20.12.13

COISAS DE SACERDOTES

É bom que se diga: sacerdote no Antigo Testamento não é vocação e sim uma função, ou seja, diferente do rei e do profeta que havia uma espécie de escolha divina, o mesmo não ocorre com o sacerdote. É claro que a “classe sacerdotal” começa com a tribo de Levi para o serviço do santuário, mas não significa, em nenhum momento, um carisma especial para o exercício do sacerdócio.  Por essa razão que o rei poderia destituir sacerdotes e colocar outros no lugar.

A classe sacerdotal se estabelece em Israel e se alinha, inevitavelmente, ao rei, porque dele depende. Ligado ao santuário, o sacerdote vive para o tempo sagrado e é responsável por dirigir o culto à Javé. Dentro do culto, havia, naturalmente, a função de mediação entre o povo e Javé tendo nos sacrifícios o elemento de maior importância dentro da liturgia.

A classe sacerdotal terá a sua supremacia conquistada no transcorrer das invasões e sucessão de impérios. No tempo de Jesus é uma classe que detém o discurso religioso e o “poder” de dispensar a bondade de “Deus” e decidir quem pode ou não ser digno das misericórdias de “Deus”.  O acesso ao sagrado passa pelo sacerdote inevitavelmente. A crise de Jesus é com esse sistema religioso estabelecido e legitimado pelo poder romano na Palestina.

Interessante que depois da Reforma Protestante preconizou um dos principais princípios do protestantismo, o sacerdócio universal de todos os crentes. Parece que isso não foi levado tão a sério. Digo isso, porque sofremos as influencias sacerdotais até hoje em diversos sentidos.  Cito alguns exemplos.

Os pastores são vistos como gente mais próxima de Deus, aquele que tem de alguma forma, um “acesso especial” com Deus e aí daquele que se levanta contra um “ungido” do Senhor. A oração do pastor-sacerdote tem mais “poder”, pois ele tem alguma “intimidade” com Deus que outros, pobres mortais, não têm. Àqueles que promovem essa concepção exagera na sua condição de “semidivino” manipulando o povo com o seu “poder sacerdotal”.

Ainda sobre o pastor-sacerdote, cabe a ele, com muito prazer, “zelar pela doutrina” – lê-se sistema religioso que sustenta o seu próprio papel de mediador do sagrado – ele detém o discurso que salva, ainda mais se ele citar grego e hebraico do púlpito, as línguas tidas como sacras. Sem “doutrina” o povo perece dirá alguns. Nesse caso o livre exame das Escrituras, outro princípio protestante, não é levado a sério, o que vale mesmo é a doutrina, um código de leis que não podem ser violadas, do contrário a punição de “Deus” será imediata, mesmo que ele dependa da atuação política de cerceamento da liberdade de consciência.

Outra coisa de sacerdote que impregnou é a concepção de culto. Ele precisa ser sério. As regras indumentárias e litúrgicas precisam ser intocáveis, do contrário não é culto, é outra coisa, precisa ser no templo e ele já é por si só, sacro. Isso sem falar na classe sacerdotal que precisa se reunir antes do culto, juntamente com os chamados erroneamente de levitas, para orar antes do culto. Sem àquela oração não sai nada certo, parece que há uma classe mais que especial porque está diante da comunidade cantando ou pregando. Essa classe precisa se preparar “espiritualmente” como se as demais pessoas que estão ali para a celebração não estivessem espiritualmente capacitadas para o ato de culto. Há uma confusão entre habilidade musical ou qualquer outra coisa com a “direção de Deus” para o culto. Isso sem falar que quem mais precisa de culto são as pessoas e não, necessariamente, Deus. Mais deixa isso pra lá.

Assim como os sacerdotes deixavam bem claro que a punição era algo divino, há um patrulhamento em torno de pessoas que erram dentro da comunidade porque o “pecado” precisa ser expiado de alguma maneira, assim como no Antigo Testamento. Tomando aqui as intuições de René Girard, é preciso sacrificar alguém, do contrário coloca-se em risco a existência da comunidade atingindo todos os seus membros e a legitimação da ordem fica comprometida, ou seja, é o sistema religioso que pune e absolve não na mesma proporção, mais pune que absolve. 

Outra coisa de sacerdote é a ideia de que Deus, mesmo depois da Graça, se agrada mesmo é da lei, das regras. No fim o que define mesmo é se obedeceu ou não a lei. Aí nesse caso não importa muito o que Jesus ensinou sobre perdão e amar as pessoas e se o sábado foi feito para o ser humano e não ao contrário.

Viva a classe sacerdotal que está nos púlpitos e na televisão, eles continuam obnubilando a mensagem do Reino de Deus tão enfatizada por Jesus.

17.12.13

UM “DEUS” GEOGRÁFICO

A relação de Deus (com suas variantes de nomes como El, Yahweh e muitos outros) com o povo que, muito tempo depois, nós ficamos sabendo que era Israel, têm no seu desenvolvimento religioso certos episódios quanto à experiência com o “Deus de Israel”, ou seja, nunca houve, num primeiro momento e depois também, uma noção unívoca sobre Deus. O relacionamento com Javé sempre passou pelo povo, naturalmente, depois pelo templo e, de forma imprescindível em todos os momentos, pela terra (território).

A relação de Israel com Deus foi pautada em termos humanos. Daí a uma linguagem para falar com Deus a partir do ser humano e sua estrutura antropológica. Sendo assim, Deus também tem ouvidos e braços por exemplo. Além disso, há uma atribuição a Deus de sentimentos típicos do ser humano como raiva e, porque não, ciúmes. A indicação de não ter “outros deuses fora de mim” (Ex 20,3) é uma relação de fidelidade com Javé. Por outro lado quando há a possibilidade de escolher não ter “outros deuses fora de mim” é porque, em algum momento, há outros deuses que podem ser adorados também.

A religião de Israel demorou em compreender certo monoteísmo (ideia de que há um único Deus). Há quem diga, e eu não sou nenhum especialista em Antigo Testamento, apenas um curioso e apaixonado pela Bíblia, de que sempre houve uma monolatria, ou seja, o envolvimento com um Deus, sem, necessariamente, negar a existência de outros deuses. Exemplo: pois todas as nações andam, cada uma em nome dos seus deuses, mas nós andaremos em nome do Senhor, o nosso Deus, para todo o sempre – Miquéias 4,5.

A crença na existência de outros deuses se deve, possivelmente, ao fato de que deuses eram territoriais, ou seja, geográficos mesmo.  Por essa razão as guerras no Antigo Testamento eram religiosas e quando um povo se sobressaia sobre o outro os elementos de culto ou ritos eram destruídos, houve uma vitória de um deus sobre outro.

Quando Davi é forçado por Saul a deixar o território de Canaã, ele alega que me expulsaram hoje para que eu não tenha parte na herança do Senhor, como que dizendo: vai, serve a outros deuses – 1Sm 26,19. Um Deus geográfico que atuava nas fronteiras do povo de Israel e fora dessas fronteiras havia a possibilidade de estar adorando outros deuses.

A concepção de que Deus possa ser único será um trabalho para o período do cativeiro babilônico, ou seja, o exílio, e mesmo assim ainda é possível haver diversas construções.

Mas vamos ao ponto que gostaria de chegar.

Está havendo hoje uma espécie de Deus geográfico que só age em alguns lugares e só vê determinado tipo de pessoas, geralmente àquelas que são encontradas “fiéis” em doar, fazer “prova de Deus” e que, de alguma maneira, provocou a bênção de Deus e ele se viu na obrigação de abençoar com um carro novo ou com uma casa que o indivíduo nunca teve dinheiro para comprar.

É incrível como a Teologia da Prosperidade vem mascarada em algumas igrejas que promovem campanhas para determinar milagre uma vez que milagre não pode ser determinado ele acontece de maneira inesperada e inusitada e não tem hora marcada e nem local para acontecer, do contrário não seria milagre – isso porque há muita divergência em torno desse tema, milagre. Enfim, a Teologia da Prosperidade quer fazer crer que “Deus” age em determinados locais, na Igreja X ou na Comunidade Y e essa ação de “Deus” é marketing para atrair mais pessoas para a Igreja X ou a Comunidade Y. Parece que fora das fronteiras de determinadas igrejas as “bênçãos” de Deus não acontecem. Que pena de você, o seu lugar é aqui! Não é por mero acaso que há um “apóstolo” que, recentemente, descobriu que tinha uma “quadrilha de pastores” desviando o dinheiro de seus fiéis, faz uso do seguinte slogan: “a mão de Deus está aqui Brasil”. Só ali. Assim como no Antigo Testamento que nos seus primórdios em conhecer a Deus como Javé o concebeu como um Deus territorial.

