29.9.09

PROTESTANTES E PENTECOSTAIS - II

Entre o Espírito Santo e a teologia

O movimento pentecostal irá comemorar seu 1º centenário em 2010 e 2011. As principais vertentes do pentecostalismo chamado de “clássico” no país são a Congregação Cristã no Brasil (1910) e Assembleia de Deus, ministério Belém (1911). Essas duas denominações têm origens diferentes, daí a completa distinção entre as duas. A primeira descende de imigrantes italianos (Congregação Cristã) e a segunda (Assembleia de Deus) surge de uma divisão da Primeira Igreja Batista em Belém do Pará. Notavelmente, as duas surgem como expressão e expansão do pentecostalismo dos Estados Unidos, mas a eclesiologia, de modo geral, tem no protestantismo a sua matriz. A Congregação Cristã se aproxima muito do modo presbiteriano, principalmente na concepção de predestinação; já a Assembleia de Deus tem na eclesiologia batista a sua forma de ser, acrescentando apenas a liturgia desorganizada e a centralidade no êxtase em detrimento do texto sagrado. Entre protestantes e pentecostais sempre houve divergências, algumas mais agudas e outras irrisórias.

Pensaremos em dois conceitos que sempre trouxeram divergências entre protestantes e pentecostais.

O Espírito Santo: as denominações históricas sempre padeceram com o movimento carismático. A doutrina do Espírito Santo sempre foi um problema tanto para protestantes quanto para pentecostais. No protestantismo o Espírito Santo, em conjunto com as outras duas pessoas da Trindade, Deus Pai e Deus Filho, sempre teve uma posição de consolador. A liturgia é centrada no Filho de Deus, Jesus Cristo; o culto é redentivo; o discurso é racionalizado. Na década de 1950-1960, o protestantismo histórico sofreu com divisões causadas pela interpretação da doutrina do Espírito Santo pelo movimento carismático. Os batistas, diante do fenômeno, desligaram várias igrejas do Estado de Minas Gerais da Convenção Batista Brasileira, surgindo aí a Convenção Batista Nacional. Logo o Espírito Santo, responsável pela unidade do corpo de Cristo o “causador” de inúmeras divisões. Já no pentecostalismo o Espírito Santo funciona como meio de poder. Enquanto que na eclesiologia protestante o culto é centralizado na pessoa de Jesus Cristo, no pentecostalismo é no Espírito Santo. Isso é ainda mais notório com a doutrina da “segunda bênção”. Depois de aceitar a Cristo o crente pentecostal necessita buscar o “batismo” no Espírito Santo. Aceitar a Cristo não é o suficiente, é preciso pedalar atrás do Espírito Santo. No universo pentecostal o Espírito Santo é sinônimo de poder, de unção, de profecia e revelação. O crente pentecostal “cheio do Espírito Santo” é mais poderoso, ele fala mais em “línguas estranhas” (e bota estranha nisso).

Por sua vez, os pentecostais acusam os protestantes de não terem o Espírito Santo. Já que na liturgia protestante não há incentivo para pular, gritar e rodopiar, os pentecostais costumam chamar os históricos de “frios”. É uma pena ver que a doutrina do Espírito Santo no pentecostalismo é desvirtuada do restante da bíblia, atentando-se apenas ao texto de Atos para validar as suas experiências. Neste sentido a obra do Espírito Santo não seria para testificar o fruto do Espírito no cristão como Paulo ensina em Gálatas como amor, paz, alegria, bondade, mansidão. Por outro lado, é notável a total ausência da dinâmica do Espírito Santo na eclesiologia protestante. É considerável estranho no culto qualquer manifestação emocional.

