14.10.18

ORAÇÃO DE UM ELEITOR ARREPENDIDO

Senhor, agradeço pelo dom da vida!

Tenho algumas confissões a fazer e, por isso, gostaria de pedir perdão...

Perdão, porque nesse período de eleições me deixei envolver de tal maneira com as questões políticas que nem mesmo percebi o quanto isso envenenou a minha alma.

Perdão, porque perdi amigos de longa data porque, em algum momento, eles não concordaram com o meu posicionamento político e o diálogo, que era tão bom entre nós, foi rompido de maneira abrupta.

Perdão Senhor, porque não fiz a menor questão de manter amizades apenas porque essas pessoas não estavam do mesmo lado que eu nessas eleições.

Peço-te perdão, porque passei a olhar as pessoas da minha igreja contrárias ao meu candidato com desprezo, com rancor, desconsiderando o que aprendi e ouvi durante toda essa minha trajetória como cristão.

Ah Senhor, como gostaria de confessar que não me importei em disseminar notícias falsas pelo meu WhatsApp para amigos e parentes. Julguei que para conquistar eleitores para o meu candidato, valia qualquer coisa, inclusive mentir. Perdão meu Deus!

Senhor, me perdoe porque nas redes sociais fui ríspido em comentários com pessoas que não conheço e sei que elas, sabendo que sou um cristão, não viram em mim a sua luz.

Quero pedir perdão Senhor, porque me dediquei horas postando temas relacionado ao meu candidato no Facebook e não tenho o mesmo empenho para estar diante de ti em oração.

Peço-te perdão, porque li todas as matérias, blogs e reportagens dos candidatos que são oposição ao meu com muita atenção, mas a Bíblia, aquela que toca o coração e alimenta a alma, não a leio há meses.

Por fim, quero pedir perdão ao Senhor, Jesus Cristo.

Por não imprimir nas minhas posturas os seus ensinos.

Por não ter o mesmo compromisso e tempo de anunciar o seu Reino, como fiz com o meu candidato em conversas e redes sociais.

Por não olhar as pessoas, que não tinham o mesmo posicionamento político que o meu, com misericórdia e compaixão.

Perdoe-me, porque me arrependo de não ter sido um instrumento de amor e perdão, quando vi o ódio e a falta de amor.

Perdoe-me, porque me arrependo de não ter ouvido a sua voz lúcida e tranquila quando me disse, por meio do seu Espírito, que aquilo que estava dizendo e fazendo, não correspondia ao seu caminho que é verdade e vida.

Obrigado pelo seu amor e perdão.

29.8.18

OS BATISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO APOIAM CANDIDATO?

Não é de hoje que os evangélicos no Brasil abandonaram aquela velha concepção de separação igreja-mundo, ou seja, a igreja é o lugar do bem, do povo santo e achado por Deus; o mundo é o lugar do mal, do povo perdido. Logo, quem está na igreja (lugar mesmo, templo), está protegido e guardado por Deus e quem está no “mundo”, está abandonado por Deus, perdido mesmo. Além disso, a concepção moral se dava na esfera individual, ou seja, pensava-se nas “coisas do céu”, e as “coisas terrenas” não interessavam muito. Quando “Jesus voltar”, tudo isso vai acabar e nós, os salvos e protegidos pela igreja, seremos levados e tudo isso de ruim vai ter um julgamento fulminante de Deus. A escatologia era extremamente pessimista e vingativa, da parte de Deus, é claro. Essa escatologia mudou. Hoje, o melhor “dessa terra é meu” e quem antes pregava contra a famigerada “teologia da prosperidade”, já editou Bíblia “Batalha Espiritual e Vitória Financeira”.

Há vários estudos dando conta da mudança desse comportamento nas últimas duas décadas no universo evangélico. Mudanças impulsionadas pelos (termo inapropriado e ambíguo) “neo-pentecostais” que aliou igreja e partido político de maneira pragmática e midiática. Ricardo Mariano, por exemplo, estudou esse processo muito bem no seu texto Neo-pentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. Outro pesquisador, Paul Freston, demonstrou como o voto dos evangélicos sofreu mutações ao longo do processo democrático do país e como as mentiras ditas por evangélicos ajuda ganhar votos em eleições majoritárias.

