25.11.22

A NATUREZA E O PRINCÍPIO PLURALISTA

Alonso Gonçalves

Há um consenso, nas ciências sociais, de que a pluralidade é um fator incontestável da realidade. Dito de outro modo, a pluralidade não é apenas um discurso narrativo, antes é uma maneira de ver e praticar a vida em sua diversidade e concepções. Daí uma das funções da pluralidade é favorecer a aceitação da existência do outro e de sua absoluta alteridade. Essa constatação se dá a partir do entendimento de que as relações de poder precisam ser diminuídas para que o plural seja valorizado enquanto constituinte de leitura da realidade. Desafio sempre atual na conjuntura do mundo.

Assim, estamos de acordo com Claudio de Oliveira Ribeiro (2020, p. 25) quando define o “princípio pluralista”, objeto de alguns anos de trabalho com o tema, como “um instrumento hermenêutico de mediação teológica e analítica da realidade sociocultural e religiosa que procura dar visibilidade a experiências, grupos e posicionamentos gerados nos ‘entrelugares’”. O “entrelugares” se constitui como um dos pilares do “princípio pluralista”, uma vez que permite ultrapassar fronteiras e estabelecer pontes entre os temas da vida. Por essa razão, que o “princípio pluralista” é uma ferramenta hermenêutica porque “possibilita divergências e convergências novas, outros pontos de vista, perspectivas críticas e autocríticas para diálogo, empoderamento de grupos e de visões subalternas e formas de alteridade e de inclusão, considerados e explicitados os diferenciais de poder presentes na sociedade” (RIBEIRO, 2020, p. 25-26).

Nesse sentido, o princípio pluralista contribui para ampliar o debate que segue na agenda da ONU e dos países ricos: desenvolvimento e meio ambiente. A partir do princípio pluralista, entendemos que não seja possível olhar esse tema a partir das questões colocadas pelos países ricos e seus representantes e muito menos pelo “mercado” que visa sempre o lucro e o acúmulo, em detrimento dos recursos naturais. É urgente o olhar místico-teológico sobre o tema para assim ajudar a ver a realidade na sua pluralidade.

Os estudos feitos por J. E. Lovelock demonstrou a complexidade e a interligação de tudo que acontece no planeta. Essa complexidade de Gaia precisa ser respeitada na sua inteligência. Não é nada por acaso. Nada está fora de lugar por acaso. Nesse sentido, é preciso reconhecer que estamos imersos dentro de uma “Inteligência que excede em muito a nossa” e agindo assim “significa render-se humildemente a uma Inteligência mais sábia e soberana do que a nossa” (BOFF, 2009, p. 56). A relação que precisa ter com Gaia, uma vez admitindo a sua complexidade e inteligência, precisa ser espiritual, místico-teológico. Tendo como princípio a pluralidade na leitura da realidade.

Não é mais concebível que a discussão em torno do clima, das matas, rios e florestas deixe de fora o olhar místico-teológico. Por isso, dentre todos os olhares para este dado da realidade, o místico-teológico se encaixa dentro do princípio pluralista porque procura possibilitar “divergências e convergências novas, outros pontos de vista, perspectivas críticas e autocríticas para diálogo, empoderamento de grupos e de visões subalternas e formas de alteridade e de inclusão”. A visão místico-teológica é uma dessas perspectiva crítica que favorece o diálogo, além de empoderar grupos como os povos originários com sua cosmo-convivência que foi subalternizada por longos anos, tratando-os como povos inferiores e desprovidos de conhecimento sobre a vida. Está se provando que isso é uma falácia e não poucos estudiosos e pesquisadores estão se dando conta disso e buscando na sabedoria dos povos originários alternativas para lidar com o enorme problema que a ciência/modernidade colocou o planeta.