Só que temos um problema quando nos encontramos com o Deus de Jesus. Ele diz que Deus faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos – Mt 5,45. Em outro lugar ele proíbe pedir bens materiais e diz para buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, que em Mateus tem conotação social, e as demais coisas vão sendo acrescentadas.

Uma coisa ou outra. Ou o Deus geográfico dos teólogos da prosperidade voltou novamente ou o Deus de Jesus está totalmente equivocado. Aí é uma questão de escolha.

4.12.13

A ALEGRIA DO EVANGELHO, OU COMO VOLTAR AO EVANGELHO

A igreja Católica tem uma longa história como instituição religiosa e sua estrutura é extremamente burocrática e hierarquizada.

Ocorre que ao longo de sua trajetória a igreja procurou se reformar para tentar dialogar com o mundo. É claro que há um passado que a coloca em situações delicadas como o episódio de Galileu Galilei (1564-1642) que depois de mais de trezentos anos teve sua reabilitação à igreja conduzida por João Paulo II em 1992.

Não obstante a isso, a maior expressão de diálogo que a igreja procurou fazer ocorreu com o Concílio Vaticano II. A principal tarefa do Concílio foi renovar a igreja. Estava diante de todos a possibilidade de resgatar alguns pontos fundantes da igreja: a noção de ser ela evangélica e sua dimensão missionária.

Embora houvesse contrários ao resultado do Concílio – Bento XVI, por exemplo, quando cardeal J. Ratzinger procurou minimizar as consequências do Concílio principalmente em sua dimensão eclesiológica como “povo de Deus” – o Concílio Vaticano II possibilitou o florescimento da Teologia Latino-americana da Libertação, por exemplo, e contribuiu para avanços significativos em todas as áreas da igreja.

Ao contrário do seu antecessor, o papa Francisco quer ver o Concílio Vaticano II ser concretizado em diferentes direções, a começar pela sua eclesiologia que priorizou uma igreja aberta, ou seja, não uma igreja para si mesma.

Com sua primeira exortação apostólica – um documento com peso menor que de uma encíclica – Francisco a intitula de Evangelli Gaudium – a alegria do evangelho. Nesse texto Francisco pontua algumas questões para a igreja e procura delinear suas colocações a partir do Concílio Vaticano II. Alguns pontos me chamaram atenção porque podem ser aplicados não apenas à igreja Católica, mas a toda a Igreja.

- A igreja deve sair da sua comodidade: uma igreja aberta às pessoas que necessitam e que mais precisam da presença e da luz do Evangelho é uma chamada sempre atual. Uma igreja enclausurada em si mesma não pode desenvolver sua vocação missionária.

- Reformar as estruturas: uma igreja que se estabelece de cima para baixo e que desde Gregório VII, com a chamada reforma gregoriana, passou a ser mais monárquica contraindo as características do Império e transformando preceitos das Escrituras em conceitos jurídicos e legais, é um grande desafio para Francisco que procura encurtar a distância entre clero e fiéis. Tal medida está prevista no Concílio Vaticano II, mas a hierarquia ainda causará dificuldades para que essa igreja seja cada vez mais dos pobres como quer o papa.

Algumas coisas que Francisco me ensina: (1) a chamada para uma igreja em missão é um desafio constante; (2) uma igreja centrada em si mesma é um equivoco em relação ao chamado de Jesus Cristo para sermos seus discípulos e discípulas; (3) procurar pensar e reformar a estrutura da igreja para que ela seja um meio de atuação e não um fim em si mesma é mexer com o sistema que procura se perpetuar para continuar garantindo posições de poder.


Nesse sentido, para se ter a alegria do Evangelho é preciso voltar ao Evangelho e olhar para Jesus como pastor.

19.11.13

DE QUE SEREMOS JULGADOS? O CRITÉRIO DO EVANGELHO DE MATEUS

É claro que na Bíblia, mais especificamente no Novo Testamento, há diferentes perspectivas quanto ao Juízo Final. Paulo, por exemplo, formula a concepção de Juízo Final em 2Co 5,1-10 a partir da parúsia (Παρουσία), ou seja, a expectativa da segunda volta de Cristo. O julgamento, nesse caso, se dá na esperança de estar com Cristo e, sendo essa união ainda impossibilitada, ela orienta a conduta cristã tornando essa realidade (no caso o julgamento) presente na vida do cristão.

No caso do evangelho de Mateus é interessante. Estou olhando aqui a porção do capítulo 25 versos 31-46. Aliás, os capítulos 24 e 25 é uma preciosidade do evangelho de Mateus. Usando uma linguagem apocalíptica, o texto descreve a vida da comunidade de fé fazendo uso de imagens e figuras do mundo judaico. Sucintamente, as “dez virgens” trata da vigilância da comunidade; os “talentos” da produtividade dos membros da comunidade. Aqui irei olhar o último tópico do capítulo 25, o julgamento.

Trata-se de uma parábola, ou seja, não é algo a ser visto como literal. Quer passar uma mensagem. Qual? O amor demonstrado aos pequeninos de Jesus será o critério do julgamento. Na realidade não está se descrevendo algo para o futuro, está se alertando para algo do presente, ou seja, do cotidiano da comunidade de fé. As imagens de pastor com suas ovelhas e cabritos sugere a vivência da comunidade. Tanto um (ovelhas) quanto o outro (cabritos), o critério será a fé vivida (vs. 34-40).

Aqui há uma linguagem de amor, de carinho, de cuidado, de solidariedade para com o próximo.

O mais incrível, é que os justos (ovelhas) não se deram conta de que estavam servindo a Jesus por meio dos pequeninos.

Sede, fome, nudez, enfermidade, prisão e ser estrangeiro. São questões prementes no tempo de Jesus. Hoje temos essas e mais algumas também. E quem não passa por crises na vida? Quem não fica doente? Quem não passa por necessidades básicas como comer, beber e se vestir? Não se trata de ajudar assistencialmente aqui, se trata de respeito e dignidade para com o ser humano. A questão é o modo, a maneira de tratamento entre os irmãos que não querem ser grandes.

No evangelho de Mateus, àqueles que conheceram Jesus não irão estranhar o critério de julgamento do homem de Nazaré. É presumível de que saibam a maneira como Jesus requer o tratamento dos seus irmãos.

A questão do julgamento não poderia servir de elemento de terror entre os irmãos. Não se trata de culpa e medo para o “último dia”. Antes, trata-se de vivência entre irmãos. A parábola quer acentuar mais uma vez: a relação com Deus (=vida) passa pelo outro. O evangelho de Mateus é o evangelho da alteridade. O processo de se colocar no lugar do outro nos torna mais humano. Aqui o visitar alguém em sua necessidade vale mais que frequentar o culto um ano inteiro. Não é por acaso que Tiago será categórico: “a religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades” (1,27).

9.11.13

HERRAR É UMANO

Certa vez, uma pessoa afirmou: Os pastores não podem ficar chateados quando questionados, quando discordam de sua opinião ou quando são contra aquilo que ele está dizendo, pois ele (o pastor) precisa entender que é humano, passivo de erro e por isso tem que ser questionado.

Fiquei pensando na relação que as pessoas têm com o pastor e comparei isso a outros ofícios na sociedade.

Na nossa cidade temos várias oficinas mecânicas, só no nosso bairro muitas delas. Cada pessoa escolhe quem é o seu mecânico e ao menor sinal de barulho no carro elas correm pra lá. O mecânico então dá uma volta com o carro, escuta o motor, abre o capô e dá o seu diagnóstico. É o coxim do motor! Pode trocá-lo e seu problema estará resolvido. Nessa hora o que você faz? Questiona seu mecânico, afinal de contas ele é humano e passivo de erro não é mesmo? NÃO!

Você troca a peça sem pesquisar em outro lugar por vários motivos:

1 - Ele é o seu mecânico, você confia nele, acredita que ele sabe o que faz.