Hoje, a mensagem da igreja da “salvação da alma”, embora ainda esteja no jargão evangélico como um discurso de atração e abandono de uma vida pregressa para uma vida santa, não corresponde à realidade no seu âmbito político. Se antes uma das principais proibições se dava com o famoso “crente não se mete em política”, agora essa máxima virou fumaça. Crente se mete em política e, além de tudo, voto em crente. É dessa maneira que a bancada evangélica na Câmara Federal não diminui, só aumenta. A discussão quanto ao espaço público e sua disputa com outras expressões religiosas, não é nosso tema aqui. Quanto à isso há estudos muito bem documentados e trabalhados jornalisticamente. Interessados, indico o texto de Magali Cunha: Do púlpito às mídias sociais: evangélicos na política e ativismo digital (Curitiba: Primas, 2017).

Dentro desse quadro maior, os batistas, notadamente da Convenção Batista Brasileira, a CBB, parece que resolveram apoiar candidatos formalmente. No plano majoritário, Presidente da República e Governador do Estado, não há uma expressão maior por parte de lideranças da denominação, embora os apoios sejam velados. No contexto regional, isso ficou mais visível, principalmente depois de 2010, no Estado de São Paulo, quando a Convenção Batista do Estado de São Paulo tentou impulsionar a candidatura do pastor José Vieira Rocha, do Partido Social Cristão (PSC), quando este tentou ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. O pastor não obteve êxito.

Parece que nessas eleições 2018, para o legislativo do Estado de São Paulo, lideranças batistas do Estado querem reeleger Marcos Damásio (PR). Como pastor, já tive a oportunidade de estar com o deputado em um encontro de pastores. Na ocasião, ele conversou com os pastores, mas não pediu apoio formalmente na sua fala, mas nos bastidores do encontro, isso foi ventilado.

Os batistas se notabilizam por não fazer campanha para o candidato “A” ou “B”. Não é possível uma Igreja Batista, que entenda os Princípios, induzir os membros a votarem em candidatos que a liderança pastoral considera o mais viável, na sua opinião. Recentemente, um pastor batista no Rio de Janeiro chamou à frente da igreja um candidato à Presidente. Depois da repercussão negativa, ele veio à público procurar amenizar sua atitude.

Diante de um quadro político que inspira cuidados e atenção, onde a polarização ganha expressão raivosa nas redes sociais, o comprometimento de uma igreja local (Batista) ou uma denominação, ainda que seja na sua fração estadual, é de extrema responsabilidade. Com o apoio aberto, se acontecer, compromete-se com as pautas do candidato em questão. Uma Igreja Batista, ainda que isso seja possível, não deveria atrelar a sua trajetória a nenhum candidato, uma vez que cada igreja é autônoma e o pastor da igreja não tem nenhum direito de exigir isso dos membros da comunidade. Se acontecer algo assim em uma igreja local, isso já seria agravante no sentido de violar, pelo menos, dois princípios dos Batistas, separação entre Igreja e Estado e Liberdade de Consciência e Opinião. Uma denominação, na sua fração estadual, torna ainda mais inadmissível algo assim. Isso acontecendo, o candidato está dizendo que, de alguma maneira, está com os “batistas do Estado de São Paulo” e que eles, os batistas, estão acompanhando o candidato e concordando com ele, o que se constituí inverossímil, até mesmo pela própria estrutura e sistema denominacional. Seria apenas uma maneira de chamar a atenção do eleitor “evangélico” para a condição de um candidato que recebe ou que está junto a um dos poucos segmentos da Igreja Brasileira que, ainda, usufruiu de alguma respeitabilidade no cenário evangélico brasileiro? Talvez...

Em tempos como esses, é bom lembrar um pastor batista que tem a sua memória preservada pela admirável maneira como lidou com as questões da denominação, mesmo quando discordava dela. Estou me referindo à Isaltino Gomes Coelho Filho. Ele dizia: “Não imponho candidato às minhas ovelhas. Tenho percepção política, e minhas convicções são claras. Mas são minhas. Não as imponho. Meu rebanho não é minha propriedade”.

20.8.18

O MESSIANISMO EVANGÉLICO E A ORAÇÃO DE JOSUÉ VALANDRO JR.

Não é novidade que há pastores de Igrejas Batistas – uma Igreja Batista funciona como uma igreja local e autônoma; com um regime (para o bem ou para o mal) democrático na condução da vida eclesial, portanto, cada Igreja Batista responde por si mesma –, que estão envolvidos com figuras ilustres do processo político-jurídico nacional desde 2014 de forma acintosa.

