Estamos todos mergulhados em uma profunda crise
que assola o país. Essa crise passa por diversos setores da vida nacional e,
pelo que conste, nada passa despercebido. Uma das mais profundas é, indubitavelmente,
a crise política. O país acompanhou (e continua acompanhando), diversos
políticos de diferentes legendas sendo conduzidos para depoimentos, julgamentos
e não poucos encarcerados por diferentes crimes envolvendo a administração pública.
Somando a esse quadro de crise política – que
parece ser complexo e qualquer observação sem a máxima apuração corre-se o
risco de imprecisões –, há uma intensa polarização político-ideológica na
grande maioria da população. As pessoas estão tomando partido de A ou B,
baseadas em suas convicções religiosas, morais e políticas. Há, inclusive,
alguns que até então, confessadamente, não tinham qualquer interesse na
política, mas, nos últimos anos, vem se envolvendo com questões partidárias de maneira
acirrada, se colocando como de “Direita” ou de “Esquerda”, mesmo que esses “rótulos”
(direita ou esquerda) não tenham
a devida lucidez para a maioria que assim se definem.
Não é de hoje que as redes sociais se
transformaram em “campo de batalha” entre pessoas de diferentes posições
políticas. Há pesquisadores que arriscam em dizer que as eleições de 2018 serão
decididas na internet e, mais especificamente, nas redes sociais. Não sem razão
que há grupos criminosos que ganham dinheiro produzindo e espalhando nas redes
sociais “Fake News” (notícias
falsas). A proliferação de fake news é
muito maior do que mesmo uma notícia verdadeira, constatam os especialistas em
internet.
Com esse tenebroso cenário, perguntamos: um
pastor batista deveria apoiar candidatos nessas eleições de 2018? Ele deveria dizer,
divulgar, seja de púlpito ou em redes sociais, conteúdos envolvendo o candidato
A ou B?
Antes de qualquer coisa, é preciso frisar o “pastor
batista”, ou seja, não está se falando de um cidadão com seus direitos e
deveres, antes uma pessoa que exerce liderança em uma comunidade de fé e professa
uma identidade denominacional, portanto, tem uma função pública-social. Diante disso,
daremos algumas razões porque um pastor batista não deveria expressar sua adesão/apoio
à candidatos à cargos eletivos.
Separação entre Igreja-Estado
Notadamente, os batistas têm na separação Igreja-Estado um dos seus principais
princípios. Ocorre que a defesa da separação Igreja-Estado nunca significou
omissão e desinteresse pela política. Professar este princípio não significa deixar
a política de lado, alegando que o interesse da Igreja é tão somente espiritual.
Quando o batista norte-americano Walter B. Shurden, comenta sobre este tema,
diz: “A legitimidade do Estado deve ser reconhecida pelo cristão, embora lhe
seja permitido se opor ao Estado quando este contraria os princípios que
caracterizam os ensinamentos da Palavra de Deus”. Foi nesse espírito, que
Martin Luther King Jr., sem nunca ser candidato ou apoiar qualquer que fosse o
presidente dos EUA, disse: “É preciso lembrar a Igreja que ela não é senhora
nem serva do Estado, mas, sim, a consciência dele. A Igreja tem o dever de o
criticar e o orientar, sem nunca se tornar para ele num instrumento”. Separação entre Igreja-Estado não significa
omissão política, antes a vigilância com espírito profético. Já dizia João
Falcão Sobrinho, destacado pastor batista no Rio de Janeiro: “O cristão, como
cidadão da pátria terrena, tem dever para com o seu país, mas sempre que entrar
em conflito o seu dever cívico com os seus deveres para com Deus, deve
permanecer fiel ao seu Redentor”. Por prezar pelo princípio da separação Igreja-Estado,
o pastor batista, quando se isenta de apoiar candidato A ou B, tem condições de
refletir a partir de algo maior, qual seja, as pessoas e o seu bem-estar. Esse deveria
ser o principal foco de todos os cristãos batistas, mas principalmente do
pastor batista. No item ORDEM SOCIAL (Declaração Doutrinária da
Convenção Batista Brasileira), traz algo fundamental quanto ao papel de todos
os cristãos: “Como sal da terra e luz do mundo, o cristão tem o dever de
participar em todo o esforço que tende ao bem comum da sociedade em que vive”. É sabido que uma dessas formas de
buscar o bem comum de uma sociedade que tem um sistema de governo republicano,
se dá com a tarefa política. Por isso, mais uma razão para não se envolver com
legendas partidárias de maneira estrita. Essa adesão, no nosso entender,
prejudicaria um olhar holístico sobre as demandas de uma sociedade. Quando há
comprometimento partidário, há descomprometimento social na sua inteireza.
