30.4.10

IMPRESSÕES DE UM ENCONTRO

Palestra no Encontro de Pastores Batistas do Vale do Ribeira – Barra do Turvo/SP, 29/04/10

Na última quinta-feira do mês de abril tive o privilégio de falar aos pastores batistas que compõe a Ordem dos Pastores Batistas do Vale do Ribeira na cidade de Barra do Turvo/SP. Na ocasião falamos sobre posturas pastorais, os desafios da teologia pastoral para a Igreja. Momento de reflexão, comunhão, louvor, oração e muita, mas muita risada mesmo.

O objetivo, num primeiro momento, era apresentar o ministério pastoral não apenas na figura do pastor, o indivíduo chamado e vocacionado por Deus para a função pastoral. A ideia não era abordar aspectos psicológicos do pastor como o pastor pregador, conselheiro, administrador, conceitos amplamente difundidos em livros que falam apenas para o pastor. Portanto, a compreensão era levar os pastores ao entendimento de que funções pastorais, ou posturas pastorais, se dão com a Igreja e o pastor (indivíduo), mas não somente com o pastor.

Para situar a discussão, era preciso compreender alguns conceitos. No entendimento do imaginário protestante, e especificamente batista, pastor é o homem que Deus chama, escolhe para ser o porta-voz dele, como se só a ele coubesse essa função. Outra concepção do pastor batista, feita por Israel Belo de Azevedo, em que pastor batista tem na sua genética pelo menos quatro características: é anticatólico, não há diálogo e nem mesmo relacionamento fraterno, transformando o catolicismo em alvo missionário; formação teológica não para pensar teologia, mas para evangelizar, portanto, ele deve ser antes de qualquer coisa um evangelista e não um pastor; função centralizadora na Igreja, tudo passa pelo pastor, nada é feito sem o seu consentimento ou aval, daí a grande dificuldade de alguns pastores com a descentralização; teologia fundamentalista, herança dos EUA, onde a literatura teológica consumida é traduções e a leitura bíblica é literalista com uma hermenêutica pragmática e conservadora.

Diante desse quadro é preciso apontar caminhos para uma reflexão em longo prazo, e isso é salutar no entendimento dos pastores ali presentes. É necessário entender que teologia pastoral não diz respeito às funções do pastor enquanto obreiro da Igreja, mas é algo que ultrapassa isso. Teologia pastoral é a face das ações eclesiais da Igreja, a sua razão teológica de ser. Teologia pastoral engloba a clara concepção de missão e sua relação com o reino de Deus.

Os desafios são gigantescos quando comparados com a estrutura denominacional e a diversidade de ideias que há. Mas o que deve ficar como posturas pastorais coerentes com o atual contexto é que a Igreja não pode mais ser definida e reduzida há um grupo de pessoas que esperam apenas a “segunda volta de Cristo” cantando “sou peregrino aqui, em terra estranha estou”. Ela é a antecipação do futuro; sinal do reino de Deus. Ela deve assumir as suas responsabilidades enquanto agência e promotora do reino de Deus. Outra postura pastoral relevante é o descobrimento da mensagem do reino de Deus, tema esquecido nos púlpitos por conta da teologia sacrificialista de observar e enfatizar a morte expiatória de Cristo e não dar tanta importância para a sua vida pública, sua mensagem e ações como pastor (Mc 6,34). O reino de Deus é o real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada uma obrigatoriedade missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela os sofrimentos desta época, formulando esperança em Deus para as pessoas. Ela como sinal do reino de Deus é continuadora da práxis de Jesus. Com sua pastoral, Jesus não propôs uma nova religião, mas o reino de Deus, e como igreja, deve-se continuar levando avante o seu projeto! A ação pastoral de Jesus olhava para as pessoas e hoje, por influência da mídia, a visão pastoral olha para as estruturas, para a quantidade de membros, para a conta bancária ou o templo luxuoso. O pastor do reino de Deus olha para a práxis de Jesus que anunciava o reino de Deus (Lc 4,43). O pastor do reino de Deus não pastoreia apenas a sua comunidade da qual recebe o seu sustento, mas olha para a cidade, pois entende que a ação pastoral de Jesus não era apenas a sinagoga, mas as cidades (Lc 8,1). O reino de Deus é o senhorio e a difusão dos valores do reino como justiça, equidade, solidariedade, amor, paz, perdão, promoção da dignidade humana.

