30.6.11

PASTOREIO DO CUIDADO

Reflexão compartilhada no encontro de pastores (30/06)

Olhando para o pastor de tradição reformada (batista, em especial), vemos algumas dificuldades em compreender o conceito de pastoreio que não seja centralizado no indivíduo. Um exemplo disso é a quantidade de livros que há sobre o Ministério Pastoral que foca inteiramente o ser do pastor, sua santidade, oração, vida piedosa, claro com exceções.

Apenas para fazer uma comparação e elucidar o que estou querendo colocar, uso um quadro comparativo do teólogo/pastor metodista uruguaio Júlio de Santa Ana, em que coloca as diferenças entre o entendimento católico e protestante sobre a pastoral. Enquanto no universo católico a atividade pastoral é a ação coletiva do povo de Deus na igreja, centralizando essa tarefa na comunidade, no protestantismo a tarefa pastoral é apenas de um indivíduo, o pastor – centralizando apenas em um sujeito. É claro que essa maneira de ser pastor no universo protestante é fruto dos reformadores que entendiam a pastoral apenas para um indivíduo e não como missão pastoral da igreja. Isso se deve porque no Protestantismo o pastor detém o discurso do Sagrado e é preparado para isso nos seminários/faculdades confessionais.

Em outros segmentos, como o neopentecostalismo, o pastor/líder deve demonstrar sobrenaturalidade, ser um mágico; no caso pentecostal o pastor/líder a sua imagem de “homem de Deus” e credibilidade ao controle do poder do Espírito Santo. No caso do pastor batista, com exceções, há uma série de mecanismo de controle e detenção do discurso a fim de legitimar o controle do rebanho – por exemplo – o domínio do texto sagrado principalmente quando se usa os recursos dos originais para assegurar a interpretação correta do texto, daí sua palavra não pode ser questionada assumindo uma postura de sobrenaturalidade principalmente, antes do sermão, com a oração para que o pregador/pastor não fale dele mesmo, mas do Espírito Santo. Muitos se valem desse argumento para massacrar, fazer valer a sua vontade na comunidade, afinal de contas ele fala em nome de Deus. Outra ferramenta de controle que o pastor batista, repito com exceções, é a postura de juiz quando julga o que é certo/errado, centralizando nele a manipulação da consciência do rebanho, além de estabelecer uma relação por meio da hierarquia, pastor é pastor, ovelha é ovelha.

O pastor no Novo Testamento (NT) não é, num primeiro momento, uma figura oficializada como temos hoje. É uma maneira de agir, não uma pessoa, é uma postura diante do povo, não um indivíduo, um sujeito. A figura do pastor remete ao cuidado, bem-estar do rebanho. Por isso o pastor não é o pregador em 1Co 14,3, sim o profeta, responsável por edificar, encorajar e consolar a igreja. A figura centralizadora do pastor irá aparecer no NT por conta das ameaças heréticas como o gnosticismo. Daí a necessidade de se ter uma liderança estável, especializada, de autoridade para defender a comunidade de ameaças externas. Isso é muito claro nas Pastorais, por exemplo, 1Tm 3,1-2. A partir daqui o profeta desaparece e o pastor assume a tarefa de pregador, administrador, doutrinador. Daí nosso jeito de ser pastor todo proveniente das Pastorais.

O pastoreio pelo cuidado é expresso em Jo 10, 11-15, o Bom Pastor. Um pastoreio pelo cuidado, pelo estar junto, pelo monitoramento saudável. O pastoreio pelo cuidado ajuda a pessoa a se tornar gente, humaniza as relações, onde o cuidador cresce junto com quem recebe o cuidado; cuidado dispensa a relação de poder; o pastoreio pelo cuidado é uma maneira de tratar as pessoas com suas histórias e singularidades, perdendo aquela visão hierárquica nos relacionamentos.

21.6.11

POR QUE NÃO SOU EVANGÉLICO?

Confesso que a cada dia que passa, tenho resistência em dizer que sou evangélico. Não qualifico mais a minha comunidade como evangélica, por entender que a nomenclatura, no atual contexto brasileiro, não condiz mais com a origem do termo na história do Cristianismo.

