28.11.11

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: CAMINHOS ANTAGÔNICOS

Recentemente saiu no Jornal Batista uma série de reflexões intitulada “O pastor do século 21 – uma reflexão na área da teologia” do querido pastor Isaltino Gomes Coelho Filho. O texto no Jornal Batista saiu fragmentado em diferentes edições, mas na internet é possível ler o texto na íntegra (http://www.isaltino.com.br/2011/09/o-pastor-do-seculo-21-uma-reflexao-na-area-da-teologia/).

Na terceira parte do texto, a necessidade de uma soteriologia correta, o Pr. Isaltino faz algumas considerações sobre a Teologia da Libertação e sua relação com a Cristologia Latino-americana. Ele diz:

A soteriologia da falecida teologia da libertação é de fundo econômico, mas ingenuamente alguns de seus propugnadores criam que Jesus era um modelo que os homens poderiam seguir e que assim seriam socialmente transformados. Sendo o homem intrinsecamente bom, as pessoas precisavam ver o “modelo Jesus”, e se disporiam a imitá-lo. Outros teólogos desta linha, como boa parte dos seus comentários bíblicos mostra, falam de tal de “projeto de Jesus”, que nunca entendi qual seja. Um desses comentários, em cada página trazia o tal “projeto de Jesus”. Parece-me que era de um levantamento das massas contra as famosas “elites”, de quem todos falam, mas nunca identificam. Mas a soteriologia sempre se liga à libertação da pobreza material.
Ideologicamente, a teologia da prosperidade é irmã gêmea da teologia da libertação, pois sua soteriologia também se liga à libertação da pobreza material. Só que seu viés é pelo exorcismo, e não pela política.

Quero tecer algumas considerações ao texto e faço aqui de forma bem simplória e pormenorizada.

Começo pela chamada Teologia da Prosperidade.

Esta surge nos EUA e seu principal expoente é Kenneth Hagin dentre outros. Como toda teologia é fruto de uma cultura, a Teologia da Prosperidade não poderia ser diferente. Os EUA é a potência responsável pela estabilização econômica do mundo, e por meio das armas e ideologia pressionar nações se comportando há muito tempo como a “polícia do mundo” e conseguiu, por meio de sua moeda e filmes, impregnar o Ocidente com a sua cultura e modo operacional econômico. Pragmáticos, donos da verdade absoluta, fundamentalistas em quase todos os assuntos, os EUA passa uma imagem de opulência financeira e defensores do capitalismo selvagem neoliberal. Diante desse quadro, só poderia mesmo vir de lá a Teologia da Prosperidade. 

No Brasil a febre pega lá pelos anos 70. Com a igreja brasileira sofrendo profundas mudanças, os líderes pentecostais importam o produto; assimila a sociedade de consumo; adéqua a mensagem ao mercado empresarial e formula um discurso triunfalista, repleto de prescrições como andar no sal grosso, passar pela “porta”, a campanha dos 318 pastores etc. Seus partidários são: R. R. Soares, Edir Macedo, Valnice Milhomens dentre outros.

Tudo isso eu tenho certeza que Isaltino já sabe.

Para quem nunca leu o livro de Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina, posso até entender que não reconheça neste continente a opressão econômica e ideológica vindas do norte durante décadas. Por conta disso o segmento evangélico na América Latina formulou a Missão Integral que teve no Congresso Mundial de Evangelização em Lausanne (1974), dando origem ao Pacto de Lausanne, cujo relator foi John Stott, o combustível para que teólogos latino-americanos como Orlando Costas, Samuel Escobar e René Padilla formulassem uma teologia holística para as necessidades do continente. Portanto não foi apenas a Teologia da Libertação que procurou confrontar as condições espirituais e econômicas do continente.

A Teologia da Libertação, da qual sou um partidário, surge na América Latina com uma proposta de restauração não apenas espiritual, mas integral do ser humano. A teologia importada do “american way of life” já não cabia mais no continente. Daí o surgimento de uma nova maneira de ver a vida comunitária e a teologia que ora foi acusada pelo Vaticano de ter como matéria-prima o marxismo, o que por si só é um reducionismo visto que na América Latina há diversos teólogos fazendo Teologia da Libertação a partir de diferentes perspectivas!

Assim, é um equivoco afirmar que a Teologia da Libertação é irmã gêmea da Teologia da Prosperidade. Enquanto a primeira se dá em Comunidades Eclesiais de Base com gente da terra, pobre que vê no evangelho o espelho da vida, a segunda afirma que o sofrimento é coisa do diabo; a fé serve para conquistar bênçãos; todo o crente deve reivindicar prosperidade, a ausência dela significa falta de fé; a enfermidade é sinal de pecado; o mundo e tudo que nele há esta aí para ser conquistado. Isso não é semelhança, é disparidade que não dá nem mesmo para comparar qualquer coisa! Quando iremos comparar um Kenneth Hagin com um Leonardo Boff; um R. R. Soares com um Juan Luis Segundo; um Edir Macedo com um Jon Sobrino. Nunca!

Quanto ao “tal Projeto de Jesus” é necessário dizer. Isaltino lê os evangelhos a partir da dogmática, daí sua soteriologia correta. Por este fato ele não consegue “entender” o “tal Projeto de Jesus”. Para a cristologia latino-americana o centro da mensagem e vida de Jesus foi o Reino de Deus. O projeto de Jesus, termo que a cristologia latino-americana emprega, é entender o Reino de Deus, e para compreendê-lo é preciso ir a Jesus, para conhecer Jesus é preciso ir ao Reino de Deus e este caminho se faz pelo seguimento de Jesus. Seguimento este que se dá na prática de Jesus. Na valorização dos excluídos e marginalizados da sociedade; na compaixão e no perdão; na promoção da paz e da justiça como meio equitativo de convivência. O projeto de Jesus, portanto, é a continuação do Reino de Deus pelos seus discípulos.

Teologia da Libertação e Teologia da Prosperidade nunca poderão ser irmãs quanto mais gêmeas. 

16.11.11

“O SUJO FALANDO DO MAL LAVADO”

O movimento de “cair” no Espírito e Edir Macedo

Recentemente o universo pentecostal foi estremecido com a reportagem da Rede Record sobre o “movimento ‘cair’ no Espírito”. Intensões espúrias da reportagem a parte, é incrível como o ditado popular cai muito bem aqui: “é o sujo falando do mal lavado”, ou seja, é o pentecostalismo com suas bizarrices e o neopentecostalismo com o seu sincretismo mais desavergonhado que já vimos em terras tupiniquins.

Não é de hoje que o pentecostalismo baixo vem usando a sua criatividade para nos brindar de costumes, “unções” e modismos, quase sempre importados do Norte. Já teve “dentes de ouro” inaugurando o “culto do garimpo”; a “unção do riso”, que começou em Toronto, Canadá; a “cola do Espírito Santo” dentre outras manifestações. O “cair” no Espírito, em inglês “slain in the Spirit” tem sua relação desde 1885 com Maria B. Woodworth-Etter nos EUA, portanto, não é um fenômeno puramente legítimo no Canadá.

Isso ocorre porque no pentecostalismo, o mais baixo possível, a experiência e o fenômeno de êxtase dominam as reuniões, sem contar o culto à personalidade onde o “grande homem de Deus” detém a chave do “poder” de Deus. É uma relação de domínio sobre os demais. O Espírito Santo é sinônimo de “poder” e não unidade no corpo de Cristo.

Já o neopentecostalismo desde a sua origem, vem comercializando de novas relíquias e indulgências. O elemento mágico é usado e abusado pelos universais, internacionais e mundiais. As bizarrices que se vê nem choca mais. Com práticas até então vistas nos cultos afro-brasileiros, os neopentecostais ungem objetos que tem como função serem miraculosos: o sabonete da prosperidade, a rosa ungida, a fogueira santa de Israel, o sal grosso, o copo com água em cima da TV ou rádio. Daí as novas relíquias com a promessa de dar a bênção; as novas indulgências como a “oração forte” do homem de Deus que determina a vitória. E falando nisso penso de como as coisas mudam! Digo isso porque o televisivo Silas Malafaia é o mais novo integrante da turma da prosperidade, vendendo unção de R$ 900,00 e em troca da generosa oferta uma Bíblia de batalha espiritual e vitória financeira, com o patrocínio e a anuência “espiritual” do guru Morris Cerullo.