2 - Ele estudou pra isso e você não. Pode ser que ele tenha estudado informalmente, aprendendo de outro mecânico, ou ter feito um curso, não importa, você nunca viu o diploma dele, nunca pediu seu currículo, mas sabe que ele estudou de alguma forma.

3 - Ele tem experiência nisso. Enquanto você trabalha, cuida da casa, produz na empresa, ele está consertando carro. Você não vai questionar alguém experiente como ele.

Embora seu mecânico seja humano provavelmente você não irá questioná-lo. Não são poucas as vezes que temos que trocar mais peças por que não era (só) aquela, ainda sim ele é o nosso mecânico.

Outra profissão em outro extremo do status social é o médico. Nos livros de convênios temos centenas e centenas deles e embora o Brasil esteja carecendo de médicos, vivemos numa região privilegiada com muitos hospitais, postos de saúde, UPAs, etc.

Quando você sente uma dor logo vai ao seu médico. Quando não tem nenhum aceita recomendações de quem você confia e vai até a consulta.

O médico examina, pergunta, afere sua pressão, dá um diagnóstico e diz o que você terá que fazer. Receita um remédio, uma injeção, exercícios físicos, etc.

Nessa hora o que você faz? Questiona seu médico, afinal de contas ele é humano e passivo de erros não é mesmo? NÃO! Você provavelmente não irá a outro médico, apenas seguirá suas orientações, sabe por quê?

1 - Ele é o seu médico, você confia nele, foi muito bem recomendado.

2 - Ele estudou pra isso, fez curso de medicina. Você estudou outra coisa (se é que estudou). Como você poderia questionar um médico?

3 - Ele tem experiência nisso, enquanto você está atendendo clientes, vendendo coisas, projetando peças ele está atendendo pacientes, analisando enfermidades e consultando pessoas. Claro que você não irá questioná-lo.

Voltemos ao pastor. Surge um problema em sua vida ou na igreja. Problemas precisam ser resolvidos e então logo as pessoas começam a se mobilizar e falar a respeito do que devemos fazer para resolver da melhor maneira possível e principalmente dentro da vontade de Deus. Então, o pastor, líder da congregação, escolhido e empoçado pelo povo e acima de tudo escolhido por Deus, dá a sua opinião a respeito do que deveria ser feito. O que você faz? Você irá obedecê-lo pelas seguintes razões:

1 - Ele é o seu pastor, você confia nele, existem várias igrejas na cidade, mas você decidiu estar ali, ser parte daquele corpo, ser pastoreado por aquele pastor. Ninguém o obriga a isso, você escolheu isso, você confia nele.

2 - Ele estudou pra isso. Enquanto você fez, administração, música, pedagogia, enfermagem, medicina ou engenharia mecânica ele decidiu fazer teologia. Ficou quatro anos estudando a bíblia para poder pastoreá-lo. Ele não só estudou pra isso, mas estuda pra isso. Continua a participar de congressos, palestras, ler livros, preparar mensagens, etc. Como você poderia questioná-lo?

3 - Ele tem experiência nisso. Enquanto você está trabalhando, produzindo, pagando contas, pesquisando e vendendo, ele está na igreja. Orando, se preparando, visitando, pensando em como treinar mais líderes, pensando no aniversário da igreja, nos grupos que se reúnem nas casas. O seu final de semana é o dia a dia dele. Você pode até ter 30 anos de igreja, mas quantos anos você já pastoreou? Provavelmente nenhum. A experiência do mais jovem pastor, nesse caso, excede a do mais velho membro da igreja. Ainda tem outros motivos pelos quais você irá obedecê-lo que nem seu médico e nem seu mecânico tem.

4 - A Bíblia manda você obedecê-lo.

Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês (Hb 13,17).

A Bíblia não manda você obedecer ao mecânico ou ao médico, mas manda você obedecer aos seus líderes. Além dos argumentos humanos, o argumento bíblico nos fará obedecer.

5- Um último motivo pelo qual, com certeza, vamos dar ouvidos ao pastor, é porque cremos que Deus capacita seus líderes para abençoar seu povo. Gideão não era tão inteligente para armar uma estratégia capaz de vencer milhares e milhares de soldados com apenas 300 homens, mas Deus o capacitou. Davi não era tão forte para vencer um gigante, mas Deus o capacitou. Cremos que mesmo não sendo tão forte, tão esperto ou tão inteligente, Deus escolheu o pastor e irá capacitá-lo. Quando quero ver alguma mudança nos jovens eu falo com o líder de jovens, quando quero ver alguma mudança no louvor eu falo com o líder do louvor. Creio que quando Deus deseja uma mudança na igreja Ele também fala e coloca o desejo no coração do pastor. Se não fosse o poder sobrenatural de Deus na vida dos pastores, com certeza o ministério não seria possível. Acreditamos que antes de escolhermos um pastor Deus já o escolheu.

Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência (Jr 3,15).

Depois de todos estes argumentos, claro, quando o pastor falar o que você irá fazer? Irá obedecê-lo. NÃO! Você irá questioná-lo, afinal de contas o pastor é humano e passivo de erro.

Não deixaria a minha missão de pastorear para ser mecânico ou médico. Como Paulo diz a Timóteo, acredito que escolhi a mais nobre função que alguém poderia escolher. Sei que sou humano e passivo de erro e por isso não quero mandar em tudo e em todos e nem quero uma submissão cega. Só gostaria de ter um pouco daquilo que as ovelhas dão sem reservas a médicos e mecânicos, mas que às vezes esquece-se de dar ao pastor: RESPEITO!

Nei Nascimento
Amigo pessoal e pastor da Igreja Batista Bom Retiro – Sumaré/SP

1.11.13

E POR FALAR EM REVELAÇÃO

Revelar é mostrar, ou apontar, para um aquém. Pelo menos é assim que a palavra (conceito) desde Heródoto veio a significar, ou seja, desvendar, manifestar.

A linguagem é meio indispensável para a comunicação e as palavras servem para nomear, narrar, conceituar experiências que vivenciamos. Sem a linguagem não haveria a organização do nosso “mundo”, ela define o que somos e o que pensamos. O filósofo Wittgenstein, estudioso da linguagem, vai dizer que no jogo de linguagem é o aprendiz que dá nome aos objetos (coisas). Ainda lidamos com a dialética no pensamento ocidental, por culpa dos gregos, e sempre estamos tentando decifrar a coisa, ou seja, o objeto visto, experienciável. Rubem Alves, leitor de Wittgenstein, irá acentuar de que as “linguagens são construções da realidade”, sendo assim, a linguagem exerce um domínio, uma força que, de alguma maneira, nos aprisiona, e, ainda com o mineiro que é campineiro, ela nos enfeitiça. Em suma, toda a reflexão, seja que nome possa dar, é fruto de uma linguagem que exprime nossos palpites sobre o “mundo” ou acerca dele.

A palavra revelação, e sua tradução, sendo uma herança dos gregos também, é uma linguagem que procura expressar aquilo que estava encoberto e veio à tona, o que estava oculto e foi possível desocultar. A palavra revelação ficou tão restrita ao campo religioso, no caso aqui ao cristianismo desde o primeiro século, que a filosofia prefere o termo desvendamento por conta da ambiguidade etimológica da palavra.

O Novo Testamento (NT) é linguagem e o grego está na sua construção. Sendo assim, o NT é fruto de uma linguagem e, portanto, procura decifrar experiências que pessoas tiveram com o Deus de Israel e, posteriormente, com Jesus de Nazaré. Nesse sentido a linguagem expressa, ou, de alguma maneira, procura decifrar aquilo que essas pessoas vivenciaram.

Tendo isso como pressuposto, a Bíblia (o texto) em si não seria a revelação. Essa afirmativa pode chocar alguns por achar que ela, a Bíblia, é a Palavra de Deus enquanto letra. Está aí mais uma tremenda confusão, pelo menos para mim. Palavra de Deus não pode ser texto, ou seja, linguagem, esta, a linguagem, expressa àquilo que se vivenciou e não pode ser um instrumento em si puramente, mas um apontar para. Neste sentido a Palavra de Deus é uma pessoa e não um texto. O texto só foi possível porque houve uma pessoa e não ao contrário. A carta aos Hebreus (1,1-2), por exemplo, deixa isso bem claro: “nestes últimos dias nos falou pelo Filho”. Em Colossenses (1,15) temos a seguinte afirmativa: “ele (Jesus) é a imagem do Deus invisível”. Os exemplos bíblicos podem ser multiplicados facilmente e o exemplo mais cabal disso é a questão de Filipe com Jesus: mostra-nos o Pai (Jo 14,8-9).

A revelação não é a linguagem do texto, mas uma pessoa. A linguagem é usada para expressar aquilo que está diante dos olhos e mesmo assim ela ainda não dá conta: “o que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, com respeito ao verbo (palavra = logos) da vida” (1Jo 1,1).

A revelação de Deus só é possível em uma pessoa, Jesus. E este, não ensinou sobre a onipotência, onisciência e a onipresença de Deus, aliás, uma linguagem adotada a partir de conceitos gregos, linguagem essa que o NT não usou e muito menos Jesus para falar do Deus Pai.  

11.10.13

PAI, NOS LIVRE DE SERMOS GRANDES

O capítulo 18 do Evangelho de Mateus é conhecido como o “Sermão Comunitário”. É um capítulo magnífico do ponto de vista da comunidade que se reúne em torno de Jesus, mas que tem os seus problemas, conflitos, alegrias e confrarias.

O texto abre com uma pergunta dos discípulos de Jesus: “quem é o maior no reino dos Céus?”. Em outras palavras, quem poderia ser o melhor, ou exercer poder entre nós?

A comunidade de Jesus estava ganhando notoriedade e, como algo consequente da interação humana, a disputa por poder dentro da comunidade estava sendo o foco.

Um estudioso do tema, poder, é o francês Michel Foucault, alguém que estudou a relação de poder e seus desdobramentos na construção social, produzindo dois textos sobre o assunto: Vigiar e punir e Microfísica do poder. Para ele o poder se dá na relação entre saber e poder. O seu esquema, naturalmente, é pensando a partir da construção da sociedade contemporânea, mas Foucault deixa bem claro que essa relação envolve todos os aspectos da atividade humana. Voltando para o nosso texto mateano, a pergunta quem é o maior no reino dos Céus remete a uma relação de proximidade e conhecimento de alguns discípulos com Jesus. Quem está mais próximo de Jesus, neste caso, pode chegar a se considerar que sabe mais que os outros que não estão tão próximos assim, desta forma os primeiros tem prerrogativas, que consideram naturais, para exercer certo controle sobre os outros.

Essa lógica de poder que domina uns aos outros e procura controlar a dinâmica da ekklesia, não cabe na comunidade que Jesus é o Senhor. A comunidade é pensada a partir dos pequeninos, é pensada a partir das crianças. O que ressalta aqui é a condição metafórica da criança. Crianças são dependentes; elas não têm pretensão de poder e dominação. Apenas sendo criança que se entra no reino dos Céus. Esse é o caminho, tornar-se como crianças. Não é se tornar santos, heróis, fiéis praticantes da Lei e do culto, mas crianças.

Na igreja temos o Altar e o Livro (Bíblia), elementos que são facilmente manipulados por àqueles que querem exercer o poder, controlar de alguma forma a dinâmica da comunidade ou, até mesmo, não permitir que a comunidade tenha fluidez do Espírito. Daí quem acha que administra o Altar ou quem lê o Livro, pode achar que, por essa proximidade, tem mais conhecimento, sabe mais, ter a pretensão em querer dominar os demais. É uma pena.

É preciso ser criança, se rebaixar mesmo, ser um baixinho na comunidade. Aliás, os adultos deveriam aprender com as crianças, principalmente na sua sinceridade, quando crescemos aprendemos a mascarar sentimentos nos tornando-nos pessoas que perdem o lúdico na caminhada da vida, infelizmente.

No texto de Mateus, Jesus nos pede para nos rebaixar, nos colocar na mesma altura da criança, para poder olhar nos olhos dela, para poder deixar bem claro que ela não precisa ser “grande”. E ser “grande” é uma preocupação dos adultos e eles transferem essa obsessão às crianças principalmente quando perguntam: “o que você vai ser quando for grande?”, uma pergunta um tanto inútil. É hora de ser criança e os adultos aprenderem com elas, pois somente assim entraremos no reino dos Céus quando ficarmos tranquilos no colo do Pai.

Nesta semana das crianças, compartilho minha oração com você: Pai, me livre ser grande.

5.10.13

O EVANGELHO DA “VITÓRIA”

O evangelho da “vitória” está ganhando cada vez mais adeptos. Igrejas pequenas e grandes adotam o discurso da “vitória” para vencer o páreo: quem cresce mais.

Depois do sucesso editorial da “Bíblia de Estudo – Batalha Espiritual e Vitória Financeira” (Central Gospel), surgiram outras bíblias de estudo para cada situação e com temas mais variados possíveis. Agora no mercado gospel a “Bíblia da Mulher Vitoriosa” (Central Gospel).

O evangelho da “vitória” foca, principalmente, a questão financeira. “Crente” vitorioso é àquele que tem sucesso financeiro, seguindo conquistando “bênçãos” em todas as áreas da vida, principalmente patrimonial.

A “Bíblia de Estudo – Batalha Espiritual e Vitória Financeira”, do televisivo Silas Malafaia, custou num primeiro momento R$ 900,00. Morris Cerullo é o principal articulador nas notas da tal Bíblia e uma das ênfases é de que pobreza é o mesmo que escravidão. Confira:

Pobreza é escravidão! Ela amarra as pessoas, impedindo-as de terem as coisas que necessitam. A pobreza leva à depressão e ao medo. Não é a vontade de Deus que você viva na escravidão da pobreza. É hora de Deus acabar com a escravidão das dívidas e da pobreza no meio do seu povo! É chegado o momento da liberação de uma unção financeira especial, que quebrará as cadeias da escassez e o capacitará a colher com abundância! (Bíblia de Estudo – Batalha Espiritual e Vitória Financeira)

É incrível, mas houve um retrocesso teológico inimaginável. Outrora deixamos de ser escravos do pecado (como diz Paulo) e passamos a ser escravos da pobreza (como diz Cerullo).

O evangelho da “vitória” ignora algo na trajetória de Jesus Cristo que é fundamental: ele foi um judeu pobre de uma Galileia pobre! Por mais que o senhor Abílio Santana diga que Jesus tinha “casa na praia” e era riquíssimo, os evangelhos dizem outra coisa: as raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça (Lc 9,58).

Cristo foi vitorioso, mas não financeiramente. Ele venceu a morte e garantiu de que ela não vencerá outra vez:

Onde está, ó morte,
a sua vitória?
Onde está, ó morte,
o seu aguilhão?
1Co 15,55

O evangelho da “vitória” já perdeu há muito tempo a mensagem de Jesus. Não é por acaso que as principais igrejas neopentecostais pregam em cima do Antigo Testamento (Primeiro Testamento). Se elas pregassem em cima dos evangelhos com certeza teriam dificuldades para manter o evangelho da “vitória”. Nos evangelhos Jesus viveu como pobre e morreu como pobre – nem mesmo túmulo tinha para ser enterrado, precisou do rico José de Arimatéia –, e ainda dependia financeiramente das mulheres para manter seu ministério itinerante. Sendo assim, fica difícil manter um evangelho da “vitória” quando o seu principal personagem, Jesus Cristo, era pobre e venceu na vida, ou seja, a morte. 

12.8.13

E SE FOSSE ASSIM...

“Gastamos todo o tempo em que estamos juntos passando a ferro as inúmeras e pequenas questões que dizem respeito à perpetuação da instituição (igreja)” – Paulo Brabo.[1]

Quando li essa frase de Brabo pensei: e se fosse diferente?

Hoje as pessoas na igreja (como instituição), gastam um tempo enorme discutindo questões triviais e supérfluas em torno de temas que, na sua grande maioria, não tem nada a ver com o Reino de Deus, com o fazer discípulas e discípulos de Jesus. É gente que adora ficar em reuniões intermináveis querendo saber se a cor do templo será azul ou amarelo; é gente que gosta de discutir se o programa X irá mesmo ocorrer e se ele não acontece alguém é o culpado, geralmente o pastor, para não fugir a regra; é gente que se preocupa muito mais com o horário do culto do que propriamente com o culto; é gente que gosta de cobrar a presença de pessoas nos encontros de estudos bíblicos, nossa famosa EBD, mas não consegue vivenciar no dia a dia a tolerância, o amor fraternal e o perdão.

