8.3.11

O SUPERMERCADO RELIGIOSO EM IPORANGA

É um fato a globalização religiosa, o pluralismo como marca da sociedade contemporânea possibilitou a multiplicação de igrejas/movimentos religiosos no país. A estimativa é que a cada dia surgem dezenas de “igrejas” em lugares mais diversos deste país. Este fenômeno chamou a atenção da Igreja Católica já algum tempo e, como resposta, foi o surgimento dos “padres pop-star” e o fortalecimento do catolicismo carismático. No campo do protestantismo histórico a medida foi estudar o fenômeno e entender o seu status de funcionamento e suas mediações simbólicas. Produziu-se muita coisa (e ainda se produz) na academia como dissertações, pesquisas, fóruns de debate e teses de doutoramento sobre o movimento neopentecostal (são as igrejas: Universal, Internacional e Mundial). As igrejas históricas tem a tendência de preservar a sua tradição e liturgia, com algumas exceções é claro, mas não procuram competir com esses movimentos uma vez que a sua própria teologia não comporta mudanças comportamentais no seu imaginário litúrgico e teológico.

Somado a isso, há mudanças culturais na sociedade que produzem novas perspectivas no campo religioso, uma vez que a religião, assim como tudo na contemporaneidade marcada pelo individualismo e capitalismo, “pode ser consumida pela satisfação que é capaz de proporcionar aos indivíduos” (R. Prandi). Neste segmento, surgem os “novos especialistas” do Sagrado prometendo meios para solucionar o sofrimento humano na mesma velocidade que se toma o copo com água ungido pelo “profeta de Deus”; outra marca indelével do nosso atual momento é a disputa pela interpretação tida como correta, há uma busca de legitimação entre os sistemas religiosos (leem-se igrejas) e cada um procura dar a interpretação verdadeira, uma vez que não existe mais uma instância social/institucional com hegemonia o bastante para estabelecer a “verdade”; além dos conflitos entre sistemas religiosos, há uma dinâmica crescente pela busca da experiência religiosa que passa pelo crivo da individualização e subjetivação, é preciso ser do gosto pessoal (a pergunta é: você se sente bem naquela igreja?), é preciso ser conveniente, pois isso proporciona ao indivíduo costurar seu próprio sistema simbólico religioso, experimentar outras igrejas não é problema.

Traços do que acabei de analisar é possível ver na cidade de Iporanga, cidadezinha de quatro mil e duzentos e cinquenta e dois habitantes (IBGE/2010), no Vale do Ribeira. Aconchegante, simples, com um custo de vida muito modesto com apenas quatro supermercados, mas uma quantidade enorme de igrejas na sua plena diversidade e gosto. É incrível ver como a história do cristianismo é patente na cidade de Iporanga. A Igreja Católica, com sua hegemonia simbólica e ritualista predomina na cidade, como toda a cidade do interior do Brasil; a Igreja Batista, o único ramo protestante na cidade, a primeira igreja não católica a chegar à cidade; três Assembleias de Deus, cada uma reivindicando a manipulação do Espírito Santo, todas com o mesmo poder e fogo, mas não podem ser uma, pois a política dessas denominações não permite: há Belém, Madureira e outra que se dividiu das duas citadas que nem mesmo sei de que ramo é; a cidade conta ainda com a igreja do missionário Davi Martins Miranda, a Igreja Deus é Amor, inexpressiva, mas está aqui, e uma igreja que se denomina Comunidade Evangélica, um ramo que se identifica com a Igreja do Evangelho Quadrangular, mas não é Quadrangular. Por aqui não temos Universal, Internacional, não há dinheiro na cidade, portanto o deus dessas igrejas não se interessa por Iporanga, houve a tentativa de implantar a Mundial, não deu certo, o mínimo que se pediu foi sessenta reais, não houve clientes, digo, crentes!

Como se não bastasse essa quantidade de igrejas na cidade, chega agora duas entidades religiosas com o velho discurso exclusivista: Testemunhas de Jeová e Adventistas. A primeira é fruto de alucinações de Charles Taze Russel, fundou a Sociedade Torre de Vigia em 1879. Eles têm a própria bíblia, conhecida como Tradução do Novo Mundo; entendem que Jesus foi a primeira criação de Deus e rejeitam a Trindade como revelação, além é claro de enfatizarem o sangue como portador da vida, daí a sua não transfusão. Já os Adventistas, fundado por Willian Miller, conta com a sua profetiza, Ellen White, a continuadora da Bíblia com suas revelações. Com uma ênfase extremada na volta de Cristo (marcaram por diversas vezes a data desse acontecimento) e no sábado como meio salvífico. Ambos proselitistas, possuidores de uma mensagem ímpar, onde quem não pertence ao grupo não é “salvo” ainda.

Diante dessa variedade de sistemas religiosos, é preciso reafirmar algumas propostas: acentuar a humanidade de Deus em Cristo Jesus; estabelecer laços de fraternidade e solidariedade na comunidade; focar na figura/presença de Jesus na comunidade de fé e reproduzir seus compromissos como amor, perdão e reino de Deus; extirpar do meio da comunidade o julgamento/monitoramento legalista/moralista.

4.3.11

AS DIFICULDADES DO NOSSO JEITO DE SER CRISTÃO

É impressionante como algumas ideias, alguns conceitos e comportamentos surgem na comunidade de fé que, na sua grande maioria, não tem fundamento bíblico e até mesmo sensato! São coisas que passam de pais para filhos, que se ouve de púlpitos, onde o pregador está mais interessado em proferir o que não se deve fazer do que acentuar a graça de Deus e seu amor. Com um discurso carregado de moralismo e pedantismo, pregadores, ao invés de pregar algo que seja bíblico e ensine o povo, prega sobre comportamentos e autoflagelo como meio de uma espiritualidade sadia. Isso é horrível! O povo vai tendo e nutrindo algumas ideias que chegam a ser absurdas.

Aqui na Memorial em Iporanga tratei durante um mês sobre as dificuldades do nosso jeito de ser cristão. Aquelas questões que todo mundo ouve, acredita que é o correto passa para frente como verdade absoluta e aí daquele que discordar. Essas coisas minam o Evangelho transformando-o em mero produto religioso.

Tratei com a comunidade sobre os seguintes assuntos: 1). Confundimos cristianismo com legalismo; 2). Confundimos fidelidade a Deus com ativismo religioso; 3). Confundimos batismo com seguir a igreja. Esses temas, não sei na sua igreja, mas aqui, e creio que em muitas, existem distorções, confusão em torno de algo que foi desvirtuado.

Confundimos cristianismo com legalismo: o legalismo é aquela ideia de que no final das contas o que salva mesmo é o comportamento. É comum na comunidade de fé julgar uma pessoa pelo seu comportamento e dizer se ela tem ou não uma experiência com Deus a partir disso. Em geral o legalista se gloria de suas ações e avalia o outro a partir da sua maneira de ser. Como isso é comum em nossas igrejas, às pessoas rotulam umas as outras a partir do que fazem. Muitas se assemelham com a parábola de Lucas 18,10-14, o publicano se gloriando de ser, na sua perspectiva, melhor do que o cobrador de impostos. A liberdade que tanto o apóstolo Paulo coloca (Gl 5,1-4) é substituída por regras que “salvam” no entender de alguns. Confundem cristianismo com legalismo quando na verdade não há nem mesmo paridade.

Confundimos fidelidade a Deus com ativismo religioso: um primeiro erro é a confusão que se faz com Templo/Igreja. As pessoas dizem ir à igreja e não ao templo. Uma vez que igreja são pessoas que se reúnem no templo. A nossa cultura, contrariando o NT, viu templo/igreja como morada de Deus, uma herança do catolicismo – é por isso que o fiel católico quando passa na frente de um templo ele logo faz o sinal da cruz, outros tiram o chapéu, sinal de respeito por entender que Deus está ali. Nós não temos isso, sinal da cruz, mas muitas pessoas idolatram o templo. Não pode mexer na mobília, por exemplo. Conheço um pastor que ousou tirar uma mesa do centro do templo e quase deixou o ministério por conta disso! Com essa confusão, há pessoas que entendem que ir ao templo/igreja é sinal de fidelidade a Deus, e aqueles que faltam aos cultos são relapsos e descompromissados e, até mesmo, nem mesmo são cristãos! Cria-se uma cobrança e um julgamento para com os infrequentes. No NT não havia templos, a igreja se reunia em casas (Rm. 16, 5; 1Co. 16, 19). Quando a fidelidade a Deus não passa pela vida, mas pelo templo, temos um problema.

Confundimos batismo com seguir a igreja: o batismo deixou de ser aquilo que Paulo fala em Romanos 6 de que ele significa participação na morte e ressurreição de Cristo e passa a ser o meio pelo qual filtra e identifica alguém como pertencente a igreja, ou seja, o batismo não salva, mas para a igreja sim. Antes do batismo o frequentador comete pecados, não há problemas, a igreja não se sente responsabilizada por ele, mas se ele for batizado aí há um problema, porque agora ele é membro da igreja. O batismo deixa de ser a marca do discipulado e passa a ser a marca da igreja; a marca da adesão as suas regras e doutrinas.

Esses temas precisam passar por revisões, do contrário estaremos contribuindo para que mais pessoas cometam a mesma confusão. Cristianismo nunca foi um pacote de regras e normas, mas fé em Cristo e como consequência uma novidade de vida. Tanto o AT como o NT fala do mero ativismo religioso sem a motivação correta. Não dá mais para tolerar em nossas comunidades pessoas que se acham melhores que outras porque desempenha diversas funções.

A comunidade de fé é feita de pessoas com seus defeitos e qualidades. Há fortes e fracos, como diz Paulo, mas todos queridos e amados por Deus em Cristo Jesus.