20.12.13

COISAS DE SACERDOTES

É bom que se diga: sacerdote no Antigo Testamento não é vocação e sim uma função, ou seja, diferente do rei e do profeta que havia uma espécie de escolha divina, o mesmo não ocorre com o sacerdote. É claro que a “classe sacerdotal” começa com a tribo de Levi para o serviço do santuário, mas não significa, em nenhum momento, um carisma especial para o exercício do sacerdócio.  Por essa razão que o rei poderia destituir sacerdotes e colocar outros no lugar.

A classe sacerdotal se estabelece em Israel e se alinha, inevitavelmente, ao rei, porque dele depende. Ligado ao santuário, o sacerdote vive para o tempo sagrado e é responsável por dirigir o culto à Javé. Dentro do culto, havia, naturalmente, a função de mediação entre o povo e Javé tendo nos sacrifícios o elemento de maior importância dentro da liturgia.

A classe sacerdotal terá a sua supremacia conquistada no transcorrer das invasões e sucessão de impérios. No tempo de Jesus é uma classe que detém o discurso religioso e o “poder” de dispensar a bondade de “Deus” e decidir quem pode ou não ser digno das misericórdias de “Deus”.  O acesso ao sagrado passa pelo sacerdote inevitavelmente. A crise de Jesus é com esse sistema religioso estabelecido e legitimado pelo poder romano na Palestina.

Interessante que depois da Reforma Protestante preconizou um dos principais princípios do protestantismo, o sacerdócio universal de todos os crentes. Parece que isso não foi levado tão a sério. Digo isso, porque sofremos as influencias sacerdotais até hoje em diversos sentidos.  Cito alguns exemplos.

Os pastores são vistos como gente mais próxima de Deus, aquele que tem de alguma forma, um “acesso especial” com Deus e aí daquele que se levanta contra um “ungido” do Senhor. A oração do pastor-sacerdote tem mais “poder”, pois ele tem alguma “intimidade” com Deus que outros, pobres mortais, não têm. Àqueles que promovem essa concepção exagera na sua condição de “semidivino” manipulando o povo com o seu “poder sacerdotal”.

Ainda sobre o pastor-sacerdote, cabe a ele, com muito prazer, “zelar pela doutrina” – lê-se sistema religioso que sustenta o seu próprio papel de mediador do sagrado – ele detém o discurso que salva, ainda mais se ele citar grego e hebraico do púlpito, as línguas tidas como sacras. Sem “doutrina” o povo perece dirá alguns. Nesse caso o livre exame das Escrituras, outro princípio protestante, não é levado a sério, o que vale mesmo é a doutrina, um código de leis que não podem ser violadas, do contrário a punição de “Deus” será imediata, mesmo que ele dependa da atuação política de cerceamento da liberdade de consciência.

Outra coisa de sacerdote que impregnou é a concepção de culto. Ele precisa ser sério. As regras indumentárias e litúrgicas precisam ser intocáveis, do contrário não é culto, é outra coisa, precisa ser no templo e ele já é por si só, sacro. Isso sem falar na classe sacerdotal que precisa se reunir antes do culto, juntamente com os chamados erroneamente de levitas, para orar antes do culto. Sem àquela oração não sai nada certo, parece que há uma classe mais que especial porque está diante da comunidade cantando ou pregando. Essa classe precisa se preparar “espiritualmente” como se as demais pessoas que estão ali para a celebração não estivessem espiritualmente capacitadas para o ato de culto. Há uma confusão entre habilidade musical ou qualquer outra coisa com a “direção de Deus” para o culto. Isso sem falar que quem mais precisa de culto são as pessoas e não, necessariamente, Deus. Mais deixa isso pra lá.

Assim como os sacerdotes deixavam bem claro que a punição era algo divino, há um patrulhamento em torno de pessoas que erram dentro da comunidade porque o “pecado” precisa ser expiado de alguma maneira, assim como no Antigo Testamento. Tomando aqui as intuições de René Girard, é preciso sacrificar alguém, do contrário coloca-se em risco a existência da comunidade atingindo todos os seus membros e a legitimação da ordem fica comprometida, ou seja, é o sistema religioso que pune e absolve não na mesma proporção, mais pune que absolve. 

