28.1.21

A NOVIDADE DA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA, SER “APOLÍTICA”

A mídia noticiou um Pedido de Impeachment assinado por mais de 380 lideranças religiosas, incluindo católicos e protestantes, e foi entregue à Câmara dos Deputados no dia 26 de janeiro 2021. O pedido está baseado nos “supostos” crimes que o presidente da República cometeu em relação a sua má condução na maior crise sanitária que o país já passou, a pandemia da COVID-19.

Bastou a mídia divulgar que dentre as lideranças religiosas que assinaram o Pedido estavam os batistas, que a Convenção Batista Brasileira (CBB) e a Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB) emitissem um Pronunciamento para deixar claro (como se houvesse necessidade) de que essas instituições, representativas das igrejas Batistas e dos pastores batistas, não tinham qualquer participação no Pedido. Fazendo coro com a Igreja Presbiteriana do Brasil, que conta com ministros e auxiliares no alto escalão do governo federal, portanto, não há nenhuma dúvida de que a cúpula da IPB está envolvida até as vísceras com a gestão Bolsonaro, a CBB não precisava vir à público para dizer que não se envolveu com o Pedido. Até porque, o nome da CBB não aparece em nenhum lugar do documento. Quem assina são pastores de igrejas Batistas vinculados à CBB como também à Aliança de Batistas do Brasil, que é uma agremiação de pastores e igrejas Batistas de tendência ecumênica. O Pronunciamento da CBB foi um equívoco e completamente desnecessário, a partir desse ponto. Mas quando a CBB vem à público, por pressão da sua ala mais conservadora que segue comprometida com a agenda do governo federal, ela está tomando partido por omissão, uma vez que em diversas ocasiões foi solicitada a sua manifestação e o silêncio foi ensurdecedor. Nesse sentido, o ditado é verdadeiro: “Quem cala consente”.

No Pronunciamento do dia 27 de janeiro de 2021, a CBB frisa que em nome da sua fidelidade aos seus princípios se considera na posição de “apolítica”. Em outras palavras, a CBB está dizendo que não se envolve em política (no sentido partidário, faltou deixar isso claro, uma vez que a condição de apolítico não é possível em uma sociedade politizada). Quando recorre aos seus princípios, nos vem à mente os Princípios Batistas e dentre eles a Separação entre Igreja e Estado. Ocorre que já tem um tempo que pastores batistas e igrejas Batistas, no cenário político nacional, ignoraram os Princípios Batistas para apoiar o governo que entenderam ser o melhor de “Deus” para o país.

Um breve exercício de memória nos ajudaria a verificar que a CBB não se comportou de maneira “apolítica” em diversas ocasiões. Vejamos alguns episódios.

Os batistas têm um inequívoco laço com o regime que se instalou no Brasil a partir de 1964. Jorge Pinheiro é taxativo nesse sentido: “A partir do golpe militar de 1964, os batistas brasileiros construíram um profícuo relacionamento com o bonapartismo militar”. Depois de 1964, os batistas não são “apolíticos” de jeito nenhum. O Jornal Batista nesse período funcionou como propaganda política para os governos militares e depois disso foi um caminho sem volta, jogaram na lata do lixo o ethos histórico-político-teológico dos batistas. Antes de 1964, os batistas conheceram o Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil, que denunciou situações gritantes na condução da política social e econômica do país. Mas não fiquemos nesse período nefasto apenas.

O corte decisivo se deu em 2010 quando Paschoal Piragine Jr. exibiu um vídeo propaganda no púlpito da igreja da qual é pastor titular desde 1988, a Primeira Igreja Batista em Curitiba/PR, para assim emitir a sua opinião contrária à eleição da então candidata Dilma Rousseff à presidência da República. Piragine Jr., pela primeira vez em 30 anos, toma partido e diz em quem os seus membros não deveriam votar nas eleições gerais de 2010. Assim, quando Piragine Jr. se posicionou politicamente, o seu discurso político-religioso foi chancelado quando se tornou presidente da CBB em 2011. Com essa votação, a CBB estava dizendo que tinha partido, uma vez que foi pedido, inúmeras vezes, que viesse à público e se posicionasse em relação à fala de Piragine Jr., mas ao invés disso deu a ele a presidência da CBB. Aqui não houve “posição apolítica”.

