As
eleições de 2018 já despontam como uma das mais críticas, em virtude do atual
momento político, econômico, jurídico e social do país. Entre as candidaturas
para assumir o Planalto, a mais emblemática é a do deputado federal Jair Bolsonaro
(PSL-Rio). O deputado, ganhou notoriedade nas redes sociais, tendo inúmeros
seguidores, ajudado, obviamente, pelos famosos “robozinhos” que habitam o
espaço digital. Além disso, o candidato ganhou um certo destaque pelo seu tom
jocoso ao tratar de assuntos delicados como feminicídio e homossexualidade. Somando
a isso, o candidato vem colecionando declarações polêmicas, com o seu habitual
destempero em entrevistas quando questionado com mais contundência.
Até o
momento, o candidato do PSL não apresentou um plano de governo, até porque,
segundo ele, ninguém ainda tem plano de governo. Mesmo assim, a sua
principal agenda segue sendo o acesso às armas; a demarcação de terras para indígenas
e quilombolas; a diminuição do Estado e da máquina pública, logo ele que tem
todos os seus filhos na esfera político-partidária fazendo carreira, assim como
o próprio que já está há vinte e oito (28) anos ininterruptos como Deputado Federal.
Com um
português sofrível e jargões do universo militar, o deputado que pretende ser presidente
do maior país da América Latina e da quinta economia do mundo, não
consegue desenvolver uma argumentação lógica, coerente e plausível. O seu maior
receio, declarado, é enfrentar um debate aberto com os demais candidatos à
presidência.
Mesmo
com o despreparo latente e a desqualificação visível para ser um presidente da
República, o candidato segue sendo uma opção para uma porcentagem da população.
Ocorre que
a sua principal plataforma política tem sido o “ódio”. Em uma questão o
candidato e sua assessoria tem acertado: o ódio é uma arma poderosa em tempos
de crise institucional. Depois dos crescentes escândalos envolvendo partidos
políticos e grandes empresários, o candidato apareceu como um catalisador de
frustrações, mas também de protestos de uma parte do eleitorado brasileiro. Assim,
as suas colocações não causam nenhum espanto para quem já decidiu dar a ele o voto no primeiro turno.
A proposta
do ódio e da vingança (toma lá dá cá), tem ganhado as redes sociais e a figura
do “homem” violento tem sido personificada nessa figura boçal. À quem quer vê-lo
presidente, porque só assim terá uma chance de colocar uma arma de fogo na
cintura, por entender que dessa forma terá oportunidade de se defender da
criminalidade, mas isso só será possível para o “cidadão de bem”. Como lembra o historiador Leandro Karnal, “Somos
um país violento. Violentos ao dirigir, violentos nas ruas, violentos nos
comentários e nas fofocas, violentos ao torcer por nosso time, violentos ao
votar. Como pensar é árduo, odiar é mais fácil”. Se o país já está tão
polarizado e as discussões estão cada vez mais permeadas pela violência, não havendo, nem mesmo, em alguns casos, uma base mínima civilizatória de
diálogo, um presidente como esse não aprofundaria ainda mais esse fosso?
Recentemente o candidato,
com uma criança nos braços, a ensinou fazer o “sinal” de uma arma, algo já recorrente. Ainda que houve inúmeras reações contrárias ao ocorrido,
assessores do deputado, quando questionados sobre o fato de estar
ensinado uma criança de quatro anos a imitar uma arma com os dedos, disse que
poderia ser interpretado como um “gesto cristão” de bravura.
Infelizmente, há cristãos
que apoiam o candidato e fazem “vistas grossas” com um fato como esse, julgando
se tratar de uma “montagem” quando os principais jornais do país noticiaram o
ocorrido.
Ao que parece, esses
cristãos estão embarcando na lei do talião, o tal “olho por olho, dente por
dente”. Algo típico da herança fundamentalista no país. Nem mesmo uma criança escapa da propaganda gratuita da violência. Logo
as crianças que são as preferidas por Jesus. O Nazareno as colocou no colo e
disse que o Reino de Deus pertence àqueles que, como crianças, se tornarem. Foi
ele quem condenou qualquer tipo de escândalo contra as crianças de uma maneira
veemente (Mt 18).
Ao que tudo indica, a
candidatura do deputado amante das armas seguirá. Resta saber quem mais
seguirá, juntamente com ele, disseminando o ódio e pregando mais violência
como uma possível solução para os problemas do país.
"Escrever é construir, através do texto, um modelo específico de leitor" (Humberto Eco)
16.7.18
31º Congresso Internacional SOTER (Carta-Manifesto)
SOTER – Sociedade de Teologia e Ciências da Religião
CARTA-MANIFESTO
Belo Horizonte, 13 de julho de 2018.
“Será que Deus se enganou ao criar-nos assim, negros, como
somos?”