Num primeiro momento acho que Igreja Evangélica Brasileira não existe! Isso se dá pelo simples fato de que no segmento religioso brasileiro conhecido, popularmente, como evangélico há uma verdadeira babel doutrinária, litúrgica, teológica e ética. Não podemos nos misturar, infelizmente, porque há mais o que nos separam do quê o que nos unem. É claro que isso é resultado de um longo processo histórico desse segmento cristão (abaixo sintetizarei) que tem como característica a divisão. Isso não ocorre, por exemplo, com a Igreja Católica que tem no Papa e no Magistério a sua força de coesão. Quanto aos denominados evangélicos não há coesão, há exclusivismo, aglutinação de igrejas com seus nomes mais diversos possíveis, contendo aí uma diversidade teológica e de ênfase incrível. Quando digo que não existe uma Igreja Evangélica Brasileira, é porque há diversos blocos denominacionais que impedem a convergência e a fraternidade, é claro que há exceções, principalmente no ramo Protestante. O termo evangélico aparece na Reforma Protestante no século XVI, onde os principais personagens o usavam para qualificar um retorno às crenças e às práticas bíblicas em contraponto ao catolicismo da Idade Média. Hoje o seu sentido nem passa perto disso.

É possível sintetizar essas transformações. Num primeiro momento há Cristianismo, com os apóstolos, a igreja perseguida pelo Império Romano, os escritos do Novo Testamento, a mensagem de Jesus proclamada. Depois há a Cristandade, a partir do imperador Constantino no século IV quando torna o Cristianismo religião do Império. É a partir desse momento que as coisas começam a se complicar. Há uma bifurcação entre política e religião; uma dominação religiosa que envolve templo e clero. É aqui que as divisões não param. Os Concílios Ecumênicos que se sucederam depois desse alinhamento prova isso, marcados por divergências filosóficas, teológicas e bíblicas em torno de temas como divindade de Jesus e Trindade. Depois da Cristandade surge o Protestantismo como movimento de protesto aos desmandos da Igreja Católica como, por exemplo, as indulgências, além de enfatizar a autoridade das Escrituras; é com o Protestantismo que aparece o Denominacionalismo, irmão gêmeo do Institucionalismo, com uma estrutura organizacional que compreende várias congregações locais “unidas” com base num mesmo princípio doutrinário, teológico e litúrgico. A diversidade é uma marca perceptível das denominações, onde cada uma quer ser a máxima representante do Cristianismo com sua ética, regras, comportamentos, doutrinas. Cada uma formula o seu dogma, sua fé, causando uma multifacetação do Protestantismo. O Pentecostalismo é derivado disso, colocando a ênfase na doutrina do Espírito Santo e nos dons espirituais.

No Brasil há pelo menos três blocos denominados de evangélicos, ou que são qualificados como tal. São eles: o protestantismo histórico (Batistas, Metodistas, Presbiterianos); o pentecostalismo clássico (Assembleia de Deus, Congregação Cristã, Evangelho Quadrangular); neopentecostalismo (Universal, Internacional, Renascer, Sara Nossa Terra, Mundial). Ocorre que neste momento o terceiro bloco, o neopentecostalismo, está na mídia dizendo o que é ser evangélico hoje. Quando a sociedade olha para a igreja não católica, são os neopentecostais que ela enxerga sendo os evangélicos. Para a sociedade em geral a matriz do cristão evangélico é a igreja eletrônica com seus bispos, apóstolos, “homens de Deus”. A fonte são eles hoje, infelizmente. A sociedade e a imprensa brasileira não qualificam quem é Protestante histórico, quem é Pentecostal e quem são Neopentecostais. Certa ocasião, por exemplo, o Jornal Nacional (Rede Globo) fez uma série de reportagens sobre os Protestantes, quando falou sobre os Batistas o ancora do JN qualificou como Pentecostais. Prontamente surgiram dezenas de e-mails solicitando que o erro fosse reparado, na edição do dia seguinte o JN corrigiu o mal-entendido.

Se o termo evangélico voltasse a ser designado como uma posição teológica na autoridade das Escrituras e uma experiência pessoal de fé em Cristo, com certeza usaríamos a nomenclatura com prazer. Mas enquanto o termo evangélico for associado a um punhado de gente que se diz apóstolo, bispo, Grande Homem de Deus que faz da chantagem emocional o veículo para extorsão não cabe aqui ser identificado como evangélico. Não gostaria de ser associado a um grupo que tem como meio de bênção apetrechos como sabão ungido ou sal grosso como mecanismo para se alcançar a prosperidade; não quero ser confundido com pregadores que ludibriam pessoas com mensagens sensacionalistas a partir de uma hermenêutica pobre; não quero fazer parte de um grupo que tem no Espírito Santo o maior causador de divisões no ambiente pentecostal. Se for para ser evangélico nessas condições prefiro ser identificado como cristão, assim como os irmãos de Antioquia (At. 11,26) que, por si só, implica numa série de prerrogativas, sendo a principal delas, a identidade com Cristo. Isso já basta.