Um dos notáveis procuradores da “Operação Lava Jato”, é membro de uma Igreja Batista. O senhor Deltan Dellagnol é blindado e colocado em lugares altos dentro da denominação, principalmente pelo seu pastor, L. Roberto Silvado, pastor da Igreja Batista de Bacacheri, em Curitiba/PR, da qual o procurador é membro e seu pastor, hoje, presidente da Convenção Batista Brasileira, a maior representação denominacional dos batistas no Brasil. No caso da votação no STF sobre a prisão ou não em segunda instância, Roberto Silvado fez um pronunciamento aos batistas brasileiros, pedindo oração e jejum para que o Supremo julgasse de maneira correta, ou seja, para que os ministros votassem à favor da prisão em segunda instância, visando tão somente a prisão do ex-presidente Lula.

Nas eleições de 2010, Paschoal Piragine Jr., da Primeira Igreja Batista em Curitiba, também emitiu sua opinião no púlpito de sua igreja contra a candidatura de Dilma Rousseff, apregoando nela a representante maior da corrupção no país, bem como os problemas morais.

Esses e outros fatos, demonstram que algumas lideranças batistas estão apoiando, abertamente, políticos e tomando parte em suas propostas político-partidárias e, assim como os irmãos pentecostais costumam fazer, está se configurando, cada vez mais, o tal “voto de cajado”; influenciando os membros a tomarem partido e escolhendo seus candidatos a partir da indicação ou voz “profética” do seu pastor.

No dia 19 de agosto de 2018, na Igreja Batista Atitude Central da Barra, no Rio de Janeiro/RJ, o pastor Josué Valandro Jr., presidente da igreja, chamou à frente o candidato do PSL à presidência da República, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro. Sua intenção era orar pelo candidato, uma vez que a esposa do candidato é membro da referida igreja e, segundo o pastor, atuante na comunidade. Fazendo isso, Valandro Jr. sabe que irá se comprometer com o candidato e suas propostas. No seu discurso, divulgado em vídeo (veja aqui), é possível ver a tática do pastor em relação ao candidato. A porta de entrada para tal atitude, é chancelada pela chave “buscar a vontade de Deus”. Com essa chave hermenêutica, o pastor quer dizer que as eleições de 2018 estão abertas, ou seja, a nação está esperando que a “vontade de Deus” seja manifestada no mês de outubro. A partir disso, diz o pastor: “Deputado, eu não sei qual a vontade de Deus para a sua vida, mas uma coisa eu queria te falar: essa igreja vai orar pela sua vida”. Ainda que essa seja a suposta chave hermenêutica para chamar o candidato à frente, fazer a oração e depois dar a ele trinta segundos para falar, o pastor deixa muito claro quem é o seu candidato e quem ele espera (aí não é mais a “vontade de Deus”) que suba a rampa do Planalto no dia primeiro de janeiro de 2019: “Eu não vi coragem e credibilidade no olhar dos outros [candidatos] que eu ouvi, minha opinião”.

Além de emitir a sua opinião a favor do candidato, a vontade de Deus que ainda está para se manifestar, segundo o pastor, pelo menos num primeiro momento, já está manifestada para ele: “Se for a vontade de Deus que você seja no dia 1º de janeiro presidente do Brasil”. E assim completa: "Porque nós precisamos de alguém justo, correto”. Mesmo que o pastor diga que na igreja não há “voto de cabresto”, ele nega, pelo menos, dois princípios dos batistas. Um deles é a separação entre Igreja e Estado. Por esse princípio, o candidato do PSL não deveria estar à frente da igreja, a não ser que este fosse o Presidente do país. O segundo princípio, é a liberdade de consciência e opinião, que faculta a todos o direito inalienável de decidir suas questões morais, éticas, políticas e religiosas. Mas quando o candidato sobe ao púlpito da igreja ele é aplaudido, confirmando assim, que a Igreja Batista Atitude, ou boa parte dela, aprovou a atitude do seu pastor. Não é possível dizer que todos concordaram com o pastor, seu gesto e fala.

É recorrente nas eleições majoritárias do país, o discurso evangélico girar em torno de um certo messianismo. É preciso ter um “inimigo” a ser batido, do contrário não há uma luta entre o “bem” e o “mal”. Assim, no messianismo evangélico, é preciso ter personagens messiânicos, para que esses possam combater o reino das trevas e estabelecer o "reino de Deus". Nesse sentido, então, o candidato do PSL não tem apenas no seu sobrenome o “Messias”, ele é a figuração de um messias e tem qualidades para isso, segundo o pastor Valandro Jr.: “coragem e transparência”.