Paulina Chiziane
Cidadãs e cidadãos brasileiros:
Sob o impacto das conferências que ouvimos no 31º Congresso Internacional da
SOTER, realizado em Belo Horizonte, de 10 a 13 de julho de 2018, a
partir do tema “Religião,
Ética e Política”, do testemunho profético da
escritora moçambicana Paulina Chiziane, e dos debates entre os mais de 550
participantes do evento, tomamos a liberdade de nos manifestar à sociedade
brasileira porque o momento vivido no país é da maior gravidade. Como
intelectuais e estudiosos das mais diversas expressões religiosas e dos dramas
vividos por nosso povo, não podemos nos calar, muito menos como pessoas de fé
que pautam suas vidas pela coerência na luta pela justiça, pela democracia e
pela dignidade humana.
Como
observadores atentos da conjuntura atual brasileira, denunciamos o processo
iníquo de desconstrução da frágil democracia que vimos construindo duramente
depois de mais de 20 anos de ditadura civil-militar. Percebemos que há um claro
intento, em curso, de quebra do Estado
Democrático de Direito, com a não garantia plena dos direitos e garantias
fundamentais contidas na Constituição Federal de 1988, a relativização desses
direitos em nome da racionalidade do mercado, que não está mais sob o controle
do Estado Democrático de Direito. Constatamos a precarização das conquistas
sociais e dos direitos da classe trabalhadora; o recrudescimento de distintas
formas de violência que atingem particularmente os mais pobres e vulneráveis,
os povos indígenas, os quilombolas e as populações tradicionais, além da
violência crescente contra movimentos sociais e suas lideranças. Assistimos,
indignados, ao aumento do feminicídio e da impunidade, ao desrespeito aos
direitos humanos, à onda de intolerância religiosa e à disseminação do ódio
social nas mídias abertas e redes sociais, situação que vem chegando às raias
do crime contra a pessoa em número inédito neste país. Parece-nos, igualmente,
um equívoco a militarização do combate ao crime organizado e a imposição da
ordem social pela força em detrimento da liberdade de ir e vir e de um plano de
segurança debatido amplamente pela sociedade.
Diante
deste quadro dramático, como Sociedade
de Teologia e Ciências da Religião, reivindicamos publicamente as seguintes
medidas que podem ajudar o país a retomar o caminho da democracia e da paz
social:
1.
Resgate da Democracia, do Estado Democrático de Direito
e da Soberania Nacional;
2.
Recuperação dos serviços públicos de saúde para toda a
população, com a sustentação prioritária do SUS;
3.
Revogação das leis antipopulares como a Reforma
Trabalhista e a Lei do engessamento do Orçamento Nacional por 20 anos;
4.
Recuperação da Educação pública, gratuita e universal
em todos os níveis e a garantia da continuidade da pesquisa nacional autônoma;
5.
Demarcação dos territórios indígenas, das terras
quilombolas, das terras dos povos originários, sobretudo na Amazônia;
6.
Reforma Agrária com apoio creditício e técnico à
agricultura familiar, à agroecologia e à agricultura orgânica; retomada do PAA
– Programa de Aquisição de Alimentos pelo governo federal e instituições
públicas de ensino; a redução do uso de agrotóxicos;
7.
Combate à impunidade e ao feminicídio, com garantia da
vida de mulheres ameaçadas;
8.
Garantia de liberdade de culto para todas as expressões
religiosas sem interferência do Estado;
9.
Garantia plena do direito de opinião, de exercício do
pensamento crítico e do debate público nas escolas em todos os níveis;
10. Resgate
da ética na política com participação popular, garantia plena do voto popular e
do direito às candidaturas de todas as pessoas;
11. Resgate
do direito pleno à presunção de inocência, cf. o artigo 5º da CF 1988;
12. Resgate
da dignidade de isenção do Poder Judiciário;
13. Democratização
das mídias abertas e controle dos monopólios da informação;
14. Defesa
irrestrita da vida das pessoas, do meio ambiente e resgate do instituto da
precaução, sobretudo na agricultura de exportação e da monocultura;
15.
Promoção da dignidade de todas as pessoas e dos
direitos humanos conforme os Planos Nacionais de Direitos Humanos.
No momento em que o pais vive talvez sua
mais grave crise social, política, econômica, ambiental e moral, a SOTER, seus
membros e participantes deste Congresso Internacional conclamam publicamente o
povo, as instituições científicas, as comunidades de fé, os movimentos sociais,
as igrejas, os sindicatos, as entidades civis, as associações e as cooperativas
a levantarem sua voz em defesa dos direitos e garantias fundamentais, e a
buscar com organização e criatividade caminhos para o resgate da Democracia
participativa e transformadora, única forma de evitar o caos social, o abuso do
poder estabelecido e a violência sem tréguas.
Inspirados pelo Espírito da Vida que sopra
dos quatro ventos da terra, afirmamos nossa esperança de novos céus e nova
terra, com cidadania, justiça e paz.
A
Diretoria
Cesar
Kuzma – Presidente da SOTER
Maria
Clara L. Bingemer
Paulo
Fernando C. de Andrade
Solange
Maria do Carmo
Alex
Villas Boas Mariano
Participantes do
31º Congresso Internacional da SOTER 2018
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