Ailton Krenak (2020, p. 28), com um olhar plural, lembra que “a vida atravessa tudo, atravessa uma pedra, a camada de ozônio, geleiras. A vida vai dos oceanos para a terra firme, atravessa norte e sul, como uma brisa, em todas as direções. A vida é esse atravessamento do organismo vivo do planeta”. Como raízes de uma árvore que, aparentemente não se vê, mas está ali com suas inúmeras ramificações com beleza e resistência, o princípio pluralista ajuda a fazer uma leitura que seja mais próxima das reais demandas da vida.


Referências
BOFF, Leonardo. A opção-Terra: a solução para a Terra não cai do céu. Rio de Janeiro: Record, 2009.
KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.

*Texto produzido para o Minicurso "O que é o Princípio Pluralista" oferecido pelo Claudio de Oliveira Ribeiro*

31.10.22

O dEUS DERROTADO NAS URNAS

Texto postado no Facebook no dia 29.10.2022

Ele não queria se meter nisso, até porque nem mesmo “título de eleitor celestial” ele tem. Mas mesmo assim quiseram colocá-lo no rolo. Usaram e abusaram do seu “Nome” de uma maneira vergonhosa, logo, produziram um ídolo, por isso trata-se de “deus”.
Teve quem disse que depois de dois períodos de jejum de 40 dias, “ouviu a voz” de deus dizendo claramente que o 22 levaria essa. Outro disse que “orou muito” e deus disse que a “vitória” viria em outubro, para envergonhar o "diabo". Houve quem disse que orou para deus travar as urnas, no caso de fraude, e assim ter outra “eleição”. Isso sem falar em pastores e líderes que pregaram, fizeram vigília, convocaram membros para a campanha de jejum e oração pelo 22; expulsou irmãos que votaram no 13 e monitorou grupos de 𝑊ℎ𝑎𝑡𝑠𝐴𝑝𝑝 e redes sociais dos irmãos que externaram seu voto no 13, contrariando a "orientação divina” que só o pastor tem. E claro, o que não faltou foram pastores pedindo para que esse deus desse a vitória sobre o “inimigo”, no caso, o 13.
Edir Macedo, chegou a dizer que nessas eleições o povo viria qual deus era o mais forte, da direita ou da esquerda. E não faltou dinheiro para produzir milhares de jornais da IURD a fim de afirmar que os fiéis não deveriam votar no 13, assim como foi em 1989.
Com o 22 perdendo nas urnas, os profetas desse deus precisarão “revisar” a sua atuação e elaborar uma outra “teologia do voto”.
Esse deus não ouviu as orações dos vários pastores que falaram em nome dele; esse deus não travou as urnas; esse deus não mudou os dedos dos eleitores na hora do voto, forçando-os a apertarem o número 2 duas vezes; esse deus não honrou o jejum de quase 80 dias do pastor que disse ter ouvido a “voz” de “deus”; esse deus é fraco porque não consegue nem mesmo mudar a história de um País; esse deus é ruim porque não evitou a derrota do seu suposto escolhido, o ungido, o “messias”. Um deus sem poder. Um deus sem força. Um deus sem profetas.
Pastores do 22 terão que explicar para os seus irmãos convertidos ao Bolsonarismo, porque não só um candidato perdeu as eleições, mas também um certo deus perdeu o seu domínio. Terão que explicar o que aconteceu com o deus derrotado nas urnas.
Ficará um pouco mais fácil no caso deles admitirem que no fundo mesmo sempre se tratou de um ídolo. Assim, a explicação poderá ficar, ao menos, pior. Mas acho difícil.

24.10.22

QUAL É A QUESTÃO NESSA DISPUTA ELEITORAL?

A questão não é a corrupção. Essa já convivemos desde que Portugal chegou por aqui e muitos faziam contrabando de ouro em “santos do pau oco”. Caso o motivo fosse mesmo a corrupção, “Cabo Daciolo” era o presidente do Brasil em 2018.

A questão não é a família. Sem os dados do IBGE, nem mesmo sabemos ao certo quantas mães e avós cuidam de seus filhos e netos sozinhas. A família brasileira é uma ficção e seus valores são superdimensionados em campanha eleitoral.