Quando Deltan Dellagnol estava à frente do Ministério Público Federal em Curitiba conduzindo a “Operação Lava Jato”, o seu pastor, L. Roberto Silvado, deu a ele todo o apoio, uma vez que o procurador era membro da Igreja Batista do Bacacheri (Curitiba/PR). Quando Silvado se tornou o presidente da CBB em 2013, Dellagnol passou a frequentar seminários, igrejas e encontros de pastores para falar de política e corrupção. A CBB estava de portas abertas para esse tema. O ponto mais emblemático, se deu no caso da votação no STF sobre a prisão ou não em segunda instância, e Deltan disse que “jejuaria pela prisão de Lula”. O seu discurso político-religioso foi endossado por L. Roberto Silvado, então presidente da CBB, que fez um pronunciamento aos batistas brasileiros em canal oficial da CBB, pedindo oração e jejum para que o Supremo Tribunal Federal julgasse de maneira correta quanto à prisão em segunda instância, pedindo oração e jejum à todos os batistas brasileiros para que os ministros do STF fossem iluminados pelo Espírito Santo quanto a permanência de um entendimento do Supremo à favor da prisão em segunda instância mesmo que o processo não tenha sido ainda transitado e julgado em todas as instâncias superiores. Houve reação à fala do presidente da CBB para que a mesma se posicionasse em relação ao ocorrido, mas o que se ouviu foi um silêncio e a tal “posição apolítica” não se confirmou nesse caso.

No dia 19 de agosto de 2018, na Igreja Batista Atitude Central da Barra, no Rio de Janeiro/RJ, o pastor Josué Valandro Jr. chamou à frente o então candidato do PSL à presidência da República, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro. Sua intenção era orar pelo candidato, uma vez que a esposa do candidato fazia parte da membresia da igreja. Fazendo isso, Valandro Jr. se comprometeu com o candidato e suas propostas. Na oração do pastor da Atitude, ele deixa bem claro o que ele gostaria que acontecesse: “Se for a vontade de Deus que você seja no dia 1º de janeiro presidente do Brasil”. Além da oração, Valandro Jr. deixa o candidato falar, algo inimaginável em outros tempos para os batistas. Mesmo com inúmeros protestos para que a CBB se pronunciasse em relação ao ocorrido, o silêncio foi a sua melhor resposta.

Um último e penoso fato, se deu em 2019. A Juventude Batista Brasileira da CBB, no seu congresso anual “Despertar”, organizou mesas de debates e falas sobre diferentes assuntos. Dentre essas mesas estava uma em especial: “Descolonizando o olhar: o racismo atinge a igreja?”. Os convidados foram Fabíola Oliveira e o pastor batista Marco Davi Oliveira. Após o movimento contrário de um determinado grupo ultraconservador que alegou “desvio doutrinário” na formação da mesa, manifestando que eram desfavoráveis quanto a presença de Fabíola e Marco no congresso da JBB, a direção da JBB decidiu desconvidá-los. Decisão que contou com a participação da Diretoria da CBB. Nas Assembleias subsequentes ao ocorrido, o que se viu foi o silêncio e as manobras da cúpula da CBB para abafar o caso.

Esses episódios somados deixam bem claro que a CBB não tem posição “apolítica” quanto aos temas da política nacional. Quando se silencia, está tomando partido. E quando emite um Pronunciamento para dizer que não tem qualquer relação com um Pedido de Impeachment onde pastores batistas assinaram, está, mais uma vez, tomando partido. Como parece que esse é o caso, bastava a CBB vir à público e dizer que aprova o atual governo e a sua agenda que, no mínimo, contraria os anseios do Evangelho. Mas isso a instituição não faz, porque se considera “apolítica” quando lhe é conveniente.