Na sua oração, com os seus demais pastores, Valandro Jr. vaticina a condição messiânica do candidato e pede, inclusive, que Deus o “blinde de uma gripe”.

Além de tornar o candidato o preferido dele e, por influência sua, da igreja também, Valandro Jr., na sua oração, faz o jogo do candidato quanto este coloca em suspeição o processo democrático do país e sua principal ferramenta, o voto. A convicção do pastor é tão evidente de que a vontade de Deus, que já é a sua a essa altura, é tornar o candidato presidente, que chega ao ponto de colocar em suspeição a credibilidade do processo eleitoral quando diz: “Que nem os hackers consigam mudar aqueles votos da urna. Que ninguém consiga, de alguma maneira, desfazer o propósito melhor [o seu candidato] para a nossa nação”.

A espera do pastor é que “no dia 1º de janeiro, esse homem possa subir a rampa do Planalto, para começar uma nova história desse Brasil”. Assim acontecendo, o pastor já diz o que não deveria acontecer, por saber qual é a opinião e os posicionamentos violentos do candidato: “Não de caça às bruxas, por que não estamos aqui para machucar ninguém”. É como se ele dissesse: vai devagar meu candidato.

Na oração do pastor Valandro Jr., a parte mais falaciosa da sua fala é essa: “Como ele tem falado, unindo pobres e ricos, negros e brancos, índios, sulistas, nortistas”. Parece que o pastor desconsiderou as falas do candidato em que este diz abertamente que, se for eleito, “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. Em uma de suas falas, considerada de teor racista, a PGR apresentou denúncia contra o candidato.

Mesmo admitindo que o candidato não é “evangélico” e “não é membro da igreja”, Valandro Jr. insiste que ele tem “valores cristãos” e é um “amigo da igreja evangélica”, e, mais ainda, “um amigo da ética”. Mesmo tendo mantido uma funcionária fantasma por muitos anos na região de Angra dos Reis/RJ, quando esta deveria estar em Brasília.

Por fim, espero que Deus não escute a oração de Valandro Jr., assim como não escutou a oração de Jonas quando este queria que Deus destruísse a cidade de Nínive, mesmo sabendo que Javé era um “Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que prometes castigar mas depois te arrependes” (Jn 4,2).

24.7.18

“OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE”

As eleições de 2018 já despontam como uma das mais críticas, em virtude do atual momento político, econômico, jurídico e social do país. Entre as candidaturas para assumir o Planalto, a mais emblemática é a do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-Rio). O deputado, ganhou notoriedade nas redes sociais, tendo inúmeros seguidores, ajudado, obviamente, pelos famosos “robozinhos” que habitam o espaço digital. Além disso, o candidato ganhou um certo destaque pelo seu tom jocoso ao tratar de assuntos delicados como feminicídio e homossexualidade. Somando a isso, o candidato vem colecionando declarações polêmicas, com o seu habitual destempero em entrevistas quando questionado com mais contundência.

Até o momento, o candidato do PSL não apresentou um plano de governo, até porque, segundo ele, ninguém ainda tem plano de governo. Mesmo assim, a sua principal agenda segue sendo o acesso às armas; a demarcação de terras para indígenas e quilombolas; a diminuição do Estado e da máquina pública, logo ele que tem todos os seus filhos na esfera político-partidária fazendo carreira, assim como o próprio que já está há vinte e oito (28) anos ininterruptos como Deputado Federal.

Com um português sofrível e jargões do universo militar, o deputado que pretende ser presidente do maior país da América Latina e da quinta economia do mundo, não consegue desenvolver uma argumentação lógica, coerente e plausível. O seu maior receio, declarado, é enfrentar um debate aberto com os demais candidatos à presidência.

Mesmo com o despreparo latente e a desqualificação visível para ser um presidente da República, o candidato segue sendo uma opção para uma porcentagem da população.

Ocorre que a sua principal plataforma política tem sido o “ódio”. Em uma questão o candidato e sua assessoria tem acertado: o ódio é uma arma poderosa em tempos de crise institucional. Depois dos crescentes escândalos envolvendo partidos políticos e grandes empresários, o candidato apareceu como um catalisador de frustrações, mas também de protestos de uma parte do eleitorado brasileiro. Assim, as suas colocações não causam nenhum espanto para quem já decidiu dar a ele o voto no primeiro turno.