Para que essas posturas pastorais sejam de fato concretas, é necessária uma reforma na concepção de missão. Missão não pode ser confundida com as campanhas de missões, que são importantes. Missão não tem como objetivo a colonização, a cristianização a qualquer preço; não é expansão territorial. Missão é o envio dos discípulos de Jesus para continuar aquilo que ele mesmo começou, portanto, os objetivos da missão é o amor de Deus, a solidariedade, a compaixão, a promoção da vida humana, o diálogo com o outro não para “ganhá-lo”, uma linguagem de batalha e guerra, mas para testemunhar mesmo de Cristo, ser sinal do reino de Deus. Não dá mais para encarar a tarefa missionária como mero proselitismo, atividade praticada durante anos! A Igreja em missão do reino de Deus é sinal de esperança e trabalha a partir da perspectiva da Nova Jerusalém; a Igreja em missão possui uma leitura bíblica contemporânea que consegue ler o seu contexto com coerência e se fazer relevante.

Os depoimentos dos pastores foram abençoadores. Alguns confessaram os seus receios e temores outros colocaram as dificuldades de uma mudança de mentalidade. O que ficou foi a clara impressão de que estamos todos preocupados em pensar a nossa postura enquanto pastores e o desafio de ensinar, direcionar a Igreja para ações que contribuam para o reino de Deus.

Pr. Alonso Gonçalves

16.4.10

CONTRARIANDO A DONA FLORINDA

Um dia desses preguei um sermão na Memorial em que falava do encontro entre Pedro e Cornélio. O contexto é: Atos dos Apóstolos vem narrando como o Evangelho foi sendo levado a outros lugares. Passou por Samaria com Filipe e chega pela 1ª vez a um gentio, Cornélio.

Antes de Pedro se encontrar com Cornélio, ele tinha seus medos e preconceitos sobre os gentios. Judeu e gentio não se davam bem, havia discriminação, repulsa mesmo, ainda mais se este fosse romano, ou seja, chefe do exército invasor! Pedro, e muitos de Israel, desprezavam os gentios, achavam que Deus não se importava muito com eles! Pedro não era diferente. Ele precisou de uma visão para abrir os olhos e mesmo assim foi até a casa de Cornélio contra a sua vontade. Ele aprende que a dicotomia pureza/impureza não cabia mais no Deus de Jesus. Quantos não agem assim quando dizem: “Aquele ali nem Deus dá jeito”. Crentes não têm um relacionamento com pessoas que não são da Igreja, pois acham que são impuras, incrédulas, ímpias, e para alguns ainda, merecedoras do “inferno!” Quando na verdade a Igreja é lugar de impuros, de doentes e debilitados! Crentes que não vai em aniversários e encontros de pessoas que não pertencem à Igreja pois não quer se misturar, agindo como um puro. Pedro pensava assim! Não se misturar. Deus mostra a ele que é tarefa de todos o convívio com pessoas que não pertencem ao nosso meio. Não há mais separação entre puros e impuros, Deus deixa isso bem claro a Pedro.

Um judeu na casa de um gentio e ainda mais, comendo com ele! Isso era uma afronta, um total desrespeito! Era assim que Pedro via aquele encontro. É por isso que ele vai logo dizendo: “não é lícito um judeu ajuntar-se a um estrangeiro”. Pedro aprendeu na prática a bobagem que é o preconceito quando se conhece o Evangelho. Com isso Deus esta dizendo: o Evangelho é para todos, e não somente para os judeus, pois Deus ama a todos! E mais, Pedro viu muito bem que Deus “não faz acepção de pessoas”, para ele todos são iguais. Quem somos nós para negar a comunhão da Igreja a alguém? Quem somos nós para dizer: “este não pode ser membro da Igreja, aquele pode?”. Pedro se deu conta de que Deus estava agindo no meio dos gentios e disse: “pode-se recusar o batismo?” Ou seja, pode-se recusar a comunhão dessas pessoas? Não! Precisamos quebrar tabus como este: “não converso com católico”.

Deus não faz acepção de pessoas, Pedro aprendeu isso na prática. Para ele, sendo judeu, nunca poderia imaginar entrando na casa de um gentio, ainda mais romano. Não podemos ser partidários da ideia da dona Florinda (Programa do Chaves, SBT). Todas as encrencas do Kiko com o Seu Madruga acabam em tapas e bofetadas, e o ritual acaba com a famosa frase: “vamos tesouro, não se misture com essa gentalha (Florinda)”. Pelo contrário, é nossa tarefa testemunhar de Cristo no convívio com amigos, parentes e conhecidos que não frequentam a nossa Igreja! Misturar mesmo e não tratá-los como perdidos e estranhos. Somente assim seremos luz e sal da terra.

