18.2.11

A CNBB DÁ MAIS UM EXEMPLO DE TEOLOGIA PÚBLICA

A discussão sobre teologia pública esta chegando agora no Brasil. Recentemente postei algo sobre eclesiologia pública no blog (http://wwwibmi.blogspot.com/2010/12/por-uma-eclesiologia-publica.html), alertando da necessidade que temos de pensar a relevância da teologia para a vida citadina como um todo, a libertação do gueto que chamamos igreja, para um pensar aberto e acolhedor dos dilemas e problemas da sociedade. Jürgen Moltmann trabalha esta questão no seu livro Dio nel progetto del mondo moderno; contributi per uma rilevanza pubblica della teologia (Brescia: Queriniana, 1999) colocando que uma identidade cristã só é possível com a devida relevância na cidade/sociedade, do contrário os valores do reino de Deus não terão êxito! As igrejas não católicas não se aperceberam disso ainda. Sofremos ainda com certo tipo de apartheid que segrega uns dos outros, fragmentando a mensagem de Jesus, distorcendo o Evangelho, olhando apenas para o seu mundo, reduto de poder e conquistas.

Exemplo disso foi a completa omissão no debate sobre a “Ficha Limpa”, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) estabeleceu parceiros como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para levantar as assinaturas e transformar o projeto em Lei, os protestantes históricos, os pentecostais clássicos, os neopentecostais, todos fizeram como o levita e o sacerdote da parábola do Bom Samaritano, passaram a distância do assunto.

Quem em nossas igrejas não acompanha o reality show Big Brother Brasil? Há onze (11) anos a Rede Globo coloca esse programa estúpido no ar. Quantas pessoas já passaram por ali que não tinham nada a dizer? Enquanto isso os milhares de brasileiros acompanham um programa chula, vulgar, maquiado com um jornalista, tido como inteligente e intelectual, para dar um pouco de credibilidade que não tem. O BBB até mesmo incorporou jargões como “afinidade” ou “espiadinha” na nossa cultura.

A CNBB mais uma vez dá o exemplo de uma teologia pública, quando leva a sociedade a refletir sobre esse programa. Recentemente o órgão máximo dos católicos no Brasil declarou* que os reality shows atentam contra a dignidade da pessoa humana, como também de seus participantes, pedindo um esforço comum contra a agressão impune aos valores morais vinculados nos programas (lê-se aí, BBB).

O programa tem perdido audiência. Quando isso ocorre, as manobras são feitas para assegurar o barraco, a promiscuidade e a falta de decência moral e ética. A CNBB ainda completa na sua nota, dizendo que esses programas (os reality shows [BBB]), gera o processo de degradação da sociedade e da família brasileira.

Teologia pública é isso. É emitir opinião mesmo sabendo que muitos não darão ouvidos, mas mesmo assim fala. Foi-se o tempo de ficarmos no casulo esperando que as coisas aconteçam pelo “dedo de Deus”. A igreja faz exatamente aquilo que Mt 5, 14-16 contraria, coloca a luz debaixo da mesa aguardando a consumação dos séculos. Enquanto isso fica completamente descartada dos grandes debates nacionais, apenas discutindo assuntos supérfluos. Os batistas na sua última Assembleia Convencional (CBB) assumiu o compromisso para com o meio ambiente e a defesa da vida. Isso é teologia pública, é levar a reflexão sobre Deus a níveis mais altos da sociedade, se comprometendo com a vida que Deus outorgou.

Como protestante, só tenho que parabenizar a CNBB por mais esse gesto de preocupação e defesa da dignidade humana. Agradeço a Deus porque muitos católicos engajados na sua igreja estão no Congresso Nacional e eles irão debater acirradamente contra leis que querem privilegiar alguns em detrimento da maioria com o pretexto da discriminação – refiro-me a PL/122.