No nosso contexto, o tema Espírito Santo, sempre foi controverso. É por isso as constantes disputas e mal entendidos sobre o tema. Nisso até mesmo as denominações históricas têm a sua parcela de “culpa”. A teologia reformada não dispensou uma atenta atenção para o assunto, alguns manuais de sistemática nem se quer menciona a temática. Com a chegada dos pentecostais, as coisas ficaram ainda mais no campo da animosidade. O Espírito Santo foi o principal meio de divisão entre as denominações históricas, logo ele que é responsável pela unidade da igreja. No ambiente pentecostal a liturgia gira em torno do Espírito Santo; no caso do protestantismo histórico gira em torno do texto bíblico.

Essa temática poderia ser enriquecida com o surgimento de um novo paradigma para se pensar o Espírito Santo, não mais no campo das emoções (pentecostais) ou puramente doutrinário (protestantismo histórico), mas no processo da vida como um todo.

O Espírito da Vida tem como missão promover a vida. Foi por este motivo que Deus nos enviou o seu Espírito, para promover e preservar a vida. Dentro desta perspectiva, a missão não é a expansão da fé cristã a partir do proselitismo, mas a paixão pelo Reino de Deus. O Espírito Santo envolve a vida e sua renovação. Aliás, ruah (espírito) não quer dizer fôlego da vida?

7.11.11

IGREJAS RELEVANTES NESTE TEMPO

Tema da 66ª Assembleia da AIBAVAR – PIB em Jacupiranga/SP

Ocorreu a 66ª Assembleia da Associação das Igrejas Batistas do Vale do Ribeira (AIBAVAR) na Primeira Igreja Batista em Jacupiranga/SP. O povo batista do Vale é incrível mesmo. Que festa! Muita música; celebração; homenagens; emoção; adoração e gratidão a Deus pela pungência do nosso povo no Vale do Ribeira. O tema foi: “igrejas relevantes neste tempo”. É sobre este tema que gostaria de tecer algumas palavras.

O tema é abrangente e relevante (para ser redundante aqui). O mesmo tema será apreciado em 2012, isso é bom, porque assim algumas coisas que apontarei aqui podem ser colocadas em pauta nas reflexões, reuniões e congressos da nossa querida AIBAVAR.

Pensar o nosso tema exige uma reflexão apurada e coerente, ou seja, exige saber ler os tempos e tomar atitudes em relação a ele.

O nosso tempo é marcado por um secularismo camuflado, porque ainda no Brasil somos um País extremamente religioso. Mas o discurso exclusivista ou de separados já não faz tanto efeito como outrora. As pessoas, por exemplo, olham a TV e veem os neopentecostais, e isso porque elas nem mesmo sabem o que são os neopentecostais, e considera o que vê tudo igual, não fazem qualquer distinção. Não há discernimento entre pentecostais, neopentecostais e históricos. Isso é um fato. Daí então querer ter um discurso a partir de uma verdade absoluta, numa sociedade pós-moderna não cola mais.

Outra característica do nosso tempo é o questionamento da igreja como instituição, ou seja, como igreja organizada. Em geral, as pessoas olham com desconfiança para as instituições, e a igreja parece que não está escapando dessa onda também, principalmente depois de fatos de corrupção e escândalos com líderes midiáticos. Apenas para lembrar, recentemente a Revista Época publicou uma reportagem intitulada “A nova reforma protestante”. Além de ouvir alguns pastores e teólogos sobre o tema, a revista trouxe uma reportagem sobre o senhor Rani Rosique – um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. Este homem reúne-se periodicamente com vizinhos, conhecidos e amigos, umas quinze pessoas ao todo, para falar sobre a Bíblia, orar e cantar na varanda de sua casa. Rani pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Para a Revista Época, Rani pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão passando por um processo de revisão. Há uma clara tendência em separar espiritualidade de igreja (como instituição), daí a necessidade de se reformular os modelos e a forma que entendemos um grupo de pessoas que se reúne periodicamente entre quatro paredes. Essa é uma marca indelével do nosso tempo.

Para a igreja ser relevante neste tempo o Reino de Deus deve ser o eixo central na tarefa missionária. A missão da igreja é ser fermento do Reino de Deus. A ela é dada as promessas do Reino; como protagonista do Reino, é tarefa dela os sinais históricos e concretos do Reino na sociedade; levar adiante a esperança utópica do Reino de Deus e suas consequências espirituais e sociais. A igreja tem a missão de proclamar o Reino de Deus, ou seja, despertar na sociedade os valores do Reino a fim de transformá-la.