12.4.10

A CIDADE: ALVO DA GRAÇA DE DEUS

Sermão pregado na Segunda Igreja Batista em Jacupiranga/SP – 11/04/10

No segundo domingo de Abril estivemos (eu e Lívia) na Segunda Igreja Batista em Jacupiranga. Que Igreja! A hospitalidade, o carinho, a empatia, a disposição, a amizade, as conversas... Dizem que a Igreja é a cara do pastor, em relação à SIB em Jacupiranga posso dizer que isso corresponde. Uma Igreja em que seu pastor imprimiu seu modo de pensar e agir, encurtou as relações pastor-igreja com amor, distanciando a característica tão frequente em muitas igrejas em que o pastor faz questão de ser visto como o PASTOR, centralizador, e às vezes até, autoritário.

Pela manhã falamos sobre a “Educação cristã numa sociedade em mutação”. O objetivo era fazer um panorama da nossa cultura e apontar pistas de como o currículo da Escola Bíblica Dominical pode estar envolvido com as questões pertinentes da sociedade.

À noite, a mensagem foi o tema deste artigo baseada em Atos 18, 1-11.

Hoje se faz necessário a Igreja pensar a cidade de maneira integral. A concepção de pastoral precisa ser revista, pois se entende que cabe apenas ao pastor pastorear quando Igreja tem funções pastorais na cidade.

Geralmente há três posições da igreja em relação à cidade:
1 – Completa omissão: ignorando completamente as mazelas e os problemas da cidade;
2 – Conquista: com a preocupação de trazer pessoas para o templo; a mensagem é de que no templo, na Igreja física, as pessoas estarão salvas, e quem participa da Igreja é um agraciado.
3 – Pastoral da graça: uma Igreja que olha a cidade como alvo da graça de Deus não espera nada em troca quando age em função da cidade. É uma pastoral que leva a Igreja para a cidade e não quer trazer a cidade para a Igreja.

Para ter uma mentalidade de pastorear a cidade, é necessário modificar alguns comportamentos como: rever a teologia missionária que olha apenas o indivíduo com o objetivo de “ganhá-lo”. Para a Igreja ver a cidade como alvo da graça de Deus é preciso: quebrar a barreira dos puros/impuros. Aquilo que Paulo faz em Corinto quando deixa a sinagoga e vai em direção aos gentios, pessoas consideradas imundas aos judeus. A cidade de Corinto não é diferente de nossas cidades: uma cidade de comércio muito forte, com o seu porto que ligava a Europa à Ásia; uma cidade com vícios e promiscuidade; uma cidade orgulhosa e de religião desintegrada com cerca de 750 mil habitantes. É nesta cidade que o Senhor pede a Paulo para não se calar e falar. Para que uma pastoral aconteça na cidade, é preciso quebrar a ideia de que dentro da Igreja estão os salvos e lá fora os perdidos; dentro o amor e o perdão de Deus, lá fora a perdição e os pecadores. Quando a Igreja olha a cidade com alvo da graça de Deus ela oferece, por meio de uma pastoral comprometida, refrigério e descanso aos esgotados da cidade; ela é a humanização da cidade quando nesta reina a competição e na Igreja cooperação; quando na cidade reina a solidão na Igreja a comunhão. Isso será possível quando houver esta quebra de barreira de puro-impuros, salvos-pecadores.

Outra postura da Igreja que olha a cidade como alvo da graça de Deus é a clara noção do Reino de Deus. Reino de Deus não pode ser confundido com conquista, expansão territorial, ideias tão comuns na ação missionária. Reino de Deus é o domínio de Deus na cidade; são os valores como justiça, paz, vida e o amor de Deus. A Igreja é sinal do Reino de Deus quando luta contra a malignidade das estruturas políticas e sociais da cidade. Como sinal do Reino de Deus ela tem função profética de denunciar; chamar ao arrependimento; estar atenta à política da cidade. Onde reinar o mal, o Reino de Deus precisa se fazer presente. A ação missionária da Igreja não pode ser vista como avanço de território numa linguagem militar, mas sim como sinal da graça de Deus ao outro, essência do Evangelho.