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* Disponível em: http://bbb11.yahoo.net/noticias/554/reality-shows-atentam-contra-a-dignidade-humana-diz-cnbb.html
Acesso em 17 fev. 2011

12.2.11

O QUE BOB HAZLETT NÃO ENTENDE

Quando chega esta época é a mesma coisa de sempre em alguns redutos tidos como “evangélicos” – estou me referindo ao carnaval – pragueja, expulsa demônios territoriais, prega-se contra, demoniza como festa do diabo e da carne, da sensualidade etc. Tudo isso já ouvimos e continuamos a ouvir quando chega nesses meses. As igrejas fazem os seus acampamentos, se afastando completamente do “mundo” e se encastelando como os “separados”. Assim a condição de gueto é assegurada.

No começo desse mês o carnaval do Rio de Janeiro teve uma perda incalculável. Na Cidade do Samba alguns galpões pegaram fogo consumindo anos de trabalho duro de gente de diferentes classes sociais e lugares. Carros alegóricos, fantasias, a logística do evento o fogo consumiu em questão de minutos. Uma pena mesmo!

Particularmente não sou fã do carnaval. Embora fique admirado com a criatividade e com alguns temas escolhidos, mas não me agrada a conjuntura do evento, mas isso sou eu, nem todos, por exemplo, ouvem ou já ouviram Beethoven, Mozart, Chopin ou Bach, é uma questão de estilo musical mesmo. Assim como esses nomes representam a cultura popular da Europa, e principalmente da Alemanha, o carnaval representa a cultura popular brasileira, isso é inquestionável. Também não suporto a importação da festa das bruxas do EUA, onde por lá todos participam independente de religião, é uma festa cultural, não poderia demonizá-la porque não me agrada.

Digo isso porque, em visita ao nosso país, o Pr. Bob Hazlett (EUA) falou essas palavras: “Eu escuto o Senhor dizendo: Eu vou fechar a festa do diabo e Eu terei uma festa nas ruas, porque Eu adorarei durante o carnaval. Eu estarei curando enfermos durante o carnaval. Eu estarei expulsando os demônios durante o carnaval… Minha igreja se levantará para trazer luz durante a festa das trevas”.* Logo após o acontecido no Rio de Janeiro com os galpões do samba, essas palavras se transformaram em “profecia”. O referido pastor ficou famoso por “profetizar dias antes o incêndio nos barracões das Escolas de Samba do Rio”. O sensacionalismo “evangélico” é incrível. Primeiro ele não diz nada, essa que é a verdade. Não diz o que aconteceria; o processo sugestivo funcionou muito bem aqui. Depois diz que irá “fechar a festa do diabo”, o carnaval irá acontecer, e ainda, mais animado, mais empolgante e emocionante por parte de seus participantes, porque para eles realizar o carnaval este ano será uma questão de honra. Depois, como já disse, nessa época sobram “profetas” falando contra o carnaval, ele foi mais um. Apenas coincidiu de ser na mesma semana, apenas isso.

Não dá para demonizar aquilo que não concordamos ou entendemos que esteja errado. O que Bob Hazlett não entende é que no nosso país o carnaval é uma imensa obra de arte coletiva produzida por centenas e até mesmo milhares de artistas. É a ocasião "em que a vida diária cessa de ser operante e, por causa disso, inventa-se esse momento extraordinário" (Roberto DaMatta). É a festa onde o povo desfila, e as cores tomam conta do ambiente. Para citar Jaci Maraschin, “no carnaval, as diferenças de raça, classe, sexo e indivíduo são apagadas. Essa festa confunde tudo. Mistura e tornam iguais tanto os ricos como os pobres, os brancos e os pretos, os empregados e os patrões, a senhora e sua empregada, desmanchando preconceitos e distâncias. Cria certo tipo de miragem onde os feios se tornam bonitos, o dia se transforma em noite, e a noite, em dia”.

Seria bom se todas as nossas festas tivessem um fundamento religioso, como Israel, por exemplo, mas não é assim aqui. No nosso país o carnaval tem diferentes faces, uma espécie de comercialização e banalização sexual em São Paulo e Rio de Janeiro, mas também a obra de arte sendo exposta em carros gigantescos e enredos que cantam a vida; no nordeste o frevo e os bonecos gigantes que marcam as ruas de Olinda e Recife. Em todas essas manifestações a presença do mal é inevitável, aliás, o mal é inevitável até mesmo dentro das igrejas.