É por essas e outras razões que levou Paulo Brabo a dizer: “o lugar (templo) em que o cristão está servindo passa a significar mais do que o modo (a exemplo de Jesus) como ele está servindo”. O templo, o ajuntamento, não é visto como um lugar de festa, mas sim de obrigações. Quando se entende que igreja é mais um lugar de obrigações do que de ajuntamento, o legalismo e o tradicionalismo tem assento permanente.

E se fosse assim...

 - Um lugar onde as pessoas ficassem chateadas, aborrecidas e, até mesmo magoadas, se não ocorresse aquele abraço no momento do culto;
 - Um lugar onde todos reclamassem em alto e bom som se a reflexão bíblica não tentasse imprimir na vida o agir de Jesus e sua maneira de enxergar o Reino de Deus;
 - Um lugar onde as pessoas observassem bem os participantes da celebração e quando notassem que aquele irmão ou irmã não estava presente, quando em casa a primeira coisa que fariam era pegar o telefone e ligar para saber se estava tudo bem e se precisa de algo;
 - Um lugar onde as pessoas pudessem se amar ao ponto de se importar menos com as regras e mais com o ser humano.

Esse lugar existe e o Novo Testamento chama de IGREJA.

Igreja existe para adorar a Deus e procurar vivenciar o mais próximo possível a caminhada de Jesus. Ele, Jesus, mantinha a agenda livre porque estava disponível às pessoas. A igreja de hoje mantém-se ocupada, mas tão ocupada com os seus programas e reuniões importantes que não pode estar disponível nem mesmo para os próprios irmãos. Essa, com certeza, não é a igreja que Jesus pretendia ter.

O livro do teólogo alemão Gerhard Lohfink[2] tem um título interessante: Como Jesus queria as comunidades? Ele diz que as comunidades de Jesus, por terem o seu Espírito, seriam comunidades de seguidoras e seguidores de Jesus. Comunidades em que o principal objetivo é amar, incondicionalmente, amar.

Ah se fosse assim...
             

[1] BRABO, Paulo. Instituições, disciplinas e a geografia da devoção. In. GOUVÊA, Ricardo Quadros (Org.). O que eles estão falando da igreja. São Paulo: Fonte Editorial, 2011, p. 61-70.    
[2] LOHFINK, Gerhard. Como Jesus queria as comunidades?: a dimensão social da fé cristã. São Paulo: Paulinas, 1986. 

1.8.13

APONTAMENTOS EM TORNO DO CONGRESSO DE ECLESIOLOGIA 2013 DA CBESP

A Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) vem se notabilizando com uma iniciativa interessante, repensar conceitos eclesiológicos a partir da teologia, história e cultura, ou seja, a iniciativa é refletir sobre o papel da igreja em uma cultura mutante e uma religiosidade plural.

O Congrego de Eclesiologia 2013 teve como participantes/preletores Josué Melo Salgado e meu amigo Jorge Pinheiro. No primeiro Congresso (em 2012) tive o prazer de ser parte da Comissão de Parecer. Neste Congresso teve, atendendo ao pedido da Comissão do primeiro Congresso, apenas dois palestrantes para um maior tempo de reflexão e debate. Neste foram abordados temas que no primeiro já haviam sido ventilados: pastorado feminino, representatividade batista, teologia salvacionista, modelos eclesiológicos e afins. Confesso que esperava algo mais apurado neste último Congresso, até porque tinha como palestrante Jorge Pinheiro, um dos teólogos batistas que, juntamente com Alessandro Rocha (do Rio de Janeiro), vem se destacando pela profícua produção teológica e intelectual no protestantismo brasileiro e no meio batista.

Em relação ao Congresso 2013, algumas questões ficaram mais evidentes. É bem-vinda a orientação quanto ao recebimento de pessoas que querem ser batizadas e a legalização do casamento impede. Quantas pessoas não se tornaram membros de uma igreja porque o cônjuge não quer oficializar o casamento e essa pessoa, na maioria mulheres, não pode participar da comunhão (ceia) porque ainda não foi batizada. O Documento do Congresso traz:

Batismo de pessoas não casadas civilmente - O batismo é uma ordenança bíblica que a igreja deve cumprir e todos aqueles que decidem se tornar discípulos de Cristo devem ser batizados (como ordenança não cumpri-la é pecado). O casamento é instituição divina antes do estabelecimento das culturas, da igreja e do Estado. Cada cultura e período da história (embora com suas próprias variações) demonstraram reconhecimento social do casamento formal, como compromisso de companheirismo para toda a vida. A igreja deve reafirmar o casamento e a família como instituição divina e como ideal divino para o bem estar da pessoa e da sociedade. Deve também ministrar o batismo para todo aquele que professa sua fé em Cristo e apresenta sinais de novo nascimento através de um novo modo de pensar e agir em conformidade com a vontade de Deus. Não deve, entretanto, descumprir esta ordenança, deixando de batizar aqueles que, não estando casados civilmente também estejam impossibilitados de resolver sua situação (como nos casos em que o cônjuge não crente resiste à formalização do compromisso). Neste sentido, cada caso deve ser avaliado com cuidado pela igreja.

Esse é um passo importante. Apesar de saber que algumas igrejas já vêm procedendo desta forma, o Congresso (lê-se CBESP), apenas contribuiu para disseminar algo que muitas igrejas do Estado de São Paulo vêm realizando, ou seja, dá a oportunidade de pessoas que entregaram as suas vidas à Cristo, passaram a frequentar a comunidade de fé, a contribuir e participar de atividades e eventos na igreja, mas não podiam participar daquilo que nos define e nos torna igreja, a Ceia do Senhor, ou seja, a Celebração da Comunhão. O que impedia? Um casamento consolidado há anos, mas não formalizado, mas que o Estado entende como União Estável.

Excetuando isso, a eclesiologia que se mostrou no Documento do Congresso ainda toca em assuntos que são comuns a um grupo fechado com uma linguagem hermética que apenas os iniciados dominam.

Infelizmente ainda existem discussões em torno da “unção com óleo”, algo tão irrisório para o contexto atual do mundo e da igreja. Outra tolice sem precedentes é a questão de novos “apóstolos” e “bispos” no ambiente batista. Isso é baixo. Chega a ser ridículo. Já não basta às bizarrices do neopentecostalismo mais tacanha que há no país com sua vertente midiática protagonizando uma disputa de poder pelo campo religioso e agora ter que ver em ambiente batista alguns que se acham portadores de uma “espiritualidade” que chega a ser gnóstica se chamando de “apóstolo” ou “bispo”! Francamente isso demonstra ainda mais a ausência de uma agenda que realmente importa para a sociedade e o Evangelho.

Infelizmente o Congresso vem demostrar que questões miúdas ainda ocupam púlpitos e mentes de pastores e líderes que não estão nutrindo uma teologia holística, mas sim uma microfísica do poder (Michel Foucault) dentro de seus guetos eclesiásticos.


É uma pena que assuntos como “unção com óleo” e “clube apostólico” com sede nos Estados Unidos (e nem mesmo em Jerusalém é) tenha ocupado o tempo e a reflexão de gente que deveria estar contribuindo ainda mais para uma leitura contemporânea do Evangelho de Cristo na nossa cultura. Enquanto isso, continuamos cultivando uma igreja fechada em si mesma travando disputas de poder (“unção com óleo” e “apóstolos”), enquanto Cristo deixou o exemplo: quem quiser ser “grande”, seja escravo. 

2.6.13

UMA EBD PARA ALÉM DO DOMINGO

Encontro de Capacitação e Comunhão – AIBAVAR – Igreja Batista em Iguape, 01 de Junho de 2013

Introdução
A Reforma Protestante colocou na Bíblia a responsabilidade de dirigir a vida da igreja e das pessoas. Sendo ela importante para a comunidade de fé, era preciso ler a Bíblia, mas para ler era preciso ser alfabetizado. Ocorre que na Europa de então, século 16 e 17, boa parte da população era analfabeta. Diante disso, a ênfase dos reformadores, principalmente Lutero e Calvino, se deu na educação formal. Calvino, por exemplo, fundou, em 1559, a Universidade de Genebra, Suíça.