11.6.11

CENTENÁRIO DA ASSEMBLEIA DE DEUS – O OUTRO LADO DA HISTÓRIA

Uma das maiores denominações pentecostais está comemorando cem anos no Brasil. No último senso IBGE (2000) a Assembleia de Deus contava com 47,47% de adeptos, um número razoável e até mesmo surpreendente. Mas a denominação que tem na CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil) a sua maior expressão, também é responsável pela constante divisão eclesiástica no segmento pentecostal. É uma denominação que tem um sistema de governo episcopal, embora não seja declarado, onde uma igreja-sede comanda outras e administra os “pastores/líderes” removendo-os dos diversos “campos”. Por conta disso, é a denominação que mais divide igrejas no país, sendo um dos principais motivos questões politicas e de poder.

Essa denominação que contribui e muito para o Evangelho no Brasil, comemora o seu primeiro centenário em Junho. Como é característica desse segmento a divisão, até mesmo nas comemorações há um racha sustentado pelos próprios líderes. De um lado a CGADB está organizando uma comemoração com vários pastores presentes, menos o líder da igreja de Belém do Pará. Por outro lado, a igreja em Belém também está organizando e fazendo uma pesada campanha para a sua festividade, sem contar com o apoio da CGADB. O motivo disso, segundo alguns, é a disputa pela presidência da CGADB que sempre são tumultuadas.

O fato, e há quem discorde, principalmente os integrantes dessa denominação, é que a própria denominação começou com uma divisão, na Primeira Igreja Batista em Belém (PIBB), Pará. Isso tem sido ignorado completamente pelos líderes que estão fazendo a propaganda para as comemorações do centenário. O maior exemplo disso é a síntese do movimento pentecostal no Brasil no site da igreja em Belém:

Dois jovens missionários suecos residentes nos Estados Unidos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, receberam como missão pregar o evangelho em uma terra distante e desconhecida, chamada Pará. Foi então que partiram rumo a Belém, onde desembarcaram no dia 19 de novembro de 1910.
Inicialmente, se integraram à Primeira Igreja Batista do Pará, localizada na Rua João Balbi. Porém, sentiram a necessidade de tomar um novo rumo.


Não foi um novo rumo que eles tomaram, mas dividiram a PIBB. Embora historiadores da Assembleia de Deus digam que:

O propósito dos missionários, Gunnar Vingren e Daniel Berg não era dividir ou fundar igrejas. Com seus corações ardendo pela chama pentecostal que varria os EUA e outras nações, os missionários foram enviados por Deus para compartilhar essa mensagem aos brasileiros. Sendo membros da Igreja Batista desde tenra idade e, no caso de Vingren, pastor em atividade, agiram como idôneos e honrados servos de Deus. Procuraram a sua igreja. Não se infiltraram. Desde o encontro com o pastor metodista Justus Nelson, falaram abertamente com líderes brasileiros sobre suas convicções.

No porão da PIBB eles começaram a fazer reuniões paralelas aos cultos da igreja e arrebanhar outros irmãos para a doutrina pentecostal. Se desde o início os missionários suecos radicados nos EUA tivesse falado abertamente o que pretendiam, a PIBB não teria desligado treze membros e os dois missionários por entender que a doutrina pentecostal era inconsistente com a identidade Batista.

A intenção não é causar constrangimento quanto aos motivos reais da missão de Vingren e Berg. Até porque, o pentecostalismo sempre dividiu o Cristianismo, a começar com os membros da igreja de Corinto que achavam que tinham o Espírito Santo mais que os outros, um problema que Paulo busca resolver no capítulo 14. Montano, no ano de 150, também dividiu a cristandade com o seu pentecostalismo. Nos EUA, o movimento pentecostal dividiu a Igreja Metodista; no Brasil foram os missionários suecos na PIBB; na década de 1960 as denominações históricas foram abaladas pela onda carismática, ocasionando uma série de desligamentos de igrejas Batistas, Presbiterianas e Metodistas. Logo o tema do Espírito Santo, o responsável por preservar a unidade do corpo de Cristo, é motivo de tantas cisões e problemas.

Fica aqui a minha forma de dizer que a história do surgimento do pentecostalismo no Brasil não foi ordeira e de bom senso, mas começou com uma divisão dentro de uma igreja estabelecida na cidade de Belém. Embora reconheça os feitos e a contribuição dessa denominação, reitero que a história também é contada por aqueles que permaneceram na PIBB, acentuando a sua identidade como batistas que eram.