A questão não é Deus. Ele não tem “título de eleitor” e não precisa ser defendido por ninguém. O Senhor do universo não se deixa usar por políticos oportunistas.

A questão não é pátria. Caso fosse, parte dos militares não estavam se lambuzando com picanha, cerveja e Viagra.

A questão não é o comunismo. Este acabou em 1989 quando o Muro de Berlim caiu. O que se tem hoje são ditaduras, tanto na América Latina como no Leste Europeu.

Qual é a questão?

A questão está entre a democracia e o fascismo. Porque este último, não se enquadra em nenhuma ideologia política pelo fato de não reconhecer nenhum ordenamento jurídico e político-social cabível.

A questão está entre a civilidade e a barbárie. Quem deseja a barbárie participa de manifestações para fechar o Congresso Nacional e o STF, e quando recebe a polícia joga granada e atira nos policiais.

A questão está no modelo de governo que segue querendo avançar ainda mais na sua sanha autoritária. Querendo mudar a composição do Judiciário e continuar cooptando as FFAA para o seu projeto fascistoide de poder.

A questão está entre celebrar a vida ou enaltecer a morte. Quem cultua a morte tem como livro de cabeceira um torturador, não a Bíblia; quem cultua a morte desdenha de quem está morrendo com falta de ar; quem cultua a morte não tem nenhum pudor em dizer que não é coveiro.

A questão está entre favorecer os ricos e tirar ainda mais dos pobres. Quem não gosta dos pobres, já sinalizou que pode reduzir os salários de aposentados e congelar o mínimo e assim continuar tirando direitos trabalhistas via Congresso Nacional que já demonstrou não ter nenhuma vergonha do “Orçamento Secreto”.

A questão não é a polarização. Essa, o país já viveu em outras eleições. Polarização tem como pressuposto dois projetos antagônicos ou levemente diferentes entre si. O que o país vive hoje deixou a polarização na saudade. O que temos para hoje está bem definido: guerra ou um vislumbre de paz. E entre essas duas, o país não poderá contar com parte da Igreja Evangélica, porque já escolheu as armas, literalmente.

22.10.22

CARTA PASTORAL À NAÇÃO BRASILEIRA

Nós – pastores e pastoras, e líderes evangélicos das mais diferentes tradições cristãs – vimos à nação brasileira, neste conturbado contexto eleitoral, marcado por polarizações, extremismos e violência, afirmar:

1. Nosso compromisso com o Evangelho do Cristo, personificado na figura de Jesus de Nazaré, que, suportando todo tipo de contradição, injustiça, humilhação e violência, legou-nos o caminho do amor, da paz e da convivência; e promoveu a dignidade humana. Sim, em Cristo, não há direita, nem esquerda, nem homem, nem mulher, nem estrangeiro, nem rico, nem pobre. Também não há distinção de classe, de cor, de nacionalidade ou de condição física, pois, nele, todos somos iguais (Fp 2.1,5-11; Jo 4; Mt 19.14; Is 53.4-7; Rm 10.12; Gl 3.23-29; Cl 3.11; Fp 2.5-8);

2. Nosso renovado compromisso de orar não só pelo futuro mas, sobretudo, pelo presente do país, incluindo seus governantes, neste momento em que o povo brasileiro é convidado a fazer suas escolhas, de tal modo que elas sejam exercidas em paz e pela paz (1Tm 2.2; Rm 13.1-7; Pv 28.9; Mt 7.7-8; Rm 8.26-27; Ef 6.18; 1Ts 5.17; 1Tm 2.1-2; Tg 5.16);

3. Nosso convite para que todos os brasileiros e brasileiras exerçam sua cidadania, escolhendo seus candidatos pelo alinhamento deles com os valores do Reino de Deus, evidenciados na defesa dos mais pobres e dos menos favorecidos, na crítica a toda forma de injustiça e violência, na denúncia das desigualdades econômicas e sociais, no acolhimento aos vulneráveis, na tolerância com o diferente, no cuidado com os encarcerados, na responsabilidade com a criação de Deus, e na promoção de ações de justiça e de paz (Dt 16.19; Sl 82.2-5; Pv 29.2; 31.,9; Is 10.1-2; Jr 22.15-17; Am 8.3-7; Gn 2.15; Rm 8.18-25; Mt 5.6; 25.34-35; Lc 6.27-31; Tg 1.27; 2.6-7);

4. Nossa indignação contra toda pretensão de haver um governo exercido em nome de Deus, bem como contra toda aspiração autoritária e antidemocrática. Afirmamos nossa firme convicção de que o nome de Deus não pode ser usado em vão, ainda mais para fins políticos. Por isso, recomendamos, enfaticamente, que se desconfie de qualquer tentativa de manipulação do nome de Deus (Ex 20.7);

5. Nosso repúdio a toda e qualquer forma de instrumentalização da religião e dos espaços sagrados para promoção de candidatos e partidarismos. Cremos num Deus grande o suficiente para não se deixar usar por formas anticristãs de pensamento e de ação;

6. Nossa denúncia da instrumentalização da piedade e da posição pastoral com objetivo de exercer uma condução do voto. Reafirmamos a liberdade que o cidadão tem de optar por seus candidatos, sem se sentir levado por sentimentos de medo e culpa, frequentemente promovidos por profissionais da religião visando a manipulação política de fiéis (Mt 7.15-20; Rm 16.17-18; 2 Pe 2.1-3; Jo 10.10a);

7. Nossa denúncia de toda e qualquer forma de corrupção, desde aquelas que lesam os cofres públicos às demais travestidas ora de opressão social, ora de conluios e conveniências com a injustiça, com a impunidade e com os poderes estabelecidos (Dt 25.13-16; Pv 11.1; 20.10; 31.9; Is 10.1-2; Jr 22.15-17; Mq 6.11; 7.2-3; Lc 3.12-13);

8. Nossa certeza de que o Reino não está circunscrito à Igreja e de que não pode ser capitaneado por ninguém, seja qual for o cargo que exerça ou credencial que possua (Lc 17.20-21; At 10.34-35);

9. Nossa inconformidade com o clima violento que tomou conta do país, o qual foi, também, muito alimentado por lideranças religiosas que, ao invés de pacificarem o povo e abrandarem os discursos, inflamam ainda mais o contexto polarizado em que vivemos (Mt 5.9; 11.29; Lc 6.27-31; Rm 12.19-21; Cl 3.12);

10. Nossa defesa do Estado laico, da liberdade de consciência e de expressão, do direito à vida, à maturidade individual e à integridade, e do pleno direito de exercermos a liberdade religiosa (Jo 8.31-32,36; 2Co 3.17; Gl 5.1.13; Rm 6.22; Cl 1.13);

11. Nosso renovado compromisso de semear perdão onde houver ofensa, amor onde houver ódio, esperança onde houver desespero, luz onde houver trevas, verdade onde houver mentira e união onde houver discórdia, manifestos no respeito e na contínua intercessão a Deus pelo processo democrático brasileiro (Mt 5.9; 18.21-22; Lc 6.27-31; Jo 13.3-5; Rm 12.19-21; Gl 5.13);

12. Nossa união em defesa da vida digna, em sua plenitude, para todas as pessoas, cujo exemplo e potencial maior está em Jesus de Nazaré; e do amor, da paz e da justiça estabelecidos por ele como valores para sua efetivação (Mt 11.29; Jo 10.10; 13.3-5,15; Rm 12.1-2; Fp 2.5-8).

“A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.” (2 Co 13.13)

Brasil, setembro de 2018.

2.10.22

O USO INDEVIDO DE SALMOS 33,12

Nesses dias o que mais se vê é gente usando o texto bíblico de Salmos 33,12 na sua primeira parte que diz “feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”. A segunda parte do versículo esquece, propositadamente ou não. Com isso, querem dizer que uma “nação” que tem “Deus” como o Senhor é feliz, logo, o versículo vira “cabo eleitoral”.

Que nação é essa do versículo? É a brasileira? Deus quer uma nação para ele? Para todas as perguntas é um não auditável!

O texto de Salmos 33,12 está falando da nação de Israel e não de qualquer outra nação, muito menos a brasileira. A segunda parte do versículo diz: “cujo povo ele escolheu para lhe pertencer!”. Que povo ele escolheu para lhe pertencer? Israel! Não outro povo. Isso porque esse povo, Israel, não era lá essas coisas (Dt 7,7-8). Assim, Salmos 33,12 está se referindo, exclusivamente, ao povo de Israel dentro da aliança que Yahweh fez com ele. Não é de longe outra nação que o texto está se referindo, muito menos o Brasil.

Alguém pode dizer: “Mas isso é no sentido de ser abençoado por Deus uma nação que tem ele como Senhor”. Pois é, outro equívoco. Nada que uma boa teologia bíblica da igreja não resolva.

A igreja tem uma função que está acima de qualquer governo ou autoridade política. Isso ela tem por que foi o próprio Cristo que assim o fez. Em Efésios 1,21-23 é dito: “Agora ele está muito acima de qualquer governante, autoridade, poder, líder ou qualquer outro nome não apenas neste mundo, mas também no futuro. Deus submeteu todas as coisas à autoridade de Cristo e o fez cabeça de tudo, para o bem da igreja. E a igreja é seu corpo; ela é preenchida e completada por Cristo, que enche consigo mesmo todas as coisas em toda parte” (NVT). Logo, é a igreja, por meio de Cristo, que assume a função de continuar o ministério de Cristo. Ele é o Senhor de tudo. E como Senhor de tudo, ele escolhe a igreja para preencher todas as partes. Isso significa que a igreja não pode ser de uma nação! Isso significa que a igreja não pode participar do poder, porque ela tem no Cristo alguém que está acima de qualquer ordem política nesse mundo! Entendeu?

Para deixar mais claro ainda. As funções do Israel bíblico, o Novo Testamento entende que cabe à igreja ser a continuidade. Não mais por meio de um único povo, uma única nação, mas todos os povos. 1Pe 2,9 é muito claro: “Vocês, porém, são povo escolhido, reino de sacerdotes, nação santa, propriedade exclusiva de Deus. Assim, vocês podem mostrar às pessoas como é admirável aquele que os chamou das trevas para sua maravilhosa luz” (NVT). A igreja é multiétnica. Ela não tem nacionalidade. Antes é o ajuntamento de todas as cores, de todas as pessoas. O povo escolhido é a igreja. O sacerdócio de Deus é o povo dele, a igreja. Esse povo é propriedade exclusiva de Deus, não um país, não uma nação!

Não é por acaso, que a igreja quando diante do Cordeiro será assim: “Depois disso, vi uma imensa multidão, grande demais para ser contada, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro. Usavam vestes brancas e seguravam ramos de palmeiras (Ap 7,9 – NVT).

O Brasil não será uma “nação” cristã! E ainda bem que não. Porque Deus já tem a sua nação, a igreja, composta de todas as pessoas que proclamam o Evangelho de Jesus Cristo! 

Quem fica por aí citando Salmos 33,12 como se fosse para o Brasil de hoje, usando o texto como cabo eleitoral, está cometendo um duplo erro: o texto é para o povo/nação de Israel; e cabe à igreja (nova aliança) ser o ajuntamento de muitas nações.

8.9.22

TEXTO PARA LER NO DIA TRINTA E UM DE OUTUBRO

Os pastores-midiáticos estão confiantes de que podem influenciar os seus milhares de seguidores virtuais a votarem no atual presidente que concorre à reeleição. Não fazem isso como meros cidadãos que tem o direito constitucional de votarem, antes querem que todos saibam da sua “divina” opinião quando declaram o seu voto no atual presidente. Bom, até aí não haveria o menor problema. Esses pastores-midiáticos têm a estrutura da internet e podem fazer isso, como um youtuber ou influenciador digital.

Mas o ponto não é esse...

Não querem apenas dizer em que seus seguidores devem votar, mas também chamar a “vontade” de “Deus” para dizer que foi ele, “Deus”, quem disse em quem seus seguidores devem votar. O “Deus” deles foi até o TSE celestial e tirou o seu Título de Eleitor divino para votar exclusivamente no pleito desse ano no Brasil, não por acaso que esse “Deus” deve ser brasileiro mesmo. 

A criatividade desses pastores-midiáticos é incrível, isso é preciso admitir.

Um diz que jejuou quarenta dias, assim como Jesus no deserto e depois foi tentado pelo diabo, mas ele acredita piamente que ouviu mesmo foi a “voz” de “Deus”. O jejum (diferente daquele que Deus cobrou em Isaías 58 dos líderes religiosos, qual seria, “partilhar a comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu e não recusar ajudar o próximo”) serviu para dar a ele a clareza absoluta de que “Deus” estava decidido a dar mais quatro anos para o atual presidente. Ele tem certeza!

Outro disse que orou muito e “Deus” falou com ele de que o atual presidente teria a “vitória” em outubro, pelo fato de “Deus” está conduzindo a Nação para a prosperidade com o atual governo. Além de argumentos já batidos de que o País pode se tornar “socialista” e “comunista” (como se as duas coisas fossem a mesma coisa), o pastor-midiático elencou a sua agenda moral para dizer que os seus seguidores deveriam seguir a sua história e discernimento “espiritual” para votar a partir de princípios que ele considera que o atual governo tem. “Deus” quem o orientou.

O mais conhecido dos pastores-midiáticos conseguiu a proeza de dizer que está “orando” para que as urnas eletrônicas travem por oito horas no dia da eleição e assim o pleito seja cancelado e o resultado não declarado, comprovando, assim, de que houve frade eleitoral. O “Deus” desse pastor-midiático tiraria um tempinho para interferir no processo eleitoral brasileiro a fim de favorecer o seu “Messias”, uma vez que ele é o “ungido” de “Deus” para governar o País. Imagina o “dedo” dele nas urnas...

Esse texto foi escrito no dia oito de setembro de 2022 e poderá ser lido no dia trinta e um de outubro de 2022, caso haja segundo turno.

Sendo o primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto a ganhar a eleição, o “Deus” desses pastores-midiáticos estará em maus lençóis.

Primeiro ele terá que explicar por que falou tão claramente para o pastor que jejuou quarenta dias e falhou na sua “decretação” de quem deveria ganhar a eleição.

Depois ele terá que dizer por que desacreditou a oração do pastor que acredita que o País estava caminhando para ser uma “Venezuela” e “Deus” não impediu. O pastor “jura” de pé junto que foi “Deus” quem mostrou a “vitória”. Isso pegará mal!

Por fim, caso as urnas não travem e o pleito ocorra sem maiores intercorrências, o “Deus” do pastor gritador terá que dizer por que ele não interferiu nas urnas para favorecer o candidato à reeleição. E não interferindo, fica a pergunta: estaria ele, “Deus”, “torcendo” para o outro candidato? De qualquer forma, esse “Deus” estaria “encrencado” caso as coisas não saiam do modo como o pastor está dizendo.

No mais, vamos nos preparar para ver uma virada da “teologia do domínio” de muitos pastores nesse Brasil de bolsonaristas.

A partir do dia trinta e um de outubro, Rm 13 não servirá mais, serviu até agora para “calar” a boca de críticos. E aquele “irmão” que dizia que quem criticava o atual governo deveria na verdade é orar, irá passar a criticar o que assumirá em janeiro de 2023. E aquela conversa de que o Palácio do Planalto foi ungido por “Deus” terá um novo capítulo, isso porque a “unção” de “Deus” terá ido embora do Palácio.