Carnaval no Brasil não é a festa das trevas, embora você possa discordar de mim. É a festa daqueles que ainda não encontraram a motivação correta para celebrar a vida, que é Jesus Cristo, mas aí pensar que Deus colocaria fogo em galpões com milhares de pessoas dentro apenas para parar a “festa do diabo” é demais.
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* Disponível em: http://noticias.gospelmais.com.br/video-pastor-profetiza-incendio-escolas-cidade-samba-rio-16309.html
Acesso em: 10 fev. 2011

5.2.11

OS BATISTAS E A ECOLOGIA

O modo de vida hoje é resultado de uma mentalidade que rompe com a Idade Média patrocinada, dentre outros, por F. Bacon e R. Descartes quando coloca a relação do ser humano com o mundo sob o paradigma de sujeito-objeto. Com essa ideologia, a ciência triunfa sobre a natureza, ignorando os seus limites e espaços. A proposta é subjugar a natureza ao conhecimento científico, não importando as consequências. A questão ecológica é deixada de lado e o mundo é objeto a ser desvendado. Teve seus resultados benéficos, mas muito mais maléficos como presenciamos hoje.

O protestantismo, de modo geral, é fruto da modernidade, portanto, compartilha dessa ideologia. Com a ênfase no indivíduo e o processo de dessacralização do mundo (Planeta Terra), este passou a ser visto como útil apenas. A natureza passa a ser matéria-prima para a atividade humana. Decorre disso, a completa omissão para com a criação e a falta de uma espiritualidade ecológica. O protestantismo, como um dos protagonistas do sistema capitalista (M. Weber), contribuiu e muito para o atual sistema exploratório da Terra, quando adotou a cosmovisão utilitarista ao invés da bíblica que apresenta a noção de mordomia e corresponsabilidade para com o meio ambiente.

A atividade econômica do sistema globalizado capitalista quando se atém ao lucro e não respeita a diversidade da vida, a formação geográfica natural de um lugar, a nascente de um rio, a biodiversidade do Planeta Terra, está ignorando a presença de Deus na criação, além de negar, peremptoriamente, de que o ser humano não é parte integrante do ecossistema. Parece que muitos ainda não perceberam de que “quando a última árvore for abatida, quando o último rio for envenenado, quando o último peixe for capturado, somente então nos daremos conta de que não se pode comer dinheiro” (cacique norte-americano Sattel). O clima pede socorro, e os mordomos de Deus na criação ignoram esta tarefa quando discute sobre tantas outras coisas e esquecem o que está aí, a vida e suas mazelas causadas, na sua maioria, pela ganância humana.

A narrativa bíblica da criação nos apresenta a superação de tensões, humanidade-natureza, e oferece caminhos para um viver harmonizado com Deus, com o outro e com a natureza. A criação é fruto do amor de Deus. Com o ato de criar Deus permanece junto a sua criação, sustentando e se relacionando com toda a obra criada. Sendo assim, a criação está toda interligada, numa relação de interdependência, Deus-Terra-Humanidade.

Com a Carta de Niterói, sobre o meio ambiente, os batistas, reunidos para a sua 91ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira (CBB) na cidade de Niterói/RJ, estabelece marcos de uma nova era de reflexão sobre a atuação pastoral da igreja no meio ambiente. Isto é salutar, pois ainda carregamos estigmas de uma velha ideia, a de que Deus está interessado apenas com a “alma” do indivíduo, esquecendo de que ele é um ser integrado numa sociedade e no meio ambiente. A Carta de Niterói abre espaço para a igreja refletir sobre a sociedade em que esta inserida e apresentar propostas para amenizar o problema. É possível organizar uma coleta seletiva; ou ainda apresentar projetos junto as autoridade políticas da cidade para uma maior conscientização do meio ambiente. Há diversas atividades que podem ser feitas a fim de contribuir para atenuar os dilemas ambientais.