A proposta do ódio e da vingança (toma lá dá cá), tem ganhado as redes sociais e a figura do “homem” violento tem sido personificada nessa figura boçal. À quem quer vê-lo presidente, porque só assim terá uma chance de colocar uma arma de fogo na cintura, por entender que dessa forma terá oportunidade de se defender da criminalidade, mas isso só será possível para o “cidadão de bem”.  Como lembra o historiador Leandro Karnal, “Somos um país violento. Violentos ao dirigir, violentos nas ruas, violentos nos comentários e nas fofocas, violentos ao torcer por nosso time, violentos ao votar. Como pensar é árduo, odiar é mais fácil”. Se o país já está tão polarizado e as discussões estão cada vez mais permeadas pela violência, não havendo, nem mesmo, em alguns casos, uma base mínima civilizatória de diálogo, um presidente como esse não aprofundaria ainda mais esse fosso?

Recentemente o candidato, com uma criança nos braços, a ensinou fazer o “sinal” de uma arma, algo já recorrente. Ainda que houve inúmeras reações contrárias ao ocorrido, assessores do deputado, quando questionados sobre o fato de estar ensinado uma criança de quatro anos a imitar uma arma com os dedos, disse que poderia ser interpretado como um “gesto cristão” de bravura.

Infelizmente, há cristãos que apoiam o candidato e fazem “vistas grossas” com um fato como esse, julgando se tratar de uma “montagem” quando os principais jornais do país noticiaram o ocorrido.

Ao que parece, esses cristãos estão embarcando na lei do talião, o tal “olho por olho, dente por dente”. Algo típico da herança fundamentalista no país. Nem mesmo uma criança escapa da propaganda gratuita da violência. Logo as crianças que são as preferidas por Jesus. O Nazareno as colocou no colo e disse que o Reino de Deus pertence àqueles que, como crianças, se tornarem. Foi ele quem condenou qualquer tipo de escândalo contra as crianças de uma maneira veemente (Mt 18).

Ao que tudo indica, a candidatura do deputado amante das armas seguirá. Resta saber quem mais seguirá, juntamente com ele, disseminando o ódio e pregando mais violência como uma possível solução para os problemas do país.

16.7.18

31º Congresso Internacional SOTER (Carta-Manifesto)








SOTER – Sociedade de Teologia e Ciências da Religião

CARTA-MANIFESTO


Belo Horizonte, 13 de julho de 2018.

“Será que Deus se enganou ao criar-nos assim, negros, como somos?”
Paulina Chiziane
Cidadãs e cidadãos brasileiros:
Sob o impacto das conferências que ouvimos no 31º Congresso Internacional da
SOTER, realizado em Belo Horizonte, de 10 a 13 de julho de 2018, a partir do tema “Religião,
Ética e Política”, do testemunho profético da escritora moçambicana Paulina Chiziane, e dos debates entre os mais de 550 participantes do evento, tomamos a liberdade de nos manifestar à sociedade brasileira porque o momento vivido no país é da maior gravidade. Como intelectuais e estudiosos das mais diversas expressões religiosas e dos dramas vividos por nosso povo, não podemos nos calar, muito menos como pessoas de fé que pautam suas vidas pela coerência na luta pela justiça, pela democracia e pela dignidade humana. 
Como observadores atentos da conjuntura atual brasileira, denunciamos o processo iníquo de desconstrução da frágil democracia que vimos construindo duramente depois de mais de 20 anos de ditadura civil-militar. Percebemos que há um claro intento, em curso, de quebra do Estado Democrático de Direito, com a não garantia plena dos direitos e garantias fundamentais contidas na Constituição Federal de 1988, a relativização desses direitos em nome da racionalidade do mercado, que não está mais sob o controle do Estado Democrático de Direito. Constatamos a precarização das conquistas sociais e dos direitos da classe trabalhadora; o recrudescimento de distintas formas de violência que atingem particularmente os mais pobres e vulneráveis, os povos indígenas, os quilombolas e as populações tradicionais, além da violência crescente contra movimentos sociais e suas lideranças. Assistimos, indignados, ao aumento do feminicídio e da impunidade, ao desrespeito aos direitos humanos, à onda de intolerância religiosa e à disseminação do ódio social nas mídias abertas e redes sociais, situação que vem chegando às raias do crime contra a pessoa em número inédito neste país. Parece-nos, igualmente, um equívoco a militarização do combate ao crime organizado e a imposição da ordem social pela força em detrimento da liberdade de ir e vir e de um plano de segurança debatido amplamente pela sociedade.
Diante deste quadro dramático, como Sociedