23.10.19

PREVISÕES QUE SE CONFIRMARAM, MESMO NÃO SENDO VIDENTE

Era um jantar na casa de um amigo. O ano era 2018 e o mês Setembro. Ano eleitoral.

Claro, o nosso assunto foi a política e as eleições para presidente.

Estávamos tendo uma conversa agradável e bem equilibrada, pautada em situações reais e factíveis, ou seja, o meu interlocutor não era partidário de teorias conspiratórias e muito menos entorpecido pela “ameaça comunista” no país. Era uma pessoa instruída, com formação superior e fazia parte de uma igreja.

Chegamos, entre uma garfada aqui e um pouco de vinho ali, no tema “eleição de Jair Bolsonaro”. Até aquele momento o nosso diálogo estava afinado em diversos temas, menos nesse: Bolsonaro presidente do Brasil.

Como acabara de conhecê-lo, até aquele dia não o tinha visto em nenhuma ocasião, procurei ser ponderado e ouvir sua argumentação a favor da eleição de JB.

Para ele, JB tinha qualificações para ser presidente do país, para mim ele não tinha (e continua não tendo) nenhuma qualificação para ser presidente do maior país da América Latina. Ainda assim, procurei entender as suas considerações.

Os seus argumentos a favor de uma eleição de JB foram, em resumo:

(1) Ele é contra o sistema político que está aí, ou seja, ele é a “nova política”;
(2) Ele não irá querer a reeleição, sabe que tem uma missão apenas;
(3) Ele é contra a corrupção, não tem nenhum escândalo que envolve o seu nome;
(4) O país vai voltar a crescer com ele, a classe média o apoia.

Esses foram os principais pontos que uma pessoa instruída, evangélica e de classe média conseguiu formular para dar legitimidade ao seu voto em JB.

No primeiro momento não julguei o seu caráter e muito menos a sua capacidade cognitiva, antes entendi que estava diante de um “cidadão de bem” que gostaria de ver o seu país melhor e, no seu entender, quem iria fazer o país “melhor” seria JB quando chegasse ao poder, uma vez que ele estava fora do establishment do sistema político-econômico, ou seja, alguém de fora que viria “salvar”.

Claro que discordei de todos os seus argumentos e, não querendo ser uma “Mãe Dináh”, disse o que aconteceria.

(1) Ele não é contra o sistema político, pelo contrário, ele é um beneficiário do sistema. Não pode alguém ser contra um sistema político que o permitiu ficar quase 30 anos na Câmara dos Deputados, e ainda eleger todos os filhos no Poder Legislativo. Portanto, a tal “nova política” não cola! Isso é tentar surfar em uma onda contrária ao establishment, mas na realidade quer mesmo é fazer uso do sistema para se beneficiar.

(2) Lembro-me como se fosse hoje. Disse para o meu interlocutor que quando o JB chegasse ao poder a primeira coisa que iria fazer é trabalhar para ser reeleito em 2022. Ele riu. Eu disse: “Você é muito inocente ou não conhece nada de política brasileira”.

(3) Ele não é contra a corrupção, ele apenas não foi envolvido em um grande esquema de corrupção (Mensalão, Petrolão). O meu interlocutor estava pensando no PT e os recorrentes escândalos envolvendo políticos e empresários. Lembrei que o candidato do PSL tinha envolvimento com as milícias do Rio de Janeiro e um dos seus filhos já havia homenageado milicianos na ALERJ.

(4) Neste item disse que o único que tinha proposta, ainda assim muito malvada, para o país no campo econômico era o então futuro ministro da economia num eventual governo Bolsonaro, que atende pelo nome de Paulo Guedes. No mais, JB não tinha nenhum projeto para o país. O seu horizonte não contemplava nenhuma proposta para os menos favorecidos do país.

Ainda na nossa conversa, disse que não tinha dúvida de que JB seria presidente. O meu interlocutor se espantou com essa afirmação depois que procurei rebater seus argumentos. Disse que ele seria presidente porque pessoas como ele (o meu interlocutor) estavam convencidas (com a ajuda das fake news) que ele seria a melhor “opção”, quando havia outras opções para aqueles que não gostariam de ver o PT novamente no poder.

Com isso, as minhas previsões colocadas naquela conversa em Setembro de 2018 se confirmaram, não porque há um dom de previsão, antes porque política no Brasil é assim: muda-se as peças, mas o tabuleiro continua o mesmo. Quem começou a ter interesse em política a partir de 2017-2018, não conseguiu ver as manobras políticas e seus personagens que fazem o jogo ser jogado.

Assim, a tal “nova política” não deu tão certo. Hoje os principais articuladores do governo no Congresso são do MDB, o partido que entra governo e sai governo e continua no governo, independentemente de qualquer governo, direita ou esquerda.

O presidente mais mal avaliado nos últimos anos quer disputar 2022 e não se cansa de dizer que deixará o cargo em 2026. Arrogância misturada com populismo de extrema-direita que conseguiu fatiar 30% do eleitorado brasileiro. Até quando irá manter isso? Não sabemos.

Ainda que o país tenha sérios problemas com a corrupção, o governo de JB, em poucos meses, conseguiu desmontar os principais mecanismos de combate à corrupção como o COAF. O seu filho, Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio de Janeiro e envolvido com o caso “Queiroz”, foi beneficiado pelo presidente do STF quando suspendeu investigações envolvendo repasse de dinheiro detectadas por órgãos de controle e investigação. Hoje, até mesmo a OCDE questiona o Brasil quanto às suas ações de combate à corrupção, apontando que o país, com essas e outras medidas, tem afrouxado o combate ao crime organizado. A mesma OCDE que o governo quer fazer parte, mas foi deixado de lado pelo amoroso Donald Trump.

Por fim, e não menos pior, a economia do país patina. A promessa é de que a reforma da Previdência ajude o país a crescer, mas tudo indica que isso não será bem assim. A reforma tira direitos e coloca milhões de brasileiros na informalidade.

Estamos diante de um governo que não sabe governar e ainda quer continuar. Retrógrado. Vingativo. Autoritário. Fanfarrão (crise do PSL). Incompetente.

Gostaria de estar errado em Setembro de 2018.  

8.6.19

PASTOR, DE DIREITA OU DE ESQUERDA? (POR OCASIÃO DO DIA DO PASTOR)

Em tempos de extrema polarização política no país, alguns colegas de ministério compartilham que pessoas os questionam se eles são de “direita” ou de “esquerda”, principalmente depois de um sermão ou uma conversa no salão social da comunidade.

É claro que a grande maioria daqueles que fazem a pergunta, desconhecem o uso político dos termos “esquerda” e “direita”. Quando perguntados o porquê dessa referência aos dois distintos aspectos da política, muitos não sabem responder. Ignoram o uso dos termos que tem a sua origem na Revolução Francesa, de 1789, quando os liberais girondinos e os extremistas jacobinos sentaram-se respectivamente à direita e à esquerda no salão da Assembleia Nacional. Os direitistas pregavam uma revolução liberal, a abolição dos privilégios da nobreza e estabeleceram o direito de igualdade perante a lei. Os esquerdistas também defendiam o fim dos privilégios para a nobreza e o clero, mas eram favoráveis a um regime centralizador (Estado). Daí decorre toda uma discussão política que tem, naturalmente, diferentes intérpretes e os conceitos “direita” e “esquerda” foi sofrendo ênfases distintas.

Ocorre que em relação aos pastores, a pergunta se é de “direita” ou de “esquerda” está associada ao atual momento do país de profunda polarização política. Esse processo foi intensificado quando no impeachment de Dilma Rousseff em 2016, passando pelas Eleições 2018, elegendo assim um candidato considerado de “extrema-direita”. A pergunta, portanto, vem enviesada de outras questões que envolve a defesa ou não de políticos considerados corruptos pelos sistema judiciário ou se, por tabela, apoia de maneira restrita o atual governo. Assim, antes de serem pastores, no seu sentido lato, o posicionamento político, se de “direita” ou de “esquerda”, conta e muito, num primeiro momento, para algumas pessoas em relação aos pastores.

É dentro desse contexto de convulsão quanto aos termos “direita” ou “esquerda”, e a ineficiência quanto ao real sentido político que esses dois aspectos representam, que os pastores estão inseridos. Parece ser um consenso que esses dois termos se transformaram em outra coisa, não mais conceitos restritos ao campo da civilidade do debate político, antes são dois conceitos contaminados pela desinformação e alimentados por inúmeras idiossincrasias, usados para rotular as pessoas e sua conduta ética.

Já ouvi o relato de um pastor que teve o seu sermão interrompido porque falava sobre a caminhada de Jesus com os pobres do seu tempo. Sim, a pessoa se levantou e disse que aquilo que ele estava falando era “coisa da esquerda”. Não apenas isso, já soube de colegas que foram chamados pela liderança da sua igreja porque, em algum momento, no seu sermão, a liderança entendeu que seu posicionamento político não estava muito claro e que ele deveria se posicionar de maneira mais contundente à “direita”. O referido pastor respeitou o púlpito da sua igreja e, ainda assim, foi cobrado pela liderança que entendia que ele deveria tomar uma posição mais clara quanto à tenência política daquela igreja. Soube também de um colega que foi chamado por um líder da sua região para conversar sobre suas postagens em redes sociais que tenderia para a “esquerda”. Por incrível que pareça, já existem igrejas que estão investigando as redes sociais de futuros candidatos ao ministério pastoral da igreja. Dependendo do que o pastor posta no Facebook, Instagram ou no Twitter, o seu nome é considerado ou não. Não se observa tanto a vida do pastor e seu perfil de ministério, sua formação teológica e ética, mas sim o seu posicionamento político, se de “direita” ou de “esquerda”. Nesse sentido então, o pastor não pode nem mesmo expressar a sua opinião como cidadão, ele fica refém de uma igreja em que seus membros julgam que haja um pensamento político-partidário hegemônico e que, portanto, não aceita contrariedade, e quando há alguma, tem algo errado, não com a igreja, mas com o referido pastor.

Em uma Igreja Batista o princípio da liberdade de consciência e opinião é uma marca da gênese da igreja. Assim, o pastor precisa blindar o púlpito da igreja que é pastor quanto ao seu posicionamento político, ou seja, o princípio da liberdade de consciência e opinião não dá a ele o direito de tutelar politicamente a igreja, antes a sua maior preocupação é apresentar o Evangelho de Jesus e a graça redentora de Deus. Infelizmente isso mudou drasticamente nas Eleições de 2018. Ainda assim, a maneira como o pastor apresenta o Evangelho do Nazareno e a graça abundante de Deus, ele é logo enquadrado em um determinado campo político, quer de “direita” ou de “esquerda”. Se ele valoriza sermões em que Deus vence as batalhas, portanto, é um “Deus” da defesa, ele é visto como a favor do armamento da população. Com isso ele está dentro do campo da “direita” politicamente. Caso o pastor foque na caminhada pobre do povo de Israel e de como os profetas combateram e denunciaram os desmandos dos reis, prontamente ele é colocado dentro do campo da “esquerda” politicamente. Parece que não se trata mais de Bíblia, mas como se ler a Bíblia para a comunidade, uma Bíblia de “direita” e outra de “esquerda”.

No Dia do Pastor, os pastores não deveriam ser tabelados como de “direita” ou de “esquerda” no primeiro momento, mas sim como pastores, apenas isso, pastores. Ou seja, pessoas que Deus chamou, vocacionou e preparou para pastorear, cuidar de pessoas.

Nesse dia, destaco dois pastores para reforçar o comprometimento com uma pessoa, Jesus.

Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) – foi um pastor luterano, um professor universitário com doutorado em teologia, um pioneiro do movimento ecumênico, um escritor prolífico, um poeta e uma figura central na luta contra o regime nazista. Em 1939, Bonhoeffer se aproximou de um grupo de resistência e conspiração contra Hitler. A sua atividade para ajudar um grupo de judeus a fugir da Alemanha levou à sua prisão em abril de 1943. Depois de uma tentativa fracassada de atentado contra Hitler no dia 20 de julho de 1944, Bonhoeffer foi transferido para a prisão de Berlim, depois para o campo de concentração de Buchenwald e, por fim, para o de Flossenbürg, onde foi enforcado.

Martin Luther King Jr. (1929-1968) – foi um pastor batista que lutou contra a segregação racial nos Estados Unidos, garantindo direitos civis para negros, assim como os brancos já usufruíam. Foi assassinado em abril de 1968 em Memphis (Tennessee). Estava na cidade para apoiar a greve de trabalhadores negros da limpeza urbana. Em 3 de abril, pronunciou um dos seus discursos mais famosos: “Eu estava no topo da montanha”, quase uma profecia, na qual disse que, como Moisés, tinha visto a terra prometida do Monte Nebo, mas nela não tinha podido entrar, talvez ele também não entraria.

Esses pastores são testemunhas de que não há posicionamento político que impeça de tornar o Evangelho de Jesus Cristo a esperança para a sociedade e seus dilemas. Seja em um regime totalitário como foi o nazismo (Bonhoeffer); seja lutando contra a segregação racial (Luther King).

Pastor, ainda que tenha a sua direção política, está comprometido com uma pessoa, Jesus! À ele dedica a sua vida e procura seguir os seus passos por meio de uma espiritualidade do seguimento. As marcas do Reino de Deus que ele deixou, devem ser as mesmas que o pastor precisa perseguir.

No Dia do Pastor, não é o seu posicionamento político de “direita” ou de “esquerda” que deveria defini-lo, mas sim o seu compromisso com aquele que andou pela terra “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38).

29.4.19

OS BATISTAS E A “NOVA” PREVIDÊNCIA

Sem dúvida alguma a Previdência Social se constitui um tema sensível e delicado para se discutir. O debate em torno da reforma da Previdência, ou como o governo vem chamando de “Nova Previdência”, é inadiável e imprescindível para o país e seu futuro a médio e longo prazo. Que as regras e a condução orçamentária previdenciária precisam ser reavaliadas, não há dúvida. A PEC 06/2019 enviada ao Congresso Nacional já passou por um das comissões mais importantes da Câmara dos Deputados, a CCJ, e foi considerada “constitucional”. Até o momento não se abriu o sigilo da Previdência, mostrando de fato os números e os recorrentes déficits que a equipe econômica do governo alega. O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), cobrou o governo quanto à abertura do sigilo da Previdência, ou seja, abrir os números é condição necessária para tratar o tema da reforma. Em vez de fazer isso, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, decretou o sigilo de pareceres técnicos que embasam o próprio texto de reforma enviada ao Congresso Nacional pelo governo. Esse fato acende o sinal amarelo. Quais as razões para impedir o acesso aos números? A expectativa é que na Comissão Especial da reforma da Previdência esses números, de fato, apareçam para que a discussão tenha condições de acontecer com mais embasamento. A CPI da Previdência no Senado Federal que aconteceu em 2017, demonstrou que não há déficit, mas sim grandes devedores ao sistema, além de ter seus recursos destinado à outros órgãos do governo.  

Ainda que essa discussão sobre a reforma da Previdência seja um tanto técnica, o atual texto enviado pelo governo ao Congresso Nacional tem sérias questões discutíveis. Um deles, que saltam aos olhos do leitor mais atento, se refere ao BPC (Benefício de Prestação Continuada). “Pela proposta, a partir dos 60 anos, os idosos receberão apenas 400,00 reais de BPC. A partir de 70 anos, o valor sobe para um salário mínimo. Atualmente, o BPC é pago para pessoas com deficiência, sem limite de idade, e idosos, a partir de 65 anos, no valor de um salário mínimo. O benefício é concedido a quem é considerado em condição de miserabilidade, com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo”. O governo quer manter o texto a qualquer custo, mesmo admitindo que algo assim sofrerá mudanças na Comissão Especial da reforma da Previdência. Ou seja, o governo até admiti rever o texto no caso do BPC, mas foi o governo que elaborou algo tão maléfico. Quando o governo formula algo assim, diz muito que não está nem um pouco preocupado com os mais pobres. O governo diz que cortará privilégios, mas não diz quais os privilégios e como fará isso. A sua maior preocupação não se dá com o bem estar e a eficiência da seguridade social daqueles que mais precisam dela, os pobres. A sua obsessão é economizar algo em torno de mais de 1 trilhão de reais em 10 anos em cima de pessoas. Para quê economizar essa quantia? Quem seriam os beneficiados, o povo? Há dúvidas quanto à isso.

O fato é que a preocupação do governo até o momento com a “nova Previdência” é economizar dinheiro com gente, e gente pobre. É claro que todos nós gostaríamos de ver o país crescendo economicamente e sendo alvo de investimentos e a reforma da Previdência contribui e muito para que isso aconteça. Mas ao que parece, os menos favorecidos, os desprivilegiados da sociedade brasileira, irá pagar a conta. No Brasil não há estabilidade no trabalho e isso implica em que a maioria dos trabalhadores não terão suas aposentadorias integrais, porque é praticamente impossível contribuir por 45 anos com a Previdência. Além disso, o governo está colocando a contribuição mínima de 20 anos (hoje é de 15 anos), o que torna a possibilidade de se aposentar por tempo de contribuição nula, apenas por idade. A proposta do governo é de 62 anos para mulheres e de 65 anos para homens. No caso das mulheres, que exercem uma vida laboral maior que os homens, essa idade mínima é um acinte, na falta de outra palavra.

Diante desse quadro, o que os Batistas têm a dizer?

Quando na reforma da Previdência do governo Michel Temer (MDB/SP), as Igrejas Históricas emitiram um Pronunciamento se posicionando contra a reforma. A CNBB fez o mesmo à época e acaba de emitir uma Nota Oficial questionando pontos sensíveis da “nova Previdência” em tramitação no Congresso Nacional, mantendo o mesmo posicionamento quando na proposta do governo Michel Temer.

Agora o “jogo” mudou. É outro governo e muitos batistas expressaram apoio irrestrito ao então candidato à Presidência da República, o senhor Jair Bolsonaro (PSL/RJ). Houve pastores que, pela primeira vez em campanhas majoritárias para presidente, colocou um candidato no púlpito e lhe deu a palavra. Os batistas ao longo da sua história, prezou pela isonomia em temas nacionais, mas nos últimos três anos ficou recorrente entre os batistas apoio à candidatos. O presidente da CBB, apareceu em vídeo conclamando os batistas a orarem e fazerem jejum quando o STF estava julgando a possibilidade ou não de prisão em segunda instância, o que favoreceria um candidato à presidente nas eleições de 2018.

Podemos esperar que essas mesmas lideranças denominacionais emitirão suas opiniões quanto à proposta do governo para a Previdência Social?

Os batistas ainda que tenha a separação de Igreja e Estado como um dos Princípios mais caros da sua história, não se omite quanto a ética social. Na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (CBB), há o item “XVI – ORDEM SOCIAL”. Ali diz claramente que o “cristão tem o dever de participar em todo esforço que tende ao bem comum da sociedade em que vive”. O texto traz a palavra “esforço”, ou seja, é preciso fazer algo quando necessário para que o “bem comum da sociedade” seja levado em consideração. Além disso, o texto reforça algo que está ficando cada vez mais escasso no país, a justiça social. Por isso reitera enfaticamente: “Como cristãos, devemos estender a mão de ajuda aos órfãos, às viúvas, aos anciões, aos enfermos e a outros necessitados, bem como a todos aqueles que forem vítimas de quaisquer injustiça e opressões”. Qualquer desavisado iria considerar essa declaração “esquerdista” porque traz as palavras “injustiça” e “opressão”. Palavras que se tornaram subversivas e indicadoras de “socialismo” no atual contexto polarizado em que vive o país, onde o ódio cegou o entendimento de muitos, principalmente irmãos. Acontece que a Declaração Doutrinária da CBB foi elaborada em 1986, e a nossa Constituição cidadã foi promulgada em 1988. Portanto, a Constituição que vigora no país garante esses direitos aos necessitados e a Declaração Doutrinária da CBB antecipou isso profeticamente. Agora os batistas estão envolvidos na reelaboração de uma “nova” Declaração Doutrinária, o que entendo ser desnecessária. Parece que essa preocupação com o “revisionismo” se dá, infelizmente, com a questão da homoafetividade. Haverá alguma alteração para melhor no item “Ordem Social”? Não sei. Veremos em 2020 quando a CBB se reunirá em Goiânia/GO para tratar do tema.