A 66ª Assembleia da AIBAVAR deu sinais claros de que o Reino de Deus é a prioridade quando decidiu por unanimidade aceitar o desafio de se ter no Vale uma casa de recuperação para dependentes químicos, isso é Reino de Deus. É entrar onde o anti-reino impera. Não é apenas olhar para a igreja local como um depósito de gente, mas é assumir a missão de ser igreja em sociedade.

Para que haja igrejas relevantes neste tempo o caminho é o diálogo e a leitura atenta dos sinais dos tempos. A mudança começa dentro da igreja quando esta percebe que o seu discurso precisa trocar de linguagem, sendo a sua mensagem central o Reino de Deus.

No mais, a 66ª Assembleia da AIBAVAR foi bênção! Momento ímpar para se discutir e apontar caminhos. E se queremos ser relevantes temos um longo caminho pela frente.

Parabéns AIBAVAR pela belíssima festa.

4.11.11

O OLHAR DE JESUS PARA A CIDADE

Uma leitura a partir de Lc 13,34  

A relação entre Cidade e Igreja, muitas vezes, é de isolamento. Afasta-se das pessoas que estão na cidade por não professarem a mesma fé ou religião. Por conta disso há uma Igreja que não se mistura com ninguém, pois entende que tudo é mau. A Igreja se esqueceu de que está no mundo e que, portanto, precisa agir nele. Por isso a Igreja deve olhar a cidade sem indiferença. Para tratar bem a cidade é preciso compreender ela; modificar pensamentos; quebrar barreiras e preconceitos; ser sal e luz de fato. Vamos observar a atitude de Jesus em relação à cidade de Jerusalém.

UM OLHAR PROFÉTICO
Como toda a cidade, Jerusalém tinha as suas injustiças: matava os profetas, apedrejava... A cidade é lugar de desigualdade; de desespero; relações injustas. Diante das mazelas da cidade, Jesus não ficou quieto. Ele agiu como um profeta e denunciou as desigualdades, a arbitrariedade daqueles que detinham o poder para governar e cuidar do povo.
No seu tempo o templo de Jerusalém funcionava como um banco. Havia muito dinheiro. As pessoas pagavam diversos tributos para o templo, daí os cambistas que trocavam moedas estrangeiras em moedas do templo, isso favorecia o roubo de quem trocava esse dinheiro com a anuência dos sacerdotes (Lc 19,45-47). A atitude de Jesus foi de revolta, de dizer não ao sistema exploratório do pobre, enquanto poucos tinham muito, muitos tinham pouco! Ele não ficou quieto e isso lhe custou à própria vida, pois os sacerdotes viu nele uma ameaça ao sistema corrupto do templo.
A Igreja não pode ficar ser conivente com o erro. Ela deve assumir uma postura profética e pregar e apontar os erros, mas também ser instrumento de apoio para a cidade. Mas exercer uma ação política não pode ser confundida com partidarismo, e isso, infelizmente, muito ainda não conseguem discernir.

UM OLHAR DE MISERICÓRDIA
Jesus não ficava lamentando os problemas da cidade. Ele via as pessoas como ovelhas que não tinham pastor, daí a sua metáfora: galinhas e pintinhos (Lc 13,34). É preciso amar a cidade, ter empatia com ela. Um olhar de misericórdia nos dá condições de entender o todo e não apenas o particular. As pessoas na cidade são egoístas, querem saber apenas o que podem ganhar e a cidade e seus dilemas fica em segundo plano.
Quem olha para a cidade com um olhar misericordioso consegue vencer o limite do próprio umbigo.
Jesus tinha um olhar afetuoso pela cidade, tanto que ele chora por ela (Lc 19,41). O seu amor era tão grande, que esta mesma cidade que ele tanto ama o crucifica, mas ele os perdoa (Lc 23,34).

Vamos olhar a nossa cidade com um olhar profético. Uma Igreja que atua na cidade para o bem dela, e não para conquistar algo para si. Uma maneira de fazer política e não politicagem, com critérios, visando o bem estar das pessoas e não os interesses de alguns. O nosso olhar precisa ser também misericordioso, mas o olhar misericordioso não anula o olhar profético. Amar a cidade é cuidar; é assumir responsabilidades pela cidade onde vive.