no seu tempo – como foi João Batista. A diferença entre os dois, Jesus e João, se dá no teor da mensagem e na maneira de proclamá-la. Enquanto João era duro com suas palavras e pregava o fim eminente de todas as coisas, Jesus, por outro lado, pregava o Reino de Deus e sua construção a partir de uma mensagem que confronta a consciência e provoca uma reação.

O capítulo onze (11) de Mateus foi alvo da exposição do Pr. Natanael. Neste capítulo, fazendo uma exegese a partir da compreensão de que todo o evangelho de Mateus é uma construção literária e teológica da história de Israel, Jesus tem um diálogo com os discípulos de João Batista que o questiona ser ele o Messias ou não. A resposta de Jesus é dada por meio do que está acontecendo. Ao final do capítulo onde é senso comum interpretar os versos 28 a 30 como sendo um texto “evangelístico”, ou seja, um texto para evangelizar pessoas que ainda não pertencem à Igreja, há um processo de reavaliação do ministério de Jesus. Nestes versos, Jesus fala com Deus-Pai sobre si mesmo. Aqui é Jesus colocando o seu modelo pastoral: mansidão, leveza, descanso, alivio. Diferente de João, Jesus tem a preocupação de pastorear com prerrogativas pouco convencionais tanto para os seus discípulos quanto para o imaginário profético do seu tempo. Mas é esse o modelo que ele deixa e procura imprimir em seus discípulos.

Não será os milagres a base do pastoreio; não será o texto-retórica que dará funcionalidade à pastoral. O que realmente dá suporte ao ministério pastoral é a pessoalidade. A pessoalidade de Jesus que dá a ele todos os ingredientes necessários para ser manso e humilde e oferecer descanso e leveza.

Diante desse modelo, ignorado é verdade, somos chamados a retomar a prática do pastoreio a partir das premissas de Jesus. Mas essa não é uma tarefa fácil. Há diante de nós os estigmas da institucionalidade que preserva as estruturas em detrimento de pessoas; existe a tal “concorrência” no segmento “evangélico” em que cada movimento ou denominação quer ter seu espaço sendo a mídia a grande aliada de modelos pastorais que se assemelham muito mais ao modelo sacerdotal que ao modelo pastoral de Jesus. Ainda pesa sobre nós a velha e inadequada concepção de que pessoas são números (quantidade de membros) e ministério pastoral é apenas mais uma profissão, e bem lucrativa, diriam alguns.

Jesus nos convida para pastorear com pessoalidade. Sem subterfúgios, apenas pastorear.

No período da tarde somos agraciados com uma leitura de Paulo a partir das duas Cartas aos Coríntios.

Depois de uma breve exposição quanto ao contexto de Corinto e sua diversidade de problemas como as religiões gregas, a moralidade e as questões de ordem pastoral na igreja com sua divisão entre grupos, inclusive um de Paulo, e a inconstância doutrinaria da igreja, Paulo na segunda Carta expõe toda uma problemática com a igreja e faz transparecer a face de um pastor que, pelas circunstâncias, mostra as debilidades do pastoreio e a difícil equação entre o procedimento político e pastoreio.

Depois de apontar os diversos desvios (pecados) da igreja em Corinto – noticias essas trazidas por Cloe (possivelmente sendo um grupo partidário de Paulo) daí a sua fala a partir das informações recebidas – na segunda Carta Paulo no segundo momento faz a sua defesa e por fim ele se faz de vítima.

Os capítulos onde (11) e doze (12) de 2Co é a mostra de alguém que procura ser respeitado, lembrado por aquilo que fez, mas não gostaria de dizer que fez e, que por isso, deveria ser respeitado por isso. Na verdade Paulo tem uma crise no seu pastoreio com a igreja de Corinto por se tratar de uma igreja que demandava certo trato político e ao mesmo tempo habilidade pastoral para lidar com as questões que ela passava.

Paulo estava em busca de reconhecimento e o que encontrou foram frustrações. A crise de Paulo é semelhante à de muitos pastores: pastorear por meio do amor ou desejar ser valorizado pela igreja-instituição. Paulo não soube lidar com esse dilema e no final do capítulo doze (12) ele fala como um “insensato”, ou seja, alguém que está reivindicando algo que na verdade não deveria por se tratar da natureza do ministério pastoral.