Uma pastoral que olhe para a cidade como alvo da graça de Deus sua ação para a cidade não se resume aos seus chamados “cultos evangelísticos”, mas faz valer os valores do Reino de Deus como a igualdade; a denúncia da opressão; a solidariedade nos serviços públicos.

Ser sinal do Reino de Deus é agir pastoralmente na cidade entendendo que o Senhor tem muita gente na cidade são alvo do seu amor.

5.4.10

ESPIRITUALIDADE CAPITALISTA

Durante muito tempo ouvi de que este mundo é passageiro, somos peregrinos aqui. Minha tradição, batista, canta este tema, prega-se sobre isso. Como uma das ramificações do protestantismo, os batistas não fogem à regra, a preocupação é com a “alma” do indivíduo, é preciso salvar a “alma” e o restante esta sob o “controle” de Deus. Aquela ideia de que tudo está nas suas “mãos” e de que somos apenas indivíduos passivos.

Com esta postura, muitos deixam de olhar a sociedade como um ajuntamento de pessoas e que, portanto, há ditames de uma sociedade, ou seja, algo puramente humano e não sobrenatural. Quem decide o valor do dólar é o mercado; o preço aumenta no supermercado devido à lei da oferta/procura; os juros sobem ou descem porque no sistema neoliberal o Estado tem uma interferência direta na economia com o pretexto de assegurar o sistema capitalista. Neste sentido a condução da história não está nas mãos de Deus; não foi ele quem inventou a fome; não foi ele quem criou a metralhadora! Foram os seres humanos, os mesmos que exploram o continente africano o empobrecendo cada vez mais. A condução da história se faz pelo poder, somente assim um presidente poderia declarar guerra a um país com uma mentira tão bem contada que se transformou em verdade (refiro-me ao Iraque). É tolice, criancice espiritual, imaturidade de fé, acreditar que tudo passa pelas mãos de Deus, há não ser quando se é calvinista e entende que tudo que ocorre no planeta é meramente palco da glória de Deus, neste sentido as guerras se justificam, os ataques terroristas são divinos.

Recentemente a revista Cristianismo Hoje (on-line) divulgou os nomes e valores dos pastores televisivos que compraram recentemente seus jatinhos particulares avaliados em milhões de dólares. Um adquiriu um modelo luxuoso e veloz depois de uma campanha na TV pedindo ao povo uma oferta de R$ 900,00. Os outros não há necessidade de se justificar, afinal de contas são “homens de Deus” e seus templos-mercado estão por todo lugar, de fato são internacionais, mundiais e até mesmo universais. Mas isso é sinal de bênção de Deus, e eu, bem, eu sou um invejoso que não pastoreio uma mega-igreja e não tenho um helicóptero ou um jatinho, e por isso estou escrevendo isso, porque me responda aí: “você já viu algum crítico construir alguma coisa?”

Materializou-se a espiritualidade capitalista. É a oração para Deus dar dinheiro, aumentar salário. A oração não é uma ferramenta de intimidade com Deus, de relacionamento de amor, mas é uma forma de conquistar, de pedir a intervenção de Deus para melhorar a vida, diga-se financeira.

Estou lendo um opúsculo do teólogo Jung Mo Sung com o título Se Deus existe, por que há pobreza? O teólogo coloca que a responsabilidade da história está nas mãos dos homens. Ocorre que Deus esta cada vez mais fora desse processo histórico. A mensagem do Reino de Deus, tema central da pregação de Jesus, foi trocada por uma mensagem triunfalista e de ordem: “eu determino”!

Para fazer alguma coisa é preciso primeiro de uma teologia de responsabilidade com este tempo e esta história, não dá mais para ficar alimentando a pregação de que este “mundo jaz do maligno” e que, portanto, não há nada mais por fazer, errado, a Igreja está aqui; segundo, a Igreja ser agência de transformação histórica. Escrevendo estas palavras, lembro-me de Desmond Tutu (protestante), arcebispo na África do Sul, ganhador do prêmio Nobel da Paz. Há uma frase dele muito perspicaz: “quando os missionários aqui chegaram, nós tínhamos a terra e eles a Bíblia, e nos ensinaram a orar de olhos fechados. Quando abrimos os olhos nós tínhamos a Bíblia e eles a terra. Agora essa Bíblia ficará em nossas mãos, e com ela reconquistaremos a terra”. Postura profética e de não conformidade com a situação. Será mesmo que foi da vontade de Deus o apartheid na África do Sul, onde brancos (protestantes) exploram e marginalizaram os negros, prendendo Mandela por 27 anos?