Teologia: é senso comum que os protestantes entendem melhor e estudam mais o texto sagrado. É claro que isso é devido à supremacia do texto na Reforma, daí a preocupação em interpretá-lo da melhor forma possível. Até pouco tempo, mas ainda ocorrem, os pentecostais acusavam os protestantes de terem apenas a “letra” e não o Espírito. É sabido que os pentecostais não têm nenhuma tradição na teologia, por este fato os poucos seminários ou institutos bíblicos que existem os professores, na sua maioria, são protestantes. A formação para o ministério pastoral é outro abismo que separam protestantes e pentecostais. Enquanto no primeiro é necessário um curso teológico equivalente e autêntico, no segundo o que conta é a experiência com Deus e a força do gogó. Há alguns anos os pentecostais vêm investindo na Escola Bíblica Dominical, acordaram para o fato de que a igreja não sobrevive apenas de gritaria e êxtase e que aprofundamento bíblico é necessário, isso é bom, muito bom mesmo. A questão teológica ainda é um problema no pentecostalismo. Aqueles que possuem algum curso mediano em doutrinas fundamentais se colocam no direito de subjugar aqueles que não têm. A história se repete, antes era quem falava em “línguas estranhas” era considerado espiritual, o mesmo problema que Paulo enfrentou em 1Co 14, agora parece que é o tal “curso teológico” que dá o direito de ser alguma coisa na igreja e subjugar o outro.

24.9.09

PROTESTANTES E PENTECOSTAIS - I

Leituras em Antonio Gouvêa Mendonça

O conceito protestante carrega uma série de fatores, símbolos e comportamentos. Alguns diriam que protestantes mesmo são os luteranos e presbiterianos que tem na matriz religiosa Martinho Lutero e João Calvino, mais Lutero que Calvino. Por este fato, alguns movimentos pós-Reforma como os anabatistas, anglicanismo e batista no século XVII não são protestantes. Considerando a convergência de princípios, outros colocariam esses e outros movimentos, como o metodismo, no espectro do protestantismo. A matriz seria luteranos, presbiterianos (dentro disso calvinistas e zwinglianos), anglicanos e anabatistas. Sendo os herdeiros os congregacionais, batistas e metodistas. O traço característico dessa identificação seria os três princípios de Martinho Lutero: solus Christus, sola Fide e sola Scriptura.

Os protestantes e pentecostais habitam mundos simbólicos diferentes. São esses traços que gostaria de explorar a partir das análises de Antonio Gouvêa Mendonça. A pergunta é válida: é protestante o pentecostalismo, o mesmo cabe, é pentecostal o neopentecostalismo? A. G. Mendonça sempre foi relutante em qualificar o pentecostalismo como protestantismo, recebeu muitas críticas por isso, mas sempre ensinou que protestante não tem nada a ver com pentecostalismo e vice-versa. Embora a matriz referencial do pentecostalismo seja o protestantismo, como a eclesiologia e doutrinas centrais, há muitos outros fatores que não permitem enquadrar o pentecostalismo dentro do protestantismo. As diferenças se mostram pelo menos em dois sentidos: epistemológico (origem do discurso) e litúrgico (formas eclesiológicas).

A origem do discurso no protestantismo sempre foi o texto sagrado, não poderia ser diferente depois da Reforma. O texto ocupa um lugar de destaque na liturgia, a Escola Bíblica Dominical é típica do protestantismo, estuda a “Palavra de Deus”. Decorre daí a ênfase na hermenêutica e exegese do texto sagrado, dos porquês da bíblia. Hoje, a eclesiologia protestante sofre com esta bibliolatria. O momento do sermão o pregador reivindica a boca de Deus falando e alguns se aproveitam deste imaginário para falar bobagens. No universo pentecostal o texto sagrado até tem o seu valor, mas a leitura é literalista e voltada para o cotidiano. Passagens de guerras, por exemplo, são usadas para alimentar o fiel do poder de Deus para enfrentar as lutas diárias. Sem dúvida esta concepção é marcada pela situação socio-econômica. Assim como o catolicismo tem no Magistério a outra via de verdades, juntamente com a bíblia, no pentecostalismo cabem os “profetas” que “revelam” situações, em geral genérica e superficial, mas que tem o mesmo peso de verdade que o texto sagrado.

A liturgia no protestantismo é calcada na fala, na racionalidade. Manipula-se as palavras, a linguagem e o objetivo é o convencimento. Não se tem uma liturgia ritual, mas um discurso lógico e demonstrativo. Isso tem um custo, e muito alto para a eclesiologia protestante que sofre com a crise de símbolos. Os meios simbólicos são racionalizados e não experimentados, coisa que o catolicismo popular não sente nem um pouquinho. Já para os pentecostais o discurso se dá na igreja (templo), daí as reuniões praticamente todos os dias da semana. No templo Deus se manifesta, os participantes sentem-se inseridos em algo maior. O problema que eles enfrentam é com a arrogância espiritual de alguns que possuem, principalmente, o “dom de línguas”, menosprezando aqueles que não têm. Com uma liturgia carregada de emocionalismo, os pentecostais usam frases feitas, jargões e manifestações de êxtase é rotina. Essa dinâmica litúrgica tem seu paralelo mais próximo com as religiões afro-brasileiras, onde o transe e o êxtase fazem parte do esvaziamento do fiel.