Os batistas, comprometidos com o reino de Deus, têm a tradição e a oportunidade de dizer profeticamente que o que está proposta aí com a “nova Previdência” fere de morte os menos favorecidos. Além da tradição, os batistas têm texto denominacional (a Declaração) que diz expressamente qual a missão com os mais pobres: estender as mãos para ajudar o órfão, a viúva e vítimas de injustiça e opressão. Nesse sentido, os batistas estão consoante com os profetas do Antigo Testamento, mas, principalmente, estão seguindo as pegadas do Nazareno – “Bem aventurado os que têm fome e sede de justiça” (Mt 5,6).

15.4.19

OS 100 DIAS DE UM IDIOTA NO PODER

A eleição de Jair Bolsonaro foi um protesto da população brasileira. Um protesto financiado e produzido pela elite colonizada e sua imprensa venal, mas, ainda assim, um “protesto”. Para a elite o que conta é a captura do orçamento público e do Estado como seu “banco particular” para encher o próprio bolso. A reforma da previdência é apenas a última máscara desta compulsão à repetição.

Mas as outras classes sociais também participaram do esquema. A classe média entrou em peso no jogo, como sempre, contra os pobres para mantê-los servis, humilhados e sem chances de concorrer aos privilégios educacionais da classe média. Os pobres entraram no jogo parcialmente, o que se revelou decisivo eleitoralmente, pela manipulação de sua fragilidade e pela sua divisão proposital entre pobres decentes e pobres “delinquentes”.
Juntos, a guerra social contra os pobres e entre os pobres, elegeu Bolsonaro e sua claque.

Foi um protesto contra o progresso material e moral da sociedade brasileira desde 1988 e que foi aprofundado a partir de 2002. Estava em curso um processo de aprendizado coletivo raro na história da sociedade brasileira. Como ninguém em sã consciência pode ser contra o progresso material e moral de todos, o pretexto construído, para produzir o atraso e mascará-lo como avanço, foi o pretexto, já velho de cem anos, da suposta luta contra a corrupção.

A “corrupção política”, como tenho defendido em todas as oportunidades, é a única legitimação da elite brasileira para manipular a sociedade e tornar o Estado seu banco particular. A captura do Estado pelos proprietários, obviamente, é a verdadeira corrupção que, inclusive, a “esquerda” até hoje, ainda sem contra discurso e sem narrativa própria, parece ainda não ter compreendido.

Agora, eleição ganha e Bolsonaro no poder, começam as brigas intestinais entre interesses muito contraditórios que haviam se unido conjunturalmente na guerra contra os pobres e seus representantes. Bolsonaro é um representante típico da baixa classe média raivosa, cuja face militarizada é a milícia, que teme a proletarização e, portanto, constrói distinções morais contra os pobres tornados “delinquentes” (supostos bandidos, prostitutas, homossexuais, etc.) e seus representantes, os “comunistas”, para legitimar seu ódio e fabricar uma distância segura em relação a eles. Toda a sexualidade reprimida e toda o ressentimento de classe sem expressão racional cabem nesse vaso. O seu anticomunismo radical e seu anti-intelectualismo significam a sua ambivalente identificação com o opressor, um mecanismo de defesa e uma fantasia que o livra de ser assimilado à classe dos oprimidos. Olavo de Carvalho é o profeta que deu um sentido e uma orientação a essa turma de desvalidos de espírito.

A escolha de Sérgio Moro foi uma ponte para cima com a classe média tradicional que também odeia os pobres, inveja os ricos, e se imagina moralmente perfeita porque se escandaliza com a corrupção seletiva dos tolos. Mas apesar de socialmente conservadora, ela não se identifica com a moralidade rígida nos costumes dos Bolsonaristas de raiz que estão mais perto dos pobres. Paulo Guedes, por sua vez, é o lacaio dos ricos que fica com o quinhão destinado a todos aqueles que sujam a mão de sangue para aumentar a riqueza dos já poderosos.

Os 100 dias de Bolsonaro mostram que a convivência desses aliados de ocasião não é fácil. A elite não quer o barulho e a baixaria de Bolsonaro e sua claque que só prejudicam os negócios. Também a classe média tradicional se envergonha crescentemente do “capitão pateta”. Ao mesmo tempo sem barulho nem baixaria Bolsonaro não existe. Bolsonaro “é” a baixaria.
Sérgio Moro, tão tolo, superficial e narcísico como a classe que representa, é queimado em fogo brando já que o Estado policial que almeja, para matar pobres e controlar seletivamente a política, em favor dos interesses corporativos do aparelho jurídico-policial do Estado, não interessa de verdade nem a elite nem a seus políticos. Sem a mídia a blindá-lo, Sérgio Moro é um fantoche patético em busca de uma voz.

O resumo da ópera mostra a dificuldade de se dominar uma sociedade marginalizando, ainda que em graus variáveis, cerca de 80% dela. Bolsonaro e sua penetração na banda podre das classes populares foi útil para vencer o PT. Mas ele é tão grotesco, asqueroso e primitivo que governar com ele é literalmente impossível. A idiotice dele e de sua claque no governo é literal no sentido da patologia que o termo define. Eles vivem em um mundo à parte, comandado pelo anti-intelectualismo militante, o qual não envolve apenas uma percepção distorcida do mundo. O idiota é também levado a agir segundo pulsões e afetos que não respeitam o controle da realidade externa. Um idiota de verdade no comando da nação é um preço muito alto até para uma elite e uma classe média sem compromisso com a população nem com a sociedade como um todo. Esse é o dilema dos 100 dias do idiota Jair Bolsonaro no poder.

Jessé Souza
Sociólogo
Professor titular na Universidade Federal do ABC




13.2.19

O ATEU MAIS CRENTE QUE CONHECI

Ricardo Boechat, hoje passei no espaço da Creche Bom Samaritano, da Igreja Luterana, e vi o seu rosto em cada criança brincando, abrigada da chuva e do sol, pela obra que você financiou e que foi cuidadosamente coberta pelas mãos de operários, sob a orientação do seu irmão, o Engenheiro Carlos Boechat. 

Vi a tristeza nas faces das funcionárias que o conheceram e puderam conviver com o sorriso da sua alma amorosa e libertária, numa dedicação e saudação de corpo inteiro.

Vi-o, da alma para alma, conversando com Veruska, o grande amor da sua vida, nos momentos em que preparavam as festas de aniversários de vossas filhas, batizadas por mim, na Paróquia Bom Samaritano da Igreja Luterana (IECLB). Você e Veruska desejaram que as vossas filhas celebrassem seus aniversários abraçando e sendo abraçadas por crianças pobres das favelas do Cantagalo, Pavão, Pavãozinho, Vidigal e Rocinha. Naquelas festas vocês providenciavam alimentação, brincadeiras e todo espetáculo que crianças de famílias empobrecidas jamais tiveram direito nem de sonhar.

Ricardo Boechat, você dizia-se ateu. Com toda honestidade afirmava isto publicamente. Você era um homem honesto e transparente. Deus também é ateu, meu amigo. Jesus Cristo nunca foi cristão e todas as crianças nascem agnósticas. Eu nunca lhe perguntei sobre o Deus em quem você não acreditava. Não lhe perguntei porque, possivelmente, o Deus em quem você não acreditava, um ser vagando na estratosfera da transcendência, moralista, vingativo e ansioso para botar uma grande parte da humanidade no fogo do inferno, eu também não acredito. Esse deus é criado conforme a imagem e semelhança de pessoas raivosas e perversas. 

O Deus em quem eu acredito, Ricardo Boechat, é AMOR E MISERICÓRDIA. É o Deus que na agonia da cruz orava pelos seus inimigos dizendo: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que estão fazendo!”. Você era um reflexo do amor de Deus. Tinha um coração maior do que o seu corpo franzino.

Ricardo Boechat, você foi um profeta. O profeta é aquela pessoa que fala contra as injustiças e se torna defensora das pessoas oprimidas que não têm vez e nem voz.

No céu, amigo, fale com Deus que tenha misericórdia deste nosso país e que Ele envie outros profetas para falarem em defesa das vítimas de Mariana, de Brumadinho; por todas as vítimas de tragédias, pelos índios e por todas as pessoas injustiçadas e deserdadas da terra.

(Mozart Noronha)

7.2.19

NÃO SE TRATA DE JUSTIÇA

Sabemos que o país vê aumentar ano após ano a sua população carcerária. Dados do INFOPEN, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, dão conta que o números de presidiários no Brasil dobrou em dez anos (2006-2016). Subiu de 401,2 mil para 726,7 mil (1). Por essa razão, não é difícil conhecer alguém que está preso ou que já esteve preso, ou ainda ter contato com alguém que tem um filho ou um parente na prisão.

As igrejas evangélicas no país convivem com situações assim, tendo em sua membresia mães que têm seus filhos encarcerados por crimes graves e outros por crimes leves. Além disso, sabemos que há muitos presos que passaram ou pertenceram, em algum momento da vida, a uma igreja evangélica (2).

É consenso que o sistema penitenciário não corrige ninguém, com raríssimas exceções. Há uma constatação de que o preso entra no sistema por cometer um crime considerado “leve” e sai “pós-graduado” em outras modalidades criminais. Quando ele sai da cadeia é considerado um criminoso ainda mais perigoso para a sociedade. O trabalho de ONGs e igrejas dentro dos presídios, contribui para algum tipo de ressocialização do preso, quer por uma profissão (sendo difícil o emprego depois que passa pelo sistema penitenciário) ou por pertencer a uma igreja evangélica.

Algumas igrejas, fazem um primoroso trabalho com os presos de evangelização e resgate da dignidade humana. Ainda assim, esse trabalho não está sendo muito valorizado (se é que ele já foi um dia valorizado pela grande maioria das igrejas). Convencionou-se a ver o delinquente, aquele que comete o crime, o bandido, como um ser abjeto que merece, nada menos, que a morte. Afinal de contas: “bandido bom é bandido morto”. Somando a esse aspecto, a narrativa dos Direitos Humanos passou a ser negativa (fruto de uma ignorância quanto ao alcance da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948), alegando que os Direitos Humanos “protege” bandido e não o “cidadão de bem”.

Está no imaginário das pessoas que, uma vez preso, o ser humano ali deixa de ser um ser humano e passa a ser um “bicho” que precisa de jaula e, se possível, morrer dentro dela. É assim que conclui Lizandra Pereira Demarchi, pesquisadora do tema: “Para a grande maioria da população, o preso deixa de ser um indivíduo dotado de direitos, e passa a ser tratado como coisa, que vive em um mundo à parte da realidade, onde a força bruta do Estado anula o ser dotado de razão à medida que passa a intimidá-lo com o pretexto de manter a ordem e a segurança social” (3). Ainda que o preso tenha seus direitos adquiridos na Constituição Federal de 1988, ele é visto, pela maioria da população, como um ser que, ao cometer um crime e ser preso, perdeu a sua cidadania e passou a ser uma “coisa” à disposição do sistema mais desumano e cruel que temos, o sistema penitenciário brasileiro que abriga quase todas as mazelas em termos de convivência e saúde.

Recentemente, o país viu um dos seus principais líderes políticos ser preso (2016) com um julgamento célere em primeira e segunda instância. Os seus recursos foram negados um a um. Há quem diga que se trata de um preso comum e que não deveria estar na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, mas sim em um presídio comum. São as mesmas pessoas que entenderam que esse pretenso preso “comum” não poderia ver o irmão quando do seu falecimento, direito que o Código Penal faculta a todos os presos. Esse mesmo preso, foi condenado mais uma vez esta semana a uma pena de mais de 12 anos. Ainda que o preso possa recorrer, é muito provável que ele não deixe a prisão nos próximos anos. 

Quando a juíza proferiu a sua sentença e a mídia se ocupou em divulgar, foi possível ver as manifestações eufóricas nas redes sociais por saber que um ex-presidente, com todos os seus problemas que envolve o seu nome e seus dois mandatos, iria ficar mais tempo ainda em uma prisão. Além das manifestações de pessoas partidárias do novo presidente do país, que são até mesmo favoráveis a uma condenação sumária (se fosse possível), houve manifestações de pastores no mesmo tom.

As manifestações de pastores nas redes sociais por conta da segunda condenação de um ex-presidente foi agradecia à “deus”. Houve quem dissesse que agora ele não sairia mais da prisão “se deus quiser”. Até mesmo “louvores a deus” foram dados por conta dessa segunda condenação.

Está muito claro que não vivemos mais um cristianismo, mais sim uma espécie de pós-cristianismo (na ausência de uma melhor nomenclatura). O que temos é um pseudo-cristianismo bélico, guerreiro e vingativo. Não é mais possível “crer” na restauração de um presidiário, qualquer que seja ele, antes a prisão é a condenação ao “inferno”, lugar mais que merecido para os ladrões que temos por aqui. É claro, se puder morrer, melhor ainda.

O que podemos esperar de um pseudo-cristianismo assim? Justiça? Não! Vingança!

O sistema judiciário brasileiro é operado a partir da vingança coletiva. Não que o próprio Poder Judiciário assim o quer, mas porque a sociedade brasileira assim espera. A sociedade torna o preso o seu “bode expiatório” e trata-o como inimigo. Por isso, a pena não é para recuperar preso algum, antes a pena é para satisfazer o desejo insaciável de vingança. E dentro dessa lógica maléfica, há muitos evangélicos que partilham dela, defendendo a pena de morte, o porte de armas de maneira irrestrita para o “cidadão de bem”. Apenas o aborto é assassinato, afinal de contas o feto ainda não é um delinquente em potencial.

O pseudo-cristianismo não conhece a justiça, mas sim a vingança. A justiça de Deus não é o mesmo que vingança. O Deus de Jesus faz o seu sol vir sobre justos e injustos. Ele não diz para matar os inimigos, antes orar por eles (Mt 5,44-46). Antes de condenar o sentenciado à morte, ele diz: “Hoje estarás comigo no paraíso”. A vingança? Essa ele deixa bem claro que não faz parte da sua caminhada (Mt 5,38-42). E quando ensina à orar ele diz: “Perdoa-nos as nossas dívidas como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). Para o Deus de Jesus, a justiça é restaurativa.

10.1.19

NO TOCANTE AO SOCIALISMO...

No discurso de posse do novo Presidente da República, o senhor Jair Messias, uma frase apareceu: “O Brasil começou a se libertar do socialismo”.

Uma análise bem rápida da frase é possível constatar que o senhor Jair afirmou que, a partir de agora, o país passa a se ver livre do socialismo. Até aquele momento o país estava cativo desse nefasto sistema político-econômico, o socialismo.

Que socialismo o senhor Jair se refere? Quando foi que o país passou a viver sob o socialismo e que, agora, precisa ser liberto? Ou seria mais uma frase de “efeito”, um bordão ou chavão, como aqueles que o senhor Jair colocou no seu Twitter no período eleitoral? Parece que não!

Mesmo depois de eleito, o senhor Jair já disparou no seu Twitter, dizendo que irá “combater o lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino”. Os marxistas que há muito estão nas escolas não fizeram um bom trabalho, Marx ficaria decepcionado. A grande maioria dos estudantes estão preocupados em curtir e não fazer “revolução”.

No tocante à frase: “O Brasil começou a se libertar do socialismo” (...).

Será que o senhor Jair formulou uma outra concepção de socialismo, diferente do conceito que conhecemos?

Seria uma tese acadêmica de peso, se isso acontecesse.

Por definição (e não confunda com marxismo) a base do socialismo, com múltiplas variantes, pode ser assim identificado: “Um ordenamento jurídico e econômico fundado na propriedade privada dos meios de produção e troca, numa organização social na qual: a) o direito de propriedade seja fortemente limitado; b) os principais recursos econômicos estejam sob o controle das classes trabalhadoras; c) a sua gestão tenha por objetivo promover a igualdade social (e não somente jurídica ou política), através da intervenção dos poderes públicos” (1). Ao que parece esse cenário nunca (nunca!) foi visto no país, nem ao menos tentado.

Interessante que o socialismo que surge na Europa do século XIX, tinha como base a expropriação de bens daqueles que tinham bens e a democracia, o voto. Os liberais, como bem lembra o prof. Daniel Aarão Reis (Doutor em História Social pela USP e professor titular de História Contemporânea na UFF), “defendiam que apenas os ricos poderiam votar” (2). Seguindo a síntese do prof. Daniel Reis, os partidos da social democracia, quando chegaram ao poder, tomaram o caminho de reformas, procurando regular o capitalismo e não combatê-lo.

No Brasil do senhor Jair, o socialismo nunca foi implementado. Nunca foi, nem se quer, testado!

Mais alguém ali grita: “Mas o PT é um partido socialista, de esquerda”. O PT é tão “socialista” quanto o PSDB.

Os governos petistas funcionaram como gestores da agenda capitalista no país, com acenos mais que evidentes para o neoliberalismo. É bom lembrar que o presidente do Banco Central do governo Lula foi o senhor Henrique Meirelles e o ministro da Fazenda da senhora Dilma foi o atual presidente do BNDS, Joaquim Levy. O governos petistas, não obstante a redução na miséria do país, principalmente no primeiro mandato de Lula, não anulou a desigualdade social, apenas amenizou. Em contrapartida, os bancos continuaram tendo seus lucros batendo recordes! Assim como estão hoje.

Mas no tocante ao socialismo do senhor Jair, é possível que ele esteja fazendo referência aos governos petistas que se alinharam aos países denominados “comunistas” como Cuba e Venezuela. Talvez seja essa a sua ideia quando diz que “irá tirar o viés ideológico das relações internacionais”. Se for isso, não se trata, senhor Presidente, de libertar o país do socialismo, mas de trocar um “viés ideológico” por outro, no caso o “viés ideológico” da América de Donald Trump.

Talvez a questão seja comportamental ou “moral”, mas não socialista. Ao que tudo indica, o senhor Jair coloca na conta do socialismo a discussão de gênero (ideologia nas escolas) e direitos homoafetivos. Em Cuba, um país que se pretende ser socialista mas sua população não tem direito ao voto, os homossexuais foram perseguidos e, pelo que consta, ainda não são aceitos na ilha. Na China, comunista no governo e neoliberal na economia (uma façanha), os homossexuais são duramente reprimidos, optando por fazerem casamentos de “fachadas” para não serem recriminados.

Por isso, ao que parece, o senhor Jair julga que a questão comportamental (algo que os conservadores priorizam) seja algo ligado ao socialismo. Essa associação é um grande e tremendo equívoco cognitivo. As lutas por liberdades, sexuais e gênero, estão ligadas aos anos de 1960. A França foi palco de inúmeras manifestações e bandeiras libertárias. No Movimento de Maio de 1968, um dos lemas era: “É proibido proibir”.

Ao que parece, a sobrevivência política do senhor Jair depende da sua luta contra algo que ele elegeu como maior prioridade, a sua própria definição de socialismo.

Seria bom se no seu governo a questão eleita como prioridade não fosse o socialismo, mas sim a escravidão que ainda teima em fazer parte da paisagem do Brasil. Seria bom demais se entre as questões mais eminentes da sua agenda fosse a renda e a população menos favorecida, e não o comunismo. Como sabemos, entra governo e sai governo e nada, absolutamente nada, é feito para barrar as isenções fiscais de bilionários; a sonegação de impostos na casa dos trilhões de reais. A maior parte do bolo do país, continua indo para pagar juros aos banqueiros, aumentando, cada vez mais, drasticamente suas margens de lucro (3). Esse seria um dos maiores enfrentamentos da nossa história. 

Por enquanto, no tocante ao “socialismo”, é preciso solicitar aos acadêmicos pesquisas em torno de uma nova modalidade de socialismo testado no Brasil nos últimos anos. Fonte? O novo presidente.

Notas
(1) “Socialismo”. In: Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UNB, 2004, p. 1196-1197.
(3) Jessé Souza. Subcidadania brasileira. Rio de Janeiro: LeYa, 2018, p. 22.