10.1.19

NO TOCANTE AO SOCIALISMO...

No discurso de posse do novo Presidente da República, o senhor Jair Messias, uma frase apareceu: “O Brasil começou a se libertar do socialismo”.

Uma análise bem rápida da frase é possível constatar que o senhor Jair afirmou que, a partir de agora, o país passa a se ver livre do socialismo. Até aquele momento o país estava cativo desse nefasto sistema político-econômico, o socialismo.

Que socialismo o senhor Jair se refere? Quando foi que o país passou a viver sob o socialismo e que, agora, precisa ser liberto? Ou seria mais uma frase de “efeito”, um bordão ou chavão, como aqueles que o senhor Jair colocou no seu Twitter no período eleitoral? Parece que não!

Mesmo depois de eleito, o senhor Jair já disparou no seu Twitter, dizendo que irá “combater o lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino”. Os marxistas que há muito estão nas escolas não fizeram um bom trabalho, Marx ficaria decepcionado. A grande maioria dos estudantes estão preocupados em curtir e não fazer “revolução”.

No tocante à frase: “O Brasil começou a se libertar do socialismo” (...).

Será que o senhor Jair formulou uma outra concepção de socialismo, diferente do conceito que conhecemos?

Seria uma tese acadêmica de peso, se isso acontecesse.

Por definição (e não confunda com marxismo) a base do socialismo, com múltiplas variantes, pode ser assim identificado: “Um ordenamento jurídico e econômico fundado na propriedade privada dos meios de produção e troca, numa organização social na qual: a) o direito de propriedade seja fortemente limitado; b) os principais recursos econômicos estejam sob o controle das classes trabalhadoras; c) a sua gestão tenha por objetivo promover a igualdade social (e não somente jurídica ou política), através da intervenção dos poderes públicos” (1). Ao que parece esse cenário nunca (nunca!) foi visto no país, nem ao menos tentado.

Interessante que o socialismo que surge na Europa do século XIX, tinha como base a expropriação de bens daqueles que tinham bens e a democracia, o voto. Os liberais, como bem lembra o prof. Daniel Aarão Reis (Doutor em História Social pela USP e professor titular de História Contemporânea na UFF), “defendiam que apenas os ricos poderiam votar” (2). Seguindo a síntese do prof. Daniel Reis, os partidos da social democracia, quando chegaram ao poder, tomaram o caminho de reformas, procurando regular o capitalismo e não combatê-lo.

No Brasil do senhor Jair, o socialismo nunca foi implementado. Nunca foi, nem se quer, testado!

Mais alguém ali grita: “Mas o PT é um partido socialista, de esquerda”. O PT é tão “socialista” quanto o PSDB.

Os governos petistas funcionaram como gestores da agenda capitalista no país, com acenos mais que evidentes para o neoliberalismo. É bom lembrar que o presidente do Banco Central do governo Lula foi o senhor Henrique Meirelles e o ministro da Fazenda da senhora Dilma foi o atual presidente do BNDS, Joaquim Levy. O governos petistas, não obstante a redução na miséria do país, principalmente no primeiro mandato de Lula, não anulou a desigualdade social, apenas amenizou. Em contrapartida, os bancos continuaram tendo seus lucros batendo recordes! Assim como estão hoje.

Mas no tocante ao socialismo do senhor Jair, é possível que ele esteja fazendo referência aos governos petistas que se alinharam aos países denominados “comunistas” como Cuba e Venezuela. Talvez seja essa a sua ideia quando diz que “irá tirar o viés ideológico das relações internacionais”. Se for isso, não se trata, senhor Presidente, de libertar o país do socialismo, mas de trocar um “viés ideológico” por outro, no caso o “viés ideológico” da América de Donald Trump.

Talvez a questão seja comportamental ou “moral”, mas não socialista. Ao que tudo indica, o senhor Jair coloca na conta do socialismo a discussão de gênero (ideologia nas escolas) e direitos homoafetivos. Em Cuba, um país que se pretende ser socialista mas sua população não tem direito ao voto, os homossexuais foram perseguidos e, pelo que consta, ainda não são aceitos na ilha. Na China, comunista no governo e neoliberal na economia (uma façanha), os homossexuais são duramente reprimidos, optando por fazerem casamentos de “fachadas” para não serem recriminados.

Por isso, ao que parece, o senhor Jair julga que a questão comportamental (algo que os conservadores priorizam) seja algo ligado ao socialismo. Essa associação é um grande e tremendo equívoco cognitivo. As lutas por liberdades, sexuais e gênero, estão ligadas aos anos de 1960. A França foi palco de inúmeras manifestações e bandeiras libertárias. No Movimento de Maio de 1968, um dos lemas era: “É proibido proibir”.

Ao que parece, a sobrevivência política do senhor Jair depende da sua luta contra algo que ele elegeu como maior prioridade, a sua própria definição de socialismo.

Seria bom se no seu governo a questão eleita como prioridade não fosse o socialismo, mas sim a escravidão que ainda teima em fazer parte da paisagem do Brasil. Seria bom demais se entre as questões mais eminentes da sua agenda fosse a renda e a população menos favorecida, e não o comunismo. Como sabemos, entra governo e sai governo e nada, absolutamente nada, é feito para barrar as isenções fiscais de bilionários; a sonegação de impostos na casa dos trilhões de reais. A maior parte do bolo do país, continua indo para pagar juros aos banqueiros, aumentando, cada vez mais, drasticamente suas margens de lucro (3). Esse seria um dos maiores enfrentamentos da nossa história. 

Por enquanto, no tocante ao “socialismo”, é preciso solicitar aos acadêmicos pesquisas em torno de uma nova modalidade de socialismo testado no Brasil nos últimos anos. Fonte? O novo presidente.

Notas
(1) “Socialismo”. In: Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UNB, 2004, p. 1196-1197.
(3) Jessé Souza. Subcidadania brasileira. Rio de Janeiro: LeYa, 2018, p. 22.