Pensando sobre a Escola Bíblica Dominical (EBD), é preciso entender de onde ela surgiu e por que, para que, depois, pudéssemos sugerir algumas propostas para uma EBD que vá além dos domingos de manhã.

Por que temos uma EBD? Aspectos históricos
Há princípio a EBD começa com Robert Raikes, um inglês redator e produtor do Gloucester Journal. Incomodado com a situação de delinquência infantil que assolava a Inglaterra, sobretudo sua vizinhança, decidiu em 1780 sair às ruas e convidar crianças pobres para que aos domingos fosse à sua casa aprender aritmética, princípios morais e cívicos, gramática e leitura utilizando a Bíblia. A origem da EBD, como seria chamada posteriormente, se dá em função dos menos favorecidos, sobretudo crianças pobres e iletradas, e que a utilização da Bíblia no ensino se deu não com o intuito de ensinar a Bíblia em seu caráter doutrinário ou como um fim em si mesmo. Ao contrário, a EBD de Raikes fazia do ensino através da Bíblia um meio de libertação da condição indigna, de fortalecimento da cidadania e da humanização das crianças carentes de Gloucester e consequentemente de toda aquela comunidade.

William Fox, rico diácono batista, negociante por ofício, mesmo desconhecendo o projeto de Raikes, iniciou também em outra parte da Inglaterra o ensino essencialmente bíblico a crianças durante a semana. Juntamente com o apoio de leigos batistas, Fox fundou em 1785 a Sociedade de Escolas Dominicais com o propósito de divulgar a ideia em todo o território inglês.

O movimento repercutiu de tal forma que John Wesley logo adotou a Escola Dominical na igreja que viria a ser a Igreja Metodista, além de a própria rainha da Inglaterra ter convidado Raikes para conhecer e apoiar o desenvolvimento da “nova cruzada”, como ela entendia. Mais tarde as desconfianças foram dissipadas, os resultados positivos surgiram e o governo inglês assumiu a responsabilidade de educar as crianças. A escola pública inglesa, portanto, surgiu da Escola Dominical de Raikes.

Nos EUA ocorreram resistências à nova ideia de ensino, principalmente por ser entendida como profanação ao domingo. Entretanto, a Escola Dominical se instalou em território norte-americano, mais de um século depois da Inglaterra. Em 1891, foi organizada a Junta de Escolas Dominicais dos Batistas do Sul dos EUA que por muitos anos foi a maior agência de divulgação e publicação de literatura religiosa do mundo.

A Escola Dominical brasileira (há disputas quanto a isso) começou em 19 de Agosto de 1855, em Petrópolis (RJ), sob a direção dos missionários escoceses, Pr. Robert Kalley e sua esposa Sara (Igreja Evangélica Fluminense, Rio de Janeiro). Naquele domingo, cinco crianças foram à aula e, com o crescimento das atividades, as classes passaram a ser em português, alemão e inglês.

A EBD que os missionários norte-americanos implantaram no Brasil – diferentemente da Inglaterra, exceção do casal Kalley onde o foco foi às crianças –, se tornou um instrumento de evangelização e doutrinamento. Além disso, o sistema de ensino e organização da EBD copiou o sistema educacional secular norte-americano. Deste modo, a EBD que se configurou aqui teve como marcas: a burocracia, a ênfase no professor e no conteúdo e uma estrutura dividida em cargos e funções (diretor, secretário). Essa EBD apregoou o cálculo como meio para medir a eficiência, daí os relatórios no final da EBD para saber quantas bíblias, quem leu a lição... Isso para medir o número de faltosos e assim poder calcular o “aprendizado” sobre Deus.

A EBD que temos hoje, seu conteúdo é sistematicamente repetitivo; o peso da “aula” recai sobre o professor, que precisa dominar o conteúdo, inclusive ter noções de hebraico, grego e latim; o foco é ensinar doutrinas, como se apenas isso fosse o suficiente para que as pessoas se tornem discípulas e discípulos de Jesus; o “professor” é um mero transmissor de conhecimento; o conteúdo, geralmente, é dissociado da vida cotidiana.

Esse sistema de ensino se assemelha ao que Paulo Freire, educador brasileiro de renome internacional, chamou de educação bancária. Concepção de que os alunos são meramente depositários do “saber” do professor – recebem, memorizam e repetem. Educação bancária se dá nisso: o aluno recebe os depósitos, guarda-os e arquiva. Nesse sistema não há criatividade, transformação.

Propostas pedagógicas

“Ouço, e esqueço; vejo, e guardo na memória; faço, e compreendo” – provérbio chinês.

Uma EBD para além dos domingos de manhã precisa ter um conteúdo contextualizado, ou seja, um conteúdo que leve a sério as novas tecnologias na formulação do discurso; um conteúdo que saiba ler os “sinais dos tempos”, que tenha percepção do que está acontecendo e de como a igreja, comunidade de fé, pode refletir, questionar, sugerir; um conteúdo que enxergue as situações do cotidiano de cada localidade, ou seja, que seja acessível, que fale a língua de quem está ouvindo.

Em uma EBD que não fique apenas nos domingos, o professor seria um facilitador. Ele não teria a primazia no processo de reflexão; não haveria um monólogo, mas sim um diálogo.

E por fim, uma EBD mais humana que olhasse a integralidade do ser humano, ou seja, a sua condição física, biológica, psicológica e social. Não é apenas uma questão doutrinária, mas um conjunto de fatores que fazem parte do ser humano. Uma EBD holística viabiliza temáticas que insira a igreja na sociedade, para que a prática do que foi refletido seja uma possibilidade. Em uma EBD integral a estrutura física será menos importante, as pessoas que serão.

Para que essas propostas seja uma possibilidade, a escolha da literatura é importante. Essa literatura precisa acompanhar esses desafios e se, por algum motivo, ela não consegue contemplar essas iniciativas, deve se buscar outras que assim faça. Isso, somado à didática do amor, será possível pensar uma EBD para além dos domingos de manhã.

2.5.13

A PROPÓSITO DA NOTA DE ESCLARECIMENTO DA ORDEM DOS PASTORES BATISTAS DO BRASIL SEÇÃO SP

Não é novidade nenhuma que na Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Seção SP, da qual faço parte, há, em sua grande maioria, pastores e líderes denominacionais que recusam veementemente a ordenação feminina. Mediante diversos fóruns de debate, a OPBB-SP estabeleceu um posicionamento muito claro sobre esse assunto, ou seja, contrária ao ministério pastoral feminino. Além disso, a OPBB-SP considera o assunto superado, não cabendo mais discussão em âmbito nacional e estadual. Legítimo! Esse é o posicionamento da maioria.

Agora, é sabido também que pastores filiados à OPBB-SP são favoráveis à ordenação feminina e procuram externar suas opiniões de diversas maneiras. Esses pastores, assim como os contrários, também têm suas razões para serem favoráveis, tendo, igualmente, o legítimo direito de divergir do posicionamento da OPBB-SP. Esse é o espírito dos batistas.

Sendo assim, mesmo sendo a OPBB-SP uma instituição que representa os pastores e tem todo o direito de emitir sua opinião diante de assuntos e temas discutidos previamente, ela não tem o direito e nem pode tutelar a opinião e posicionamento de filiados que não concordam com suas definições! A OPBB-SP não tem a tarefa de eliminar opiniões que a maioria não aprova.

Falo isso, porque a OPBB-SP emitiu uma NOTA DE ESCLARECIMENTO, veiculada na Internet como no Jornal Comunhão, sobre a indicação da Pra. Diana Flávia à diretoria da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil em Aracaju/SE por um filiado da OPBB-SP. Transcrevo parte da nota:

Filiação de Pastoras
Nota de Esclarecimento da OPBB-SP
 A SEÇÃO SÃO PAULO DA OPBB, através de sua Diretoria 2012/2013 também vem a publico esclarecer que:
Causou estranheza aos membros da Diretoria da Seção São Paulo 2012-2013, presentes na Assembleia Anual da OPBB em Aracaju/SE, a indicação do nome da Pra Diana Flávia para concorrer a Secretaria da Diretoria da OPBB, especialmente, por um filiado na Seção São Paulo, uma vez que a Seção já realizou fóruns no qual a maioria dos pastores rejeitou a filiação de pastoras, entende esta atitude como inconveniente.