É esperar para ver.

Como esse texto não é para ser lido agora, é aguardar o dia trinta e um de outubro para ler e se certificar se realmente esse “Deus” falou com esses pastores-midiáticos.

Obs.: As aspas são para preservar o Nome daquele que não se deixa usar como cabo eleitoral.

24.5.22

“SÓ DEUS ME TIRA DAQUI” (na possibilidade de “Deus” ter título de eleitor)

Essa é uma velha e conhecida tática: usar e abusar do “nome” de Deus para fazê-lo parecer partidário. Alguns políticos tem feito isso e tornado o Nome um “nome” apenas, fazendo com que a inefável nomeação do “divino” se torne palatável em uma pessoa. Idolatria, é o nome bíblico para isso.

Deus passou a ser identificado, para alguns, com um determinado político, o atual presidente. Ele usa e abusa desse “nome” tornando-o obsoleto dentro de uma conjuntura religiosa. A frase mais ouvida agora é: “Só Deus me tira daqui”. Uma referência à presidência da República e as eleições deste ano.

Para a classe política, e para muitas igrejas, parece ser difícil entender que Deus não tem “título de eleitor”. Mas como o atual presidente entende que “Deus” parece ter uma espécie de “título de eleitor” celestial, vamos entrar na onda dele e ver se o Deus que conhecemos, e se dependesse dele, deixaria o que está aí continuar.

Vejamos...

O Deus dos profetas tiraria o que está aí porque não suporta ver o povo passando fome. Sim, enquanto muitos estão muito bem, há milhares passando necessidade. As famílias estão com fome e isso parece não incomodar quem faz uso desse termo, “família”, o tempo todo. O Deus de Amós diria assim: “Ouçam esta palavra, vocês, políticos que estão em Brasília, vocês, que oprimem os pobres e esmagam os necessitados” (4,1 parafraseado). Deus não compactua com ninguém que deixa o seu povo na fila do osso; Deus não está do lado de ninguém que na maior pandemia da história ofertou R$ 200,00 e o Congresso Nacional aumentou para R$ 600,00 com muita briga, enquanto o Fundo Partidário está na casa dos 5 bilhões. Deus não pode querer alguém que trama para tirar os poucos direitos que ainda restam a grande maioria da população como saúde, educação gratuita e segurança alimentar.

Sendo apenas “Deus” a tirar o que está aí, ele anda pensando muito nessa possibilidade, até porque ele não fica nenhum pouco satisfeito com a devastação que esse governo vem fazendo na Amazônia. Sim, foi ele quem fez com que as árvores dessem o seu fruto e a floresta de pé é coisa dele (Gn 1,11-12). Com certeza ele não gostaria de ver as árvores no chão, com uma política predatória conduzida por um ignóbil que acha que tudo aquilo deveria ser pasto e virar cratera de garimpeiros.

Ainda que haja situações de violência envolvendo o “nome” de Deus na Bíblia, sabemos que ele procurou ensinar o seu povo a buscar a paz e não a violência. É Provérbios 16,29 que diz: “O violento recruta o seu próximo e o leva por um caminho ruim”. Deus observando um ser que apenas usa e abusa do seu Nome e não tem nenhum compromisso com seus princípios, conspirando contra o próprio povo a ponto de vê-los se gladiando nas ruas com tamanha violência, se dependesse dele, tiraria mesmo. E foi Jesus quem ensinou: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9).

Já que é somente “Deus” que poderia tirar alguém do poder, como vem sugerindo o atual presidente, ele deve estar inclinado a isso, caso tivesse o “título de eleitor” celestial. Isso porque ele não suporta a dor e o sofrimento do outro ao ponto de ficar impassível, muito menos fazendo chacota. Quando ele viu a aflição do povo no Egito (Êx 3,7), ele teve compaixão, porque era um povo sofrendo as dores dos seus mortos e feridos pelo trabalho escravo. Sim, ele viu, sentiu e ouviu o choro do povo. Assim, Deus não compactuaria com alguém que, diante da dor do outro, dissesse: “Eu não sou coveiro”.