Outra coisa de sacerdote é a ideia de que Deus, mesmo depois da Graça, se agrada mesmo é da lei, das regras. No fim o que define mesmo é se obedeceu ou não a lei. Aí nesse caso não importa muito o que Jesus ensinou sobre perdão e amar as pessoas e se o sábado foi feito para o ser humano e não ao contrário.

Viva a classe sacerdotal que está nos púlpitos e na televisão, eles continuam obnubilando a mensagem do Reino de Deus tão enfatizada por Jesus.

17.12.13

UM “DEUS” GEOGRÁFICO

A relação de Deus (com suas variantes de nomes como El, Yahweh e muitos outros) com o povo que, muito tempo depois, nós ficamos sabendo que era Israel, têm no seu desenvolvimento religioso certos episódios quanto à experiência com o “Deus de Israel”, ou seja, nunca houve, num primeiro momento e depois também, uma noção unívoca sobre Deus. O relacionamento com Javé sempre passou pelo povo, naturalmente, depois pelo templo e, de forma imprescindível em todos os momentos, pela terra (território).

A relação de Israel com Deus foi pautada em termos humanos. Daí a uma linguagem para falar com Deus a partir do ser humano e sua estrutura antropológica. Sendo assim, Deus também tem ouvidos e braços por exemplo. Além disso, há uma atribuição a Deus de sentimentos típicos do ser humano como raiva e, porque não, ciúmes. A indicação de não ter “outros deuses fora de mim” (Ex 20,3) é uma relação de fidelidade com Javé. Por outro lado quando há a possibilidade de escolher não ter “outros deuses fora de mim” é porque, em algum momento, há outros deuses que podem ser adorados também.

A religião de Israel demorou em compreender certo monoteísmo (ideia de que há um único Deus). Há quem diga, e eu não sou nenhum especialista em Antigo Testamento, apenas um curioso e apaixonado pela Bíblia, de que sempre houve uma monolatria, ou seja, o envolvimento com um Deus, sem, necessariamente, negar a existência de outros deuses. Exemplo: pois todas as nações andam, cada uma em nome dos seus deuses, mas nós andaremos em nome do Senhor, o nosso Deus, para todo o sempre – Miquéias 4,5.

A crença na existência de outros deuses se deve, possivelmente, ao fato de que deuses eram territoriais, ou seja, geográficos mesmo.  Por essa razão as guerras no Antigo Testamento eram religiosas e quando um povo se sobressaia sobre o outro os elementos de culto ou ritos eram destruídos, houve uma vitória de um deus sobre outro.

Quando Davi é forçado por Saul a deixar o território de Canaã, ele alega que me expulsaram hoje para que eu não tenha parte na herança do Senhor, como que dizendo: vai, serve a outros deuses – 1Sm 26,19. Um Deus geográfico que atuava nas fronteiras do povo de Israel e fora dessas fronteiras havia a possibilidade de estar adorando outros deuses.

A concepção de que Deus possa ser único será um trabalho para o período do cativeiro babilônico, ou seja, o exílio, e mesmo assim ainda é possível haver diversas construções.

Mas vamos ao ponto que gostaria de chegar.

Está havendo hoje uma espécie de Deus geográfico que só age em alguns lugares e só vê determinado tipo de pessoas, geralmente àquelas que são encontradas “fiéis” em doar, fazer “prova de Deus” e que, de alguma maneira, provocou a bênção de Deus e ele se viu na obrigação de abençoar com um carro novo ou com uma casa que o indivíduo nunca teve dinheiro para comprar.

É incrível como a Teologia da Prosperidade vem mascarada em algumas igrejas que promovem campanhas para determinar milagre uma vez que milagre não pode ser determinado ele acontece de maneira inesperada e inusitada e não tem hora marcada e nem local para acontecer, do contrário não seria milagre – isso porque há muita divergência em torno desse tema, milagre. Enfim, a Teologia da Prosperidade quer fazer crer que “Deus” age em determinados locais, na Igreja X ou na Comunidade Y e essa ação de “Deus” é marketing para atrair mais pessoas para a Igreja X ou a Comunidade Y. Parece que fora das fronteiras de determinadas igrejas as “bênçãos” de Deus não acontecem. Que pena de você, o seu lugar é aqui! Não é por mero acaso que há um “apóstolo” que, recentemente, descobriu que tinha uma “quadrilha de pastores” desviando o dinheiro de seus fiéis, faz uso do seguinte slogan: “a mão de Deus está aqui Brasil”. Só ali. Assim como no Antigo Testamento que nos seus primórdios em conhecer a Deus como Javé o concebeu como um Deus territorial.

Só que temos um problema quando nos encontramos com o Deus de Jesus. Ele diz que Deus faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos – Mt 5,45. Em outro lugar ele proíbe pedir bens materiais e diz para buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, que em Mateus tem conotação social, e as demais coisas vão sendo acrescentadas.

Uma coisa ou outra. Ou o Deus geográfico dos teólogos da prosperidade voltou novamente ou o Deus de Jesus está totalmente equivocado. Aí é uma questão de escolha.

4.12.13

A ALEGRIA DO EVANGELHO, OU COMO VOLTAR AO EVANGELHO

A igreja Católica tem uma longa história como instituição religiosa e sua estrutura é extremamente burocrática e hierarquizada.

Ocorre que ao longo de sua trajetória a igreja procurou se reformar para tentar dialogar com o mundo. É claro que há um passado que a coloca em situações delicadas como o episódio de Galileu Galilei (1564-1642) que depois de mais de trezentos anos teve sua reabilitação à igreja conduzida por João Paulo II em 1992.

Não obstante a isso, a maior expressão de diálogo que a igreja procurou fazer ocorreu com o Concílio Vaticano II. A principal tarefa do Concílio foi renovar a igreja. Estava diante de todos a possibilidade de resgatar alguns pontos fundantes da igreja: a noção de ser ela evangélica e sua dimensão missionária.

Embora houvesse contrários ao resultado do Concílio – Bento XVI, por exemplo, quando cardeal J. Ratzinger procurou minimizar as consequências do Concílio principalmente em sua dimensão eclesiológica como “povo de Deus” – o Concílio Vaticano II possibilitou o florescimento da Teologia Latino-americana da Libertação, por exemplo, e contribuiu para avanços significativos em todas as áreas da igreja.

Ao contrário do seu antecessor, o papa Francisco quer ver o Concílio Vaticano II ser concretizado em diferentes direções, a começar pela sua eclesiologia que priorizou uma igreja aberta, ou seja, não uma igreja para si mesma.

Com sua primeira exortação apostólica – um documento com peso menor que de uma encíclica – Francisco a intitula de Evangelli Gaudium – a alegria do evangelho. Nesse texto Francisco pontua algumas questões para a igreja e procura delinear suas colocações a partir do Concílio Vaticano II. Alguns pontos me chamaram atenção porque podem ser aplicados não apenas à igreja Católica, mas a toda a Igreja.

- A igreja deve sair da sua comodidade: uma igreja aberta às pessoas que necessitam e que mais precisam da presença e da luz do Evangelho é uma chamada sempre atual. Uma igreja enclausurada em si mesma não pode desenvolver sua vocação missionária.

- Reformar as estruturas: uma igreja que se estabelece de cima para baixo e que desde Gregório VII, com a chamada reforma gregoriana, passou a ser mais monárquica contraindo as características do Império e transformando preceitos das Escrituras em conceitos jurídicos e legais, é um grande desafio para Francisco que procura encurtar a distância entre clero e fiéis. Tal medida está prevista no Concílio Vaticano II, mas a hierarquia ainda causará dificuldades para que essa igreja seja cada vez mais dos pobres como quer o papa.

Algumas coisas que Francisco me ensina: (1) a chamada para uma igreja em missão é um desafio constante; (2) uma igreja centrada em si mesma é um equivoco em relação ao chamado de Jesus Cristo para sermos seus discípulos e discípulas; (3) procurar pensar e reformar a estrutura da igreja para que ela seja um meio de atuação e não um fim em si mesma é mexer com o sistema que procura se perpetuar para continuar garantindo posições de poder.


Nesse sentido, para se ter a alegria do Evangelho é preciso voltar ao Evangelho e olhar para Jesus como pastor.