São Paulo, 1º de Fevereiro de 2013
Diretoria da OPBB-SP 2012/2013

Retirado do Site http://www.opbb-sp.org.br

O que me causa estranheza é a OPBB-SP querer cercear o direito de alguém emitir sua opinião em uma Assembleia Anual da OPBB porque a Seção SP já realizou fóruns no qual a maioria dos pastores rejeitou a filiação de pastoras. A OPBB-SP, por meio de seus fóruns, rejeitar a filiação de pastoras é completamente coerente; agora, impor suas reflexões e conclusões aos pastores filiados e ainda inibir a livre opinião da divergência, é outra coisa totalmente diferente! Isso sim é estranho.

21.4.13

O ESPÍRITO SANTO: ATUALIZADOR DA PRÁXIS DE JESUS

José Comblin é, indubitavelmente, um dos mais conhecidos teólogos na América Latina e no mundo. Sua vasta produção bibliográfica o colocou na lista dos teólogos mais importantes da teologia latino-americana da libertação. Falecido em Março de 2011, Comblin deixou uma profícua reflexão em torno do tema da pneumatologia. A sua última obra, editada postumamente, leva o seguinte título: O Espírito Santo e a tradição de Jesus. São Bernardo do Campo: Nhanduti, 2012. O livro é um ajuntamento de vários textos que Comblin vinha trabalho sobre o Espírito Santo e sua relação com Jesus e, como consequência, com os discípulos de Jesus, ou seja, com a igreja de Jesus.

Uma frase chamou-me atenção no livro de Comblin: “pois Jesus foi a revelação do Pai, mas essa revelação somente pode ser entendida pelo Espírito Santo. Somente podemos entender Jesus agindo como ele”. Nesta frase há alguns enfoques seminais sobre a pneumatologia que passo a destacar brevemente.

O Novo Testamento sempre deixou muito claro que Jesus é a revelação de Deus. Por mais que alguns queiram colocar a Bíblia como revelação de Deus, o Novo Testamento parte do pressuposto de que Jesus revelou a Deus Pai planamente: Jo 14,9 – quem me vê a mim, vê o Pai. A revelação, portanto, não é um texto, é uma pessoa – Jesus de Nazaré. Como Jesus revelou o Pai? Agindo, curando, ensinando, se relacionando, comendo junto, bebendo junto, participando de festas, andando com os marginalizados e etc. Tudo isso e muito mais é Jesus! A novidade teológica de Comblin é que essa revelação só pode ser entendida pelo Espírito Santo. A questão é como se dá esse entendimento. Há princípio não é um entendimento intelectual de aprender lendo apenas. Também não é um entendimento meramente racional, ou seja, é preciso ir além da mera letra, é preciso agir como Jesus. Para que a revelação de Jesus sobre o Pai seja entendida por nós – seus discípulos hoje –, se dá por meio do Espírito Santo, mas se não for possível compreender como o Espírito Santo atualiza a prática de Jesus, a revelação que Jesus faz do Pai não será entendida.

Jesus – enquanto portador da mensagem do Reino de Deus – buscou estar aberto ao outro em suas necessidades e problemas. A missão de seus discípulos foi em seguir os passos do Mestre, reproduzindo sua práxis em situações históricas diante de outros contextos e circunstâncias. Aos discípulos de hoje só é possível entender Jesus por meio do Espírito Santo, e para isso é preciso entender como o Espírito Santo age nos discípulos de Jesus. Se Jesus foi abertura incondicional ao outro, ou seja, ao próximo, o Espírito Santo é essa força (δυναμις = Dunamis) que possibilita ao discípulo a abertura para o outro, porque a tendência geral do ser humano é o fechamento em si mesmo no egoísmo. No entendimento da revelação e no agir como Jesus é que se dá a atuação do Espírito Santo.

Diante disso, a ideia de que as pessoas precisam aprender doutrinas porque assim elas entenderão Jesus é apenas menos da metade. Doutrina, não necessariamente, ajuda a entender o agir de Jesus. O entendimento racional sobre Jesus é possível, mas a sua práxis é que é fundamental. Sem a práxis de Jesus não é possível entender Jesus plenamente. A atualização da práxis de Jesus é o Espírito Santo que realiza com sua força que impulsiona o discípulo a agir como ele.

18.3.13

CRESCER PARA BAIXO – A LÓGICA DA COMUNIDADE DE MATEUS

Reflexão em Mateus 20,17-28

Tenho refletido com a comunidade a partir do evangelho de Mateus. Um texto riquíssimo que aborda a comunidade (igreja, Mt 16,18) que está por trás do evangelho. Quando se cria a noção de que o texto tem um sujeito (autor ou autores do evangelho) e um objeto (a comunidade de fé), a leitura tem um sentido surpreendente. É isso que procuro fazer a partir da mensagem expositiva.

Em nossa última reflexão tratei do capítulo 20,17-28. Texto que em Mateus ganha conotação comunitária, diferente de Marcos, por exemplo, em que o mesmo texto tem a função de ensinar os discípulos o caminho de Jesus, ou seja, a cruz.

Pensando em “crescimento espiritual” percebo certa confusão quanto ao sentido disso. Se dermos uma olhada panorâmica nos principais segmentos denominados de “evangélicos”, podemos perceber que cada um deles tem uma concepção própria do que seria “crescimento espiritual”.

Para os neo-pentecostais “crescimento espiritual” é sinônimo de bênçãos financeiras. Quando se obtém alguma benesse econômica significa que Deus está ajudando a crescer e isso é sinal de que ele (Deus) está prosperando e fazendo o negócio crescer. Já para os irmãos pentecostais a evidência de “crescimento espiritual” está ligada a posse do Espírito Santo. Quanto mais o irmão é “cheio” do Espírito Santo, ele tem “poder” e o falar em línguas dá legitimidade para ser visto pelos outros (irmãos da comunidade) como o “ungido” e detentor de certas credenciais espirituais. Tanto para um (os neo-pentecostais  quanto para o outro (os pentecostais), “crescimento espiritual” é baseado em algo subjetivo, individualista mesmo. Tanto a bênção financeira quanto a posse, e suas consequências, do Espírito Santo são interpretadas como “crescimento espiritual” e, não seria um contrassenso, sempre no sentido de ser para cima, nunca para baixo.

No caso do protestantismo “crescimento espiritual” é sinônimo de ativismo na igreja (lê-se templo e suas atividades, programas e organizações). Quanto mais atividade e envolvimento em alguma coisa da igreja, mais a sensação de que esta crescendo espiritualmente. Daí a cobrança para com aqueles que não frequentam os cultos e reuniões assiduamente tendo, como consequência desse policiamento, a concepção de que uma vez não presente significa que não vai bem espiritualmente. Com isso não estou dizendo que o ajuntamento para a celebração não seja importante, estou dizendo que quando o critério de santidade passa pela obrigação do estar junto ele perdeu o seu foco.

Bem, para a comunidade de Mateus a lógica do dito “crescimento espiritual” não é para cima, e sim para baixo. Não há relação de poder, ou seja, quando a vontade de alguém, ou de um determinado grupo, impõe sobre os outros. O que há na comunidade é uma relação servil. Para a comunidade de Mateus o caminho para ser “grande” – se é possível isso dentro da comunidade –, passa por baixo, ser servo. Servir é fazer algo em benefício do outro. É doar-se ao outro sem arrogância ou prepotência. Quem quiser ser importante (versão da NVI) deverá ser servo; quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo. Para Mateus crescer é para baixo e não para cima.

Se quisermos saber o quanto estamos crescendo espiritualmente, basta avaliarmos o quanto de servo estamos nos tornando.

3.3.13

DEVERIA SER ASSIM: O SERMÃO DO MONTE EM MATEUS

Já vimos que o Evangelho de Mateus, dentre os evangelhos sinóticos, é o mais judaico. Ele visa fazer uma releitura do Antigo Testamento colocando pontos comuns para a sua comunidade de fé. Daí essa semelhança, por exemplo, de Jesus com Moisés, onde o autor/es de Mateus faz um paralelo entre Jesus e o grande ícone do Antigo Testamento. Assim como Moisés vai para o Egito, Jesus também; assim como o Faraó mata recém-nascidos no Egito, Herodes faz o mesmo na Judéia; assim como Moisés sobe ao Monte Sinai e traz os Dez Mandamentos ao povo, Jesus sobe no monte e proclama as bem-aventuranças, e tem que ser dez também.         

