14.4.22

MAIS UMA VEZ, MARXISMO E RELIGIÃO

Chega nessa época de eleições gerais no país e mais uma vez ouvimos e vemos vídeos em que a desonestidade intelectual e, não poucas vezes, o mau-caratismo de alguns quando tratam do tema “marxismo e religião” (leia-se cristianismo). Dizem: “Não é possível ser cristão e marxista”. E as frases de efeito e chavões prontos são reproduzidos sem critério algum.

Aqui vai uma breve contribuição sobre esse tema, "marxismo e religião".
Uma das frases mais ouvidas é que Marx tenha dito: “A religião é o ópio do povo”. Essa frase é usada tanto por críticos ao marxismo, no sentido de acentuar um certo “ateísmo” da corrente filosófica, como também por marxistas contrários à religião no sentido de ignorá-la por ser alienadora. Quanto à frase, Michael Löwy faz um alerta: “Devemos enfatizar que essa afirmação não é, de modo algum, especificamente marxista. A mesma frase pode ser encontrada, em vários contextos, nos escritos de Kant, de Herder, de Feuerbach, de Bruno Bauer, de Moses Hess e de Heinrich Heine”. Marx não nega sua aversão à religião em seus escritos, mas quanto ao seu suposto ateísmo, foi desenvolvido muito antes do filósofo formular suas concepções econômico-filosóficas conhecidas hoje como marxismo. Chama a atenção que no mesmo texto do “ópio”, aparecem as expressões “protesto” e “suspiro”. Assim, para Marx, a religião antes de ser “ópio” é “a expressão da verdadeira angústia e um protesto contra a verdadeira angústia. A religião é o suspiro da criatura oprimida”. Depois dessa sentença, o marxismo vem somando intérpretes e releituras a partir do contexto que se coloca. Certo de que a religião não deixou de conduzir as massas, o marxismo precisou se atualizar para enxergar na religião, principalmente no cristianismo de tendência revolucionária, uma força utópica relevante e necessária para a sociedade e seus dilemas sociais.
Mesmo havendo entre os intérpretes marxistas uma certa apologia ao ateísmo, direcionando tão somente a leitura alienadora da religião presente em Marx, é consenso também entre os autores do pensamento marxiano que a questão da religião não é um ponto claro e definido em Marx. Desse modo, os intérpretes de Marx, atentos a isso, concordam que a frase de que “a religião é o ópio do povo”, ainda que aparenta ter um caráter meramente unilateral, significa que a sentença não se confirmou na sua crítica integralmente.
Entre os intérpretes de Marx, que estiveram atentos a essa potencialidade revolucionária da religião, em específico, um ramo do cristianismo, está Rosa Luxemburgo que fez uma distinção entre Igreja e cristianismo, como também Max Adler que distinguiu, no interior do cristianismo, o catolicismo do movimento protestante, sendo este último mais revolucionário que o primeiro em diversos aspectos por razões históricas.
Com isso, é possível concluir com a sentença de Tommaso La Rocca: “É notório que o marxismo teve, repetidas vezes e com maior ou menor oportunidade, de rever ou pelo menos precisar as suas ideias e afinar os seus métodos, forçado pela tomada de consciência da complexidade das realidades históricas e culturais com as quais entrava sucessivamente em contato. Não há dúvida de que uma dessas realidades que induziu o marxismo a repensar a si mesmo foi a religião”. Não por acaso que marxianos têm vem recorrendo à religião como força propulsora para a leitura da realidade política e social. Dentre eles destaca-se Slavoj Žižek.