24.9.09

PROTESTANTES E PENTECOSTAIS - I

Leituras em Antonio Gouvêa Mendonça

O conceito protestante carrega uma série de fatores, símbolos e comportamentos. Alguns diriam que protestantes mesmo são os luteranos e presbiterianos que tem na matriz religiosa Martinho Lutero e João Calvino, mais Lutero que Calvino. Por este fato, alguns movimentos pós-Reforma como os anabatistas, anglicanismo e batista no século XVII não são protestantes. Considerando a convergência de princípios, outros colocariam esses e outros movimentos, como o metodismo, no espectro do protestantismo. A matriz seria luteranos, presbiterianos (dentro disso calvinistas e zwinglianos), anglicanos e anabatistas. Sendo os herdeiros os congregacionais, batistas e metodistas. O traço característico dessa identificação seria os três princípios de Martinho Lutero: solus Christus, sola Fide e sola Scriptura.

Os protestantes e pentecostais habitam mundos simbólicos diferentes. São esses traços que gostaria de explorar a partir das análises de Antonio Gouvêa Mendonça. A pergunta é válida: é protestante o pentecostalismo, o mesmo cabe, é pentecostal o neopentecostalismo? A. G. Mendonça sempre foi relutante em qualificar o pentecostalismo como protestantismo, recebeu muitas críticas por isso, mas sempre ensinou que protestante não tem nada a ver com pentecostalismo e vice-versa. Embora a matriz referencial do pentecostalismo seja o protestantismo, como a eclesiologia e doutrinas centrais, há muitos outros fatores que não permitem enquadrar o pentecostalismo dentro do protestantismo. As diferenças se mostram pelo menos em dois sentidos: epistemológico (origem do discurso) e litúrgico (formas eclesiológicas).

A origem do discurso no protestantismo sempre foi o texto sagrado, não poderia ser diferente depois da Reforma. O texto ocupa um lugar de destaque na liturgia, a Escola Bíblica Dominical é típica do protestantismo, estuda a “Palavra de Deus”. Decorre daí a ênfase na hermenêutica e exegese do texto sagrado, dos porquês da bíblia. Hoje, a eclesiologia protestante sofre com esta bibliolatria. O momento do sermão o pregador reivindica a boca de Deus falando e alguns se aproveitam deste imaginário para falar bobagens. No universo pentecostal o texto sagrado até tem o seu valor, mas a leitura é literalista e voltada para o cotidiano. Passagens de guerras, por exemplo, são usadas para alimentar o fiel do poder de Deus para enfrentar as lutas diárias. Sem dúvida esta concepção é marcada pela situação socio-econômica. Assim como o catolicismo tem no Magistério a outra via de verdades, juntamente com a bíblia, no pentecostalismo cabem os “profetas” que “revelam” situações, em geral genérica e superficial, mas que tem o mesmo peso de verdade que o texto sagrado.

A liturgia no protestantismo é calcada na fala, na racionalidade. Manipula-se as palavras, a linguagem e o objetivo é o convencimento. Não se tem uma liturgia ritual, mas um discurso lógico e demonstrativo. Isso tem um custo, e muito alto para a eclesiologia protestante que sofre com a crise de símbolos. Os meios simbólicos são racionalizados e não experimentados, coisa que o catolicismo popular não sente nem um pouquinho. Já para os pentecostais o discurso se dá na igreja (templo), daí as reuniões praticamente todos os dias da semana. No templo Deus se manifesta, os participantes sentem-se inseridos em algo maior. O problema que eles enfrentam é com a arrogância espiritual de alguns que possuem, principalmente, o “dom de línguas”, menosprezando aqueles que não têm. Com uma liturgia carregada de emocionalismo, os pentecostais usam frases feitas, jargões e manifestações de êxtase é rotina. Essa dinâmica litúrgica tem seu paralelo mais próximo com as religiões afro-brasileiras, onde o transe e o êxtase fazem parte do esvaziamento do fiel.

Com isso não se pretende acentuar diferenças, mas comparar universos simbólicos que chegam a ser completamente antagônico. Pentecostais não são protestantes e protestantes não são pentecostais, como diria A. G. Mendonça.

Para saber mais:
Prof. Dr. Antonio Gouvêa Mendonça (1922-2007), presbiteriano, foi professor na Universidade Metodista de São Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie. Dedicou sua vida os estudos do protestantismo e seus segmentos.
MENDONÇA, A. G. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. 2ª ed. São Bernardo do Campo: UMESP, 2008.
AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São Paulo: Vida Nova, 2004.
CAMPOS, Leonildo Silveira. “As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro”. Revista da USP, São Paulo, n.º 67, Set/Nov-2005.

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