Histórico
negativo
Além desse fator (separação entre Igreja-Estado),
que consideramos decisivo para não se apoiar, de maneira aberta e pública, candidatos
à cargos eletivos, há também um outro fator: pesa contra nós, batistas, um
histórico negativo quando se optou por um determinado segmento político no
país. Antes de 1964, portanto antes do golpe civil-militar, os batistas tinham
no seu horizonte de reflexão e ação uma agenda que contemplava as mazelas de um
povo que sofria, por conta de políticas insatisfatórias em décadas anteriores. O
êxodo rural e a ineficiência de políticas públicas, mergulharam o país em uma profunda
e sistêmica desigualdade social. São os batistas, que em 1963, irão produzir o
mais audacioso Manifesto reconhecido até hoje. No conhecido documento “Manifesto
dos Ministros Batistas do Brasil”, há um espírito profético e combativo diante
dos problemas prementes da sociedade brasileira. Nesse Manifesto, está presente
um senso de justiça social que, mesmo respeitando a separação entre
Igreja-Estado, não se omite diante dos dilemas do povo brasileiro à época. Destacamos
algumas das suas preocupações e denúncias: “Reconhecemos a inadequação da
presente estrutura social, política e econômica para a realização plena da
justiça social, pelo que insistimos na necessidade de um reexame corajoso,
objetivo e despreconcebido da presente realidade brasileira, com vistas à sua
estruturação em moldes que possibilitem o atendimento das justas
aspirações e necessidades do povo. Essa necessidade ressalta da constatação da
ineficiência dos institutos assistenciais do Estado, que transformam num favor
concedido a custo, direitos líquidos dos trabalhadores; da irracional aplicação
dos recursos públicos, que deveriam antes de se destinar, mais liberalmente,
aos ministérios da Saúde, Educação e Agricultura, para a solução de problemas
sociais angustiantes; da sobrevivência de regimes feudais de propriedade e
exploração da terra; da generalizada pobreza das populações carentes mesmo do
alimento indispensável à sobrevivência; da injustiça na distribuição das
riquezas, e da utilização destas para o cerceamento das liberdades essenciais;
da inadequada exploração das nossas riquezas naturais, cujo aproveitamento não
só deveríamos intensificar, como fazer revestir-se de significação social; da
corrupção que tem campeado nos pleitos eleitorais, na prática policial (quer
preventiva, quer corretiva), na previdência social, no preenchimento de cargos
públicos...” (1). Depois de 1964, os batistas se alinharam ao regime militar
por razões conhecidas e pesquisadas (2). Com isso, notamos que todo e qualquer
alinhamento político-ideológico leva, inevitavelmente, a uma forma de alienação
das reais condições de vida de uma população. Por essa razão, ao nosso ver, um
pastor batista não deveria dizer em que candidato deve ou não votar. Antes, a
sua voz deveria ser apartidária, uma vez que optando por um partido,
já se está optando por qual linha política irá seguir. É oportunidade de
aprender com os pastores batistas que passaram pela década de 1960.
Código
de Ética dos Pastores Batistas do Brasil
A Ordem dos Pastores Batistas do Brasil está para
reformar o seu Código de Ética. No atual Código, há um item dedicado aos “Deveres
do Pastor para com a Sociedade”. Antes de qualquer coisa, um pastor batista não
deveria ser candidato a cargo político. Isso, per si, se constitui um desvio grave da sua vocação e tarefa
ministerial. Mesmo o pastor batista não concorrendo a um cargo político, o
Código não faculta a ele a omissão diante dos problemas sociais. Nesse sentido
é dito: “Participar da vida da comunidade [...] identificando-se com sua causa
e solidarizando-se com os anseios de seus moradores, procurando apoiá-los
quanto possível nos esforços para satisfação deles”. É dito que a voz do pastor
não é emudecida diante dos problemas, pelo contrário, ele deve se envolver nas
questões que atingem a todos e, a partir da sua participação, oferecer
soluções. Em outro momento do Código, é dito que o pastor deve “praticar a
cidadania cristã responsável, sem engajar-se em partidos políticos”. Essa observação
faz todo o sentido. Primeiro que um pastor batista, em hipótese alguma, deveria
dizer para a sua Igreja Local em qual candidato os membros devem ou não votar. Isso
feriria a liberdade de consciência e opinião (um dos caros princípios
batistas); num segundo momento, essa recomendação se dá porque uma vez o pastor
sendo do partido A ou B, ele fica comprometido com a agenda desse partido ou
candidato, mesmo que concorde com algumas das questões e discorde de outras. Não
obstante a isso, o Código completa: “Dar apoio à moralidade pública [...], por
meio de testemunho profético responsável e de ação social”. Só essa tarefa que o Código recomenda já é, por demais, árdua.
Um pastor batista deve, com todos esses rótulos e
ódio explícito que acompanha a política brasileira nos últimos três anos e, principalmente, nas redes sociais,
continuar perseguindo os exemplos de homens que lutaram contra um sistema
político que marginalizava e oprimia as pessoas. Nesse sentido, os profetas do
Antigo Testamento estão aí: Jeremias, Amós, Isaías e tantos outros. Em comum em
todos eles há uma mensagem profética de repúdio as práticas desumanas e
parciais dos reis! João Batista, no Novo Testamento, não ficou calado diante da
corrupção e imoralidade de Herodes, perdeu a cabeça por conta disso. O próprio
Jesus, contrário aos interesses dos sacerdotes, expulsou os ladrões que
abusavam da boa fé do povo no templo de Jerusalém, e isso selou a sua execução
incentivada pelo sistema sacerdotal.
Cabe ao pastor batista ser voz ativa na
propagação dos valores do Reino de Deus. Quando o Reino de Deus está em
primeiro lugar, há comprometimento com a justiça (Evangelho de Mateus).
Notas
(1). Publicado no “O Jornal Batista” – 14.09.1963.
(2). Confere o trabalho de Leandro Seawright
Alonso, uma tese de doutorado em História Social pela USP – Ritos de
oralidade: a tradição messiânica de protestantes no regime militar brasileiro (Jundiaí: Paco Editorial, 2016).