O momento é de reflexão sobre o tema. É inadmissível para aqueles que creem que Deus é criador e não agir como mordomos da criação divina. Esperamos, sinceramente, que artigos, textos, impressos e online, sejam escritos sobre isso. É bom saber que já há um blog com o título Vida e Meio Ambiente tornando possível o acesso a textos e artigos de opinião sobre o tema. Que possa haver revistas de EBD com a temática, pastores pregando, teólogos discutindo e elaborando fóruns de debate, este é o momento. A CBB já deu o início, resta agora aprofundarmos a discussão. Que seja reivindicando, protestando, trabalhando, refletindo, cuidando, o que não podemos mais é ficar inertes ao tema.

3.2.11

O DESVIRTUAMENTO DO PROTESTANTISMO

O protestantismo do qual somos “herdeiros” era pujante. Um protestantismo comprometido com a política do seu tempo, daí a recusa por qualquer sistema de governo absolutista; um protestantismo partidário da ciência, das descobertas (é claro que daí veio a cosmovisão utilitarista do mundo e seus recursos naturais).

O protestantismo é fruto da modernidade e seus valores como o racionalismo. Lá, o protestantismo teve um envolvimento significativo na política, forjando modelos alternativos de governo por onde passou. Aliás, foi por querer a separação entre igreja e estado que os batistas surgiram na Inglaterra do século XVII. Por lá os protestantes levantaram a bandeira da liberdade em todos os sentidos, inclusive a religiosa. Liberdade para tolerar o outro e suas opções (Locke). A liberdade de consciência e expressão e o conceito de individualidade são o legado da Reforma Protestante.

O que se tornou o protestantismo em terras brasileiras? O protestantismo por aqui sofreu sérias mutações, na verdade ele foi desvirtuado mesmo. Num primeiro momento o protestantismo de missão não soube lidar com a brasilidade – sua formação cultural e religiosa. Com um discurso exclusivista, o resultado foi: 1). O isolamento cultural – tornou a igreja num gueto de “salvos e santificados” esperando apenas o céu. O não envolvimento com o tido “mundanismo” é evidência de salvação, daí a completa falta de inserção na cultura do país; 2). O discurso hermético – extremamente confessional; apologético mesmo. O protestantismo se alimenta de disputas com o catolicismo e propaga um ufanismo, sempre atacando os diferentes, absorvendo a cultura anglo-saxônica e preterindo a brasileira.

O resultado disso é um conjunto de crenças, modismo, ideologias, idiossincrasias que, na sua maioria, não comtempla o espírito protestante.

Apenas para constatar:

Cristologia – o Cristo protestante reside no céu, e logo voltará para buscar os seus que se comportaram muito bem, afinal de contas não é a graça que salva, mas o comportamento, porque por aqui se confunde e muito cristianismo com legalismo. Não se vive sob a graça, mas sob a lei. A liberdade, tanto em Paulo quanto no protestantismo de lá, é solapada por uma série de preceitos, regras. Por aqui o protestantismo de princípios, como a nossa vertente (os batistas), não teve lugar. É lamentável.

Eclesiologia – o cristão protestante vai à igreja e não no templo. A igreja não é uma realidade de salvos que se reúnem para louvor a Deus, mas é uma tarefa que precisa ser cumprida. Desse modo, aqueles que não frequentam os cultos estão com problemas com Deus, porque por aqui se confunde fidelidade a Deus com ativismo religioso. No final das contas, é a igreja (instituição) que salva. É por isso que batismo numa igreja protestante não é uma identificação que o cristão tem com Cristo na sua morte e ressurreição, Paulo estava errado em Rm 6, mas é uma maneira de dizer que aquela pessoa a partir do batismo irá seguir as regras daquela igreja. Portanto, não fico espantado quando vejo igrejas que transformam a Ceia num critério de disciplina e não de pertencimento ao corpo de Cristo. A Ceia se parece mais com uma autoflagelação para o cristão, quando chega o momento ele fica se perguntando: o que fiz de errado para não participar do corpo de Cristo?

O nosso jeito de ser protestante é marcado por um novo fundamentalismo que torna a igreja num gueto social e cultural e forja cristãos neuróticos com a saga de querer agradar a Deus com suas práticas religiosas.