11.10.13

PAI, NOS LIVRE DE SERMOS GRANDES

O capítulo 18 do Evangelho de Mateus é conhecido como o “Sermão Comunitário”. É um capítulo magnífico do ponto de vista da comunidade que se reúne em torno de Jesus, mas que tem os seus problemas, conflitos, alegrias e confrarias.

O texto abre com uma pergunta dos discípulos de Jesus: “quem é o maior no reino dos Céus?”. Em outras palavras, quem poderia ser o melhor, ou exercer poder entre nós?

A comunidade de Jesus estava ganhando notoriedade e, como algo consequente da interação humana, a disputa por poder dentro da comunidade estava sendo o foco.

Um estudioso do tema, poder, é o francês Michel Foucault, alguém que estudou a relação de poder e seus desdobramentos na construção social, produzindo dois textos sobre o assunto: Vigiar e punir e Microfísica do poder. Para ele o poder se dá na relação entre saber e poder. O seu esquema, naturalmente, é pensando a partir da construção da sociedade contemporânea, mas Foucault deixa bem claro que essa relação envolve todos os aspectos da atividade humana. Voltando para o nosso texto mateano, a pergunta quem é o maior no reino dos Céus remete a uma relação de proximidade e conhecimento de alguns discípulos com Jesus. Quem está mais próximo de Jesus, neste caso, pode chegar a se considerar que sabe mais que os outros que não estão tão próximos assim, desta forma os primeiros tem prerrogativas, que consideram naturais, para exercer certo controle sobre os outros.

Essa lógica de poder que domina uns aos outros e procura controlar a dinâmica da ekklesia, não cabe na comunidade que Jesus é o Senhor. A comunidade é pensada a partir dos pequeninos, é pensada a partir das crianças. O que ressalta aqui é a condição metafórica da criança. Crianças são dependentes; elas não têm pretensão de poder e dominação. Apenas sendo criança que se entra no reino dos Céus. Esse é o caminho, tornar-se como crianças. Não é se tornar santos, heróis, fiéis praticantes da Lei e do culto, mas crianças.

Na igreja temos o Altar e o Livro (Bíblia), elementos que são facilmente manipulados por àqueles que querem exercer o poder, controlar de alguma forma a dinâmica da comunidade ou, até mesmo, não permitir que a comunidade tenha fluidez do Espírito. Daí quem acha que administra o Altar ou quem lê o Livro, pode achar que, por essa proximidade, tem mais conhecimento, sabe mais, ter a pretensão em querer dominar os demais. É uma pena.

É preciso ser criança, se rebaixar mesmo, ser um baixinho na comunidade. Aliás, os adultos deveriam aprender com as crianças, principalmente na sua sinceridade, quando crescemos aprendemos a mascarar sentimentos nos tornando-nos pessoas que perdem o lúdico na caminhada da vida, infelizmente.

No texto de Mateus, Jesus nos pede para nos rebaixar, nos colocar na mesma altura da criança, para poder olhar nos olhos dela, para poder deixar bem claro que ela não precisa ser “grande”. E ser “grande” é uma preocupação dos adultos e eles transferem essa obsessão às crianças principalmente quando perguntam: “o que você vai ser quando for grande?”, uma pergunta um tanto inútil. É hora de ser criança e os adultos aprenderem com elas, pois somente assim entraremos no reino dos Céus quando ficarmos tranquilos no colo do Pai.

Nesta semana das crianças, compartilho minha oração com você: Pai, me livre ser grande.

5.10.13

O EVANGELHO DA “VITÓRIA”

O evangelho da “vitória” está ganhando cada vez mais adeptos. Igrejas pequenas e grandes adotam o discurso da “vitória” para vencer o páreo: quem cresce mais.

Depois do sucesso editorial da “Bíblia de Estudo – Batalha Espiritual e Vitória Financeira” (Central Gospel), surgiram outras bíblias de estudo para cada situação e com temas mais variados possíveis. Agora no mercado gospel a “Bíblia da Mulher Vitoriosa” (Central Gospel).

O evangelho da “vitória” foca, principalmente, a questão financeira. “Crente” vitorioso é àquele que tem sucesso financeiro, seguindo conquistando “bênçãos” em todas as áreas da vida, principalmente patrimonial.

A “Bíblia de Estudo – Batalha Espiritual e Vitória Financeira”, do televisivo Silas Malafaia, custou num primeiro momento R$ 900,00. Morris Cerullo é o principal articulador nas notas da tal Bíblia e uma das ênfases é de que pobreza é o mesmo que escravidão. Confira:

Pobreza é escravidão! Ela amarra as pessoas, impedindo-as de terem as coisas que necessitam. A pobreza leva à depressão e ao medo. Não é a vontade de Deus que você viva na escravidão da pobreza. É hora de Deus acabar com a escravidão das dívidas e da pobreza no meio do seu povo! É chegado o momento da liberação de uma unção financeira especial, que quebrará as cadeias da escassez e o capacitará a colher com abundância! (Bíblia de Estudo – Batalha Espiritual e Vitória Financeira)

É incrível, mas houve um retrocesso teológico inimaginável. Outrora deixamos de ser escravos do pecado (como diz Paulo) e passamos a ser escravos da pobreza (como diz Cerullo).

O evangelho da “vitória” ignora algo na trajetória de Jesus Cristo que é fundamental: ele foi um judeu pobre de uma Galileia pobre! Por mais que o senhor Abílio Santana diga que Jesus tinha “casa na praia” e era riquíssimo, os evangelhos dizem outra coisa: as raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça (Lc 9,58).

Cristo foi vitorioso, mas não financeiramente. Ele venceu a morte e garantiu de que ela não vencerá outra vez:

Onde está, ó morte,
a sua vitória?
Onde está, ó morte,
o seu aguilhão?
1Co 15,55

O evangelho da “vitória” já perdeu há muito tempo a mensagem de Jesus. Não é por acaso que as principais igrejas neopentecostais pregam em cima do Antigo Testamento (Primeiro Testamento). Se elas pregassem em cima dos evangelhos com certeza teriam dificuldades para manter o evangelho da “vitória”. Nos evangelhos Jesus viveu como pobre e morreu como pobre – nem mesmo túmulo tinha para ser enterrado, precisou do rico José de Arimatéia –, e ainda dependia financeiramente das mulheres para manter seu ministério itinerante. Sendo assim, fica difícil manter um evangelho da “vitória” quando o seu principal personagem, Jesus Cristo, era pobre e venceu na vida, ou seja, a morte.