A ferramenta principal de Paulo era o pastoreio por meio da espiritualidade. Mas se tratando das questões de Corinto, Paulo não soube pastorear àquela comunidade e isso não foi bom para a sua vida e ministério.

Com Jesus temos o modelo de pastoreio (Mt 11,28-30). Com Paulo temos o exemplo de como não cometer erros quanto ao trato de uma igreja tão problemática como foi à comunidade de Corinto. Paulo deixa o modelo de como não incorrer em erros que frequentemente o pastor se vê envolvido dentro de uma distancia tão mínima que é entre a igreja-instituição e o pastoreio.

O pastoreio em tempos pós-modernos não necessita ter critérios de números de membros; o alvo do ministério não pode ser medido quantitativamente. Ele é muito mais que isso. Ele é doação do coração do pastor às ovelhas que necessitam do seu cuidado. Se for possível um pastoreio assim, não cometeremos o erro de achar que, pela função, devemos ser reconhecidos como tal.

1.8.12

ENTRE DISCÍPULOS E MULTIDÃO: A DIALÉTICA “EVANGÉLICA” HOJE

É típica nos evangelhos sinóticos a distinção entre multidão e discípulos. Por um lado há discípulos que seguem Jesus, e por outro há a multidão que vai atrás.

As semelhanças entre multidão e discípulos são evidentes. Tanto a multidão quanto os discípulos estão ouvido às palavras de Jesus em diversas ocasiões nos evangelhos. A multidão é amigável; ela fica maravilhada com os ensinamentos de Jesus (Mt 7,28). As diferenças entre esses dois segmentos também são claros. A multidão não tem rosto; ela é anônima; a multidão é mutante, em um momento busca Jesus em outro momento prefere Barrabás; na multidão não há uma constância; a multidão quer estar junto de Jesus, mas não quer se comprometer com ele; a multidão vai atrás de Jesus não pelos seus ensinamentos, mas pelo milagre dos pães (Jo 6). Os discípulos seguem Jesus. Mesmo não entendendo muita coisa da caminhada de Jesus e sua mensagem sobre o Reino de Deus, estão lá; mesmo dormindo no Monte das Oliveiras, mas estão lá.

Essa dialética – multidão e discípulos – me fez lembrar um livro do teólogo jesuíta uruguaio Juan Luis Segundo – Massas e minorias: na dialética divina da libertação (São Paulo: Loyola, 1975). Nesse texto Segundo trata da dimensão minoritária e massificante do Cristianismo colocando de que, originalmente, Jesus visou uma minoria – os discípulos, por exemplo – e não estava atrás da massa e nem mesmo se deixa se encantar por ela. Um livro que vale a pena ser lido por ser tão atual para os nossos dias.

Essa relação multidão-discípulos e massa-minoria são patentes no segmento denominado de “evangélico”. Parece que há uma sensação de que quando a massa está aderindo ao movimento (dados do IBGE apontou os “evangélicos” em 22,2% da população brasileira) é sinônimo de crescimento do Reino de Deus. Os pastores, bispos e apóstolos midiáticos quando atraem multidões é sinal de que Deus está “salvando” pessoas. Seria bom que fosse! A mensagem de Jesus sobre gratuidade, amor, perdão, diálogo, ou seja, os valores inegociáveis do Reino de Deus, não são vinculados nas grandes reuniões de milagres e vitória financeira. É a formação de multidão que corre atrás do milagre, da cura, não, propriamente de Jesus. Quando Jesus quis ensinar a multidão ela se dispersou, ouvir Jesus e seus ensinos não era relevante.

O segmento “evangélico” de massa está abarrotando os bolsos de pessoas que estão lucrando com a fé. Há verdadeiros impérios financeiros construídos a partir da boa vontade de pessoas que, sem arrependimento, não encontraram Jesus, mas sim Mamom (Mt 6,24).

Essa síndrome da massa tem, infelizmente, prejudicado a noção de comunidade. Geralmente a pergunta entre os pastores quando se conhecem é: “quantos membros tem a sua igreja?”. Pelo que me consta o evangelho de Cristo tem a ver com doação ao próximo; com a nossa maneira de ler a realidade; com a transformação da vida a partir do Reino de Deus. Portanto, não aceito um “evangelho” que ignora a premissa máxima da mensagem de Cristo – “buscar em primeiro lugar o Reino de Deus” (Mt 6,33).