17.12.13

UM “DEUS” GEOGRÁFICO

A relação de Deus (com suas variantes de nomes como El, Yahweh e muitos outros) com o povo que, muito tempo depois, nós ficamos sabendo que era Israel, têm no seu desenvolvimento religioso certos episódios quanto à experiência com o “Deus de Israel”, ou seja, nunca houve, num primeiro momento e depois também, uma noção unívoca sobre Deus. O relacionamento com Javé sempre passou pelo povo, naturalmente, depois pelo templo e, de forma imprescindível em todos os momentos, pela terra (território).

A relação de Israel com Deus foi pautada em termos humanos. Daí a uma linguagem para falar com Deus a partir do ser humano e sua estrutura antropológica. Sendo assim, Deus também tem ouvidos e braços por exemplo. Além disso, há uma atribuição a Deus de sentimentos típicos do ser humano como raiva e, porque não, ciúmes. A indicação de não ter “outros deuses fora de mim” (Ex 20,3) é uma relação de fidelidade com Javé. Por outro lado quando há a possibilidade de escolher não ter “outros deuses fora de mim” é porque, em algum momento, há outros deuses que podem ser adorados também.

A religião de Israel demorou em compreender certo monoteísmo (ideia de que há um único Deus). Há quem diga, e eu não sou nenhum especialista em Antigo Testamento, apenas um curioso e apaixonado pela Bíblia, de que sempre houve uma monolatria, ou seja, o envolvimento com um Deus, sem, necessariamente, negar a existência de outros deuses. Exemplo: pois todas as nações andam, cada uma em nome dos seus deuses, mas nós andaremos em nome do Senhor, o nosso Deus, para todo o sempre – Miquéias 4,5.

A crença na existência de outros deuses se deve, possivelmente, ao fato de que deuses eram territoriais, ou seja, geográficos mesmo.  Por essa razão as guerras no Antigo Testamento eram religiosas e quando um povo se sobressaia sobre o outro os elementos de culto ou ritos eram destruídos, houve uma vitória de um deus sobre outro.

Quando Davi é forçado por Saul a deixar o território de Canaã, ele alega que me expulsaram hoje para que eu não tenha parte na herança do Senhor, como que dizendo: vai, serve a outros deuses – 1Sm 26,19. Um Deus geográfico que atuava nas fronteiras do povo de Israel e fora dessas fronteiras havia a possibilidade de estar adorando outros deuses.

A concepção de que Deus possa ser único será um trabalho para o período do cativeiro babilônico, ou seja, o exílio, e mesmo assim ainda é possível haver diversas construções.

Mas vamos ao ponto que gostaria de chegar.

Está havendo hoje uma espécie de Deus geográfico que só age em alguns lugares e só vê determinado tipo de pessoas, geralmente àquelas que são encontradas “fiéis” em doar, fazer “prova de Deus” e que, de alguma maneira, provocou a bênção de Deus e ele se viu na obrigação de abençoar com um carro novo ou com uma casa que o indivíduo nunca teve dinheiro para comprar.

É incrível como a Teologia da Prosperidade vem mascarada em algumas igrejas que promovem campanhas para determinar milagre uma vez que milagre não pode ser determinado ele acontece de maneira inesperada e inusitada e não tem hora marcada e nem local para acontecer, do contrário não seria milagre – isso porque há muita divergência em torno desse tema, milagre. Enfim, a Teologia da Prosperidade quer fazer crer que “Deus” age em determinados locais, na Igreja X ou na Comunidade Y e essa ação de “Deus” é marketing para atrair mais pessoas para a Igreja X ou a Comunidade Y. Parece que fora das fronteiras de determinadas igrejas as “bênçãos” de Deus não acontecem. Que pena de você, o seu lugar é aqui! Não é por mero acaso que há um “apóstolo” que, recentemente, descobriu que tinha uma “quadrilha de pastores” desviando o dinheiro de seus fiéis, faz uso do seguinte slogan: “a mão de Deus está aqui Brasil”. Só ali. Assim como no Antigo Testamento que nos seus primórdios em conhecer a Deus como Javé o concebeu como um Deus territorial.

Só que temos um problema quando nos encontramos com o Deus de Jesus. Ele diz que Deus faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos – Mt 5,45. Em outro lugar ele proíbe pedir bens materiais e diz para buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, que em Mateus tem conotação social, e as demais coisas vão sendo acrescentadas.

Uma coisa ou outra. Ou o Deus geográfico dos teólogos da prosperidade voltou novamente ou o Deus de Jesus está totalmente equivocado. Aí é uma questão de escolha.

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