Com isso não se pretende acentuar diferenças, mas comparar universos simbólicos que chegam a ser completamente antagônico. Pentecostais não são protestantes e protestantes não são pentecostais, como diria A. G. Mendonça.

Para saber mais:
Prof. Dr. Antonio Gouvêa Mendonça (1922-2007), presbiteriano, foi professor na Universidade Metodista de São Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie. Dedicou sua vida os estudos do protestantismo e seus segmentos.
MENDONÇA, A. G. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. 2ª ed. São Bernardo do Campo: UMESP, 2008.
AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São Paulo: Vida Nova, 2004.
CAMPOS, Leonildo Silveira. “As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro”. Revista da USP, São Paulo, n.º 67, Set/Nov-2005.

12.9.09

AS NOVAS RELÍQUIAS

A magia dos objetos no neopentecostalismo

A sociologia da religião tem como discurso comum que as representações religiosas são representações que exprimem realidades coletivas, fazendo parte disso os ritos, o símbolo, o comportamento e a doutrina como elementos necessários para se manter o lócus mundi do fiel. O imaginário religioso é composto de simbologia e elementos que invocam tal realidade do sagrado. As religiões estão repletas disso, mesmo de forma inconsciente.

Na história cristã, mais especificamente no período da Reforma, havia uma valorização extrema nas relíquias e indulgências. A magia evocada era para com os túmulos dos mártires; lugares sagrados que operavam milagres; peregrinações; tudo isso decorrente da união fé-Estado e os anos de paganismo do império romano. Com a promessa de milagres, as relíquias eram comercializadas nos templos e as indulgências vendidas. Havia ossos dos apóstolos; algemas de Pedro; lascas da cruz etc. Gregório I, considerado intelectual para a época, comenta os inúmeros milagres ocorridos por intermédio das relíquias. A Reforma Protestante com Lutero teve seu ponto culminante, todos sabem disso, devido as indulgências que Roma cobrava para liberar “almas” do purgatório.

Com o protestantismo o culto foi racionalizado e a liturgia enxugada de todas as possíveis bizarrices. O prejuízo foi a quase total ausência de elementos simbólicos no culto sendo, até mesmo, a cruz desprezada como símbolo nos templos protestantes. Pagamos um preço por isso, uma liturgia que centraliza a racionalidade, sendo quase totalmente desprovida de símbolos que integrem o corpo e forneça consolo para as situações-limites.

Desde o surgimento dos neopentecostais esta havendo comercialização de novas relíquias e indulgências. O elemento mágico é usado e abusado pelos universais, internacionais e mundiais. As bizarrices que se vê nem choca mais. Com práticas até então vistas nos cultos afro-brasileiros, os neopentecostais ungem objetos que tem como função serem miraculosos: o sabonete da prosperidade, a rosa ungida, a fogueira santa de Israel, o sal grosso, o copo com água em cima da TV ou rádio etc. Recentemente a novel empresa do ramo, a IMPD, lançou no mercado a “chave da vitória”, mediante uma oferta, simbólica, de R$ 100,00 o “cliente” recebe a chave. Até que é pouco, comparado aos R$ 900,00 do mais novo integrante da teologia da prosperidade, S. Malafaia, que já esta sendo chamado de “malacheia”, que dá em troca da oferta uma Bíblia de batalha espiritual e vitória financeira e, de brinde, a “unção financeira” em parceira comercial com Morris Cerullo.

Pesquisador da IURD, Leonildo Silveira Campos (UMESP), em sua tese de doutorado, Teatro, templo e mercado: uma análise da organização, rituais, marketing e eficácia comunicativa de um empreendimento neopentecostal, Petrópolis: Vozes, 1996 – tendo como objeto de pesquisa a IURD, uma das principais referências no estudo neopentecostal – deixa claro que na IURD os pastores são incentivados a descobrir em que as pessoas crêem para que, a partir disso, realizem um trabalho pedagógico e mágico. Daí as novas relíquias com a promessa de dar a bênção; as novas indulgências como a “oração forte” do homem de Deus que determina a vitória.

Sinceramente não sei o que vão inventar mais. Depois da oração para a “troca do anjo da guarda” na IURD não faço nenhuma previsão. Só vamos saber quando estes homens da TV tiverem mais uma reunião/visão com Deus para balanço e novas estratégias de “mercado religioso”.

4.9.09

OS PREGADORES ELETRÔNICOS

Os pregadores eletrônicos estão na TV praticamente todos os dias. O que estão fazendo pelo país? Qual tem sido a influência que esses homens televisivos têm dado ao país?

Pelo que se vêem, na agenda dos pregadores eletrônicos, os problemas nacionais não são objeto de atenção. Usam os meios de comunicação para promover seus impérios econômicos-midiáticos e não para emitir opinião que realmente importa para o país. Cada um procurado se dar bem nesse grande supermercado religioso. Lançando-se mão de instrumentos duvidosos e crendices esdrúxulas para atrair o povo.

Os pregadores eletrônicos estão na TV já algum tempo, e o que têm mudado no país com a presença deles? Antes alegava que os evangélicos precisavam de voz e imagem para serem ouvidos e pregarem a Palavra de Deus; diziam ainda que o Brasil seria de Jesus quando tivesse no Congresso Nacional homens comprometidos com Deus. O que vimos? Deputados com malas de dinheiro; um “bispo” Rodrigues investigado por participar da “máfia das sanguessugas”. Os pregadores eletrônicos estão na TV e cada um deles fala uma língua diferente para o público. Na Rede TV o horário dos “homens de Deus” começa cedo e vai até o horário da tarde, o que se ouve? A propaganda de produtos é escandalosa, é o “shop time” dos evangélicos; existe até mesmo grife evangélica; a ênfase nos milagres e curas como também no ganho financeiro; um Silas vendendo a “unção financeira” por R$ 900,00 dizendo que não estar nem aí para as críticas, logo ele que sempre criticou a teologia da prosperidade e os modos operacionais da IURD; um R. R. Soares conquistando mais “patrocinadores” para o seu Show da Fé; um Edir sendo investigado por lavagem de dinheiro, o que não é novidade nenhuma; um tal de Feliciano vendendo seus produtos e DVDs em que pula mais que pipoca, reivindicando um avivamento genuíno apenas no seu “ministério” e “programa”; um Valdomiro que quer a todo custo derrubar a empresa rival, a IURD, e para isso faz uma lavagem cerebral com pessoas de baixa renda vendendo óleo sagrado e reivindicando que somente na sua “igreja” a mão de Deus está.

Não esta se negando ter programas evangélicos, até porque a TV nos últimos anos foi muito democratizada devido a disputa de audiência entre as gigantes da telecomunicação como Globo, Record, Band, SBT e Rede TV. Esta se pedindo coerência. Fico contente em ver que os presbiterianos do Brasil têm um programa de TV e o Rev. Hernandes Dias Lopes trás uma palavra aos corações dos brasileiros sem pedir nada em troca; fico contente em ver que Dom Fernando, da Diocese de Santo Amaro, leva em seus programas convidados para falar de problemas que as pessoas enfrentam, não sendo, necessariamente espiritual. Enquanto isso os pregadores eletrônicos não se posicionaram frente aos problemas de ética e conduta no Congresso Nacional; não há uma fala consciente dos problemas sociais do país; não se vê reivindicação para melhorar escolas, estradas e acelerar a reforma política; se vê sim, nas eleições, conchavos e barganhas sendo firmadas para angariar votos dos “fiéis”.

Além disso, ainda há os membros de nossas igrejas que estão cada vez mais sendo pastoreados pelos pregadores eletrônicos, alguns até colocando em dúvida os fundamentos da sua fé.

Alguém poderia levantar a questão dizendo que escrevo isso porque os batistas não têm um programa de TV. Hoje os batistas não têm mesmo em rede nacional um programa de TV, apenas programas regionais. Um dia poderá ter, e quando tiver um espero que a principal postura seja ter coerência e o compromisso com os problemas do país, não para vender o evangelho, mas para transformar pessoas por ele.