Mas como Deus não tem “título de eleitor” celestial, tiraremos o que está aí por meio das mesmas urnas que o colocaram lá há quase quatro anos atrás.

14.4.22

MAIS UMA VEZ, MARXISMO E RELIGIÃO

Chega nessa época de eleições gerais no país e mais uma vez ouvimos e vemos vídeos em que a desonestidade intelectual e, não poucas vezes, o mau-caratismo de alguns quando tratam do tema “marxismo e religião” (leia-se cristianismo). Dizem: “Não é possível ser cristão e marxista”. E as frases de efeito e chavões prontos são reproduzidos sem critério algum.

Aqui vai uma breve contribuição sobre esse tema, "marxismo e religião".
Uma das frases mais ouvidas é que Marx tenha dito: “A religião é o ópio do povo”. Essa frase é usada tanto por críticos ao marxismo, no sentido de acentuar um certo “ateísmo” da corrente filosófica, como também por marxistas contrários à religião no sentido de ignorá-la por ser alienadora. Quanto à frase, Michael Löwy faz um alerta: “Devemos enfatizar que essa afirmação não é, de modo algum, especificamente marxista. A mesma frase pode ser encontrada, em vários contextos, nos escritos de Kant, de Herder, de Feuerbach, de Bruno Bauer, de Moses Hess e de Heinrich Heine”. Marx não nega sua aversão à religião em seus escritos, mas quanto ao seu suposto ateísmo, foi desenvolvido muito antes do filósofo formular suas concepções econômico-filosóficas conhecidas hoje como marxismo. Chama a atenção que no mesmo texto do “ópio”, aparecem as expressões “protesto” e “suspiro”. Assim, para Marx, a religião antes de ser “ópio” é “a expressão da verdadeira angústia e um protesto contra a verdadeira angústia. A religião é o suspiro da criatura oprimida”. Depois dessa sentença, o marxismo vem somando intérpretes e releituras a partir do contexto que se coloca. Certo de que a religião não deixou de conduzir as massas, o marxismo precisou se atualizar para enxergar na religião, principalmente no cristianismo de tendência revolucionária, uma força utópica relevante e necessária para a sociedade e seus dilemas sociais.
Mesmo havendo entre os intérpretes marxistas uma certa apologia ao ateísmo, direcionando tão somente a leitura alienadora da religião presente em Marx, é consenso também entre os autores do pensamento marxiano que a questão da religião não é um ponto claro e definido em Marx. Desse modo, os intérpretes de Marx, atentos a isso, concordam que a frase de que “a religião é o ópio do povo”, ainda que aparenta ter um caráter meramente unilateral, significa que a sentença não se confirmou na sua crítica integralmente.
Entre os intérpretes de Marx, que estiveram atentos a essa potencialidade revolucionária da religião, em específico, um ramo do cristianismo, está Rosa Luxemburgo que fez uma distinção entre Igreja e cristianismo, como também Max Adler que distinguiu, no interior do cristianismo, o catolicismo do movimento protestante, sendo este último mais revolucionário que o primeiro em diversos aspectos por razões históricas.
Com isso, é possível concluir com a sentença de Tommaso La Rocca: “É notório que o marxismo teve, repetidas vezes e com maior ou menor oportunidade, de rever ou pelo menos precisar as suas ideias e afinar os seus métodos, forçado pela tomada de consciência da complexidade das realidades históricas e culturais com as quais entrava sucessivamente em contato. Não há dúvida de que uma dessas realidades que induziu o marxismo a repensar a si mesmo foi a religião”. Não por acaso que marxianos têm vem recorrendo à religião como força propulsora para a leitura da realidade política e social. Dentre eles destaca-se Slavoj Žižek.