Uma vez trabalhando com a comunidade de fé, Mateus, assim como o povo hebreu sob os cuidados de Moisés, quer fazer um tratado com a comunidade/igreja, por isso o “Sermão do Monte” é direcionado aos discípulos (Mt 5,1). Assim como Moisés tornou conhecido os Dez Mandamentos, Jesus, no monte, quer tornar conhecido aos seus discípulos o caminho da comunidade. São atitudes que os “membros” da comunidade deveriam ter em relação a Deus, aos outros e consigo mesmo. Em outras palavras, Mateus está dizendo: “deveria ser assim a comunidade”.

As palavras do Sermão do Monte precisam ser internalizadas. As palavras de Jesus não podem ser apenas lidas e observadas, precisam modificar nossa vida. Este é o desafio.

O Sermão do Monte não é um conjunto de preceitos éticos e morais; o texto não está falando de doutrina, regras ou coisa parecida. Jesus está dizendo: deveria ser assim. Quem agir assim é bem-aventurado, é feliz.

O Sermão do Monte é uma caminhada, um ideal a ser seguido, não é algo pronto, mas um processo. Quem conseguir trilhar este caminho é feliz. É bem-aventurado quem conseguir desenvolver a mansidão, porque a arrogância é mais fácil; é bem-aventurado quem conseguir ser misericordioso, porque o egoísmo é o natural; é bem-aventurado quem conseguir ser pacificador, porque fazer guerra é mais comum.

Mateus está dizendo: “deveria ser assim”. É um ideal a ser seguido, mesmo errando e acertando, mais caminhando.

10.2.13

UMA IGREJA ASSIM? SÓ MATEUS MESMO

O texto é Mateus 20,1-16.

Compartilhei com a comunidade este texto neste domingo.

Geralmente todos conhecem este texto como a parábola da vinha. Na verdade, seguindo Joachim Jeremias, a parábola é do bom patrão.

A parábola do bom patrão quer tratar, peculiaridade de Mateus, a relação de graça de Deus com a comunidade de fé, e, neste sentido, as questões que Mateus levanta nós, hoje, enfrentamos.

O primeiro ponto é entender a graça de Deus. As pessoas tendem a colocar Deus dentro de uma redoma, com suas ideias, preconceitos e valores, e julgam que Deus não ultrapassa aquele perímetro. A maneira de se relacionar das pessoas é baseada no mérito; a maneira de Deus se relacionar é baseada na graça.

Se a parábola é endereçada à comunidade de fé (os discípulos), o problema é a graça do bom patrão, os trabalhadores das primeiras horas e o pagamento igualitário. O desenrolar da estória é conhecida.

Seria o problema de Mateus com àquelas pessoas que já pertenciam a comunidade de fé e a relação com os novos membros? Estaria Mateus tentando responder: quem chegou primeiro tem a preferência, tem a primazia?

Minha conclusão é de que Mateus está dizendo que todos são iguais, porque a graça de Deus iguala a todos! Isso é assim queriam ou não! Não importa quem chegou nas primeiras horas e quem só apareceu na última hora de trabalho. Todos são iguais!

Haverá aqueles que sempre vão querer questionar a bondade de Deus por ele fazer questão de igualar a todos, sem distinção. Na comunidade de Mateus é assim: não importa quem chegou por último ou primeiro, todos são tratados com igualdade. Mas sempre  haverá na comunidade de fé pessoas que, por estarem primeiro, irão querer se aproveitar disso para dizer o que pode, o que não pode, o que deve ser assim e o que não deve! Sempre haverá àqueles que irão apontar o dedo e dizer: "ele/a não pode fazer isso, ele/a chegou depois".

A igreja no Evangelho de Mateus é assim: não há primeiros e nem últimos; os últimos não estarão atrás, nem os primeiros estarão na frente. Na igreja de Mateus havia pessoas que se incomodavam com a graça de Deus, mas a questão não é com a bondade de Deus, mas sim com os olhos que estão contaminados com a falta de misericórdia e amor aos irmãos.

23.1.13

“ERA BATISTA, HOJE SOU ADVENTISTA” – UMA CONVERSA NO PORTÃO

Já é comum saber que entre os neopentecostais há um intenso trânsito de pessoas entre as principais denominações deste segmento. Há pessoas que eram da Universal e foram para a Mundial e outras que eram da Mundial e foram para a Internacional e vice e versa. Isso não é surpresa, o modus operandi de todas elas é o mesmo. Até mesmo entre os pastores dessas denominações, como a revista Veja mostrou (http://vejasp.abril.com.br/materia/capa-as-exigencias-de-algumas-igrejas-para-quem-senha-ser-pastor) há um intenso trânsito em troca de benefícios e outras benesses. O vai e vem de pessoas nas denominações é frequente entre pentecostais e neopentecostais, infelizmente o IBGE não apontou esses dados no senso de 2010. Há pessoas que pertencia a uma Assembleia de Deus ministério tal (já existem tantos) e que, por algum motivo, deixou o ministério X e foi para o ministério Y por conta do pastor que dividiu a igreja e levou alguns membros com ele. O caso dos universais e genéricos é a mesma coisa. Quanto a essa prática é comum entre pentecostais e neopentecostais. A mudança de igrejas é corriqueira e, em alguns casos, necessária.

De uns tempos pra cá ouço pessoas que deixaram uma igreja histórica para se filiar a uma igreja pentecostal. Por alguma razão certas práticas nas igrejas pentecostais chamam atenção e essas pessoas querem vivenciar alguma experiência extrassensorial e procuram igrejas que tenha um apelo mais emocional. Quando essas pessoas chegam nessas igrejas são, geralmente, bem recebidas e logo são integradas as atividades da igreja como cultos, sermões e reuniões. O batismo delas é considerado e a qualificação bíblica e doutrinária não é questionada.

Conversei com um rapaz que pertencia a uma Igreja Batista e por outras razões que não foi o sábado, se filiou a uma Igreja Adventista. Lá teve que se batizar de novo, pois a Igreja Adventista não aceita o batismo de nenhuma igreja a não ser a dela mesma. Na mesma semana minha esposa pegou no canal TV Novo Tempo uma entrevista com Jeanne Gomes relatando de como ela e o esposo, um pastor batista já quinze anos, se tornaram adventistas (http://www.portaladventista.org/portal/asn---portugu/1484-pastor-batista-e-esposa-sao-batizados-na-igreja-do-unasp). Na entrevista ela conta que Deus abriu-lhe os olhos para a verdade do sábado e não pode contrariar, a não ser aceitar a nova descoberta que, mesmo com curso teológico, não tinha percebido ainda. Não fiquei chocado, mas surpreso. Ela e o esposo batizaram-se na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Se nas igrejas pentecostais o batismo dos batistas é considerado, na Igreja Adventista, mesmo sendo pastor, não é possível. Isso porque os batistas fazem parte de um seleto grupo da chamada Reforma Radical que reivindicaram o batismo por imersão, e mais adiante, a partir de uma pública profissão de fé. É sabido que o movimento adventista tem suas raízes na Igreja Batista por meio de Guillerme Miller, pregador batista, que teve juntamente com algumas pessoas e entre elas Ellen G. White, o devaneio de querer marcar a data da segunda volta de Cristo em 1844. Nesta igreja o ex-pastor batista, e eles fazem questão de frisar isso, e o rapaz que encontrei tiveram que passar pelo batismo por imersão em nome da Trindade novamente.

Os adventistas são extremamente proselitista e consideram que apenas a sua igreja é a correta e o sábado é a maior revelação bíblica. Quando alguém de outra denominação chega à Igreja Adventista o alarido é maior. Parece que a conquista foi grande, principalmente se a origem é pentecostal.

É pena que alguns batistas desavisados, que na sua maioria desconhecem os princípios da Igreja Batista e sua identidade, podem trocar a sua igreja por qualquer outra e pena mais ainda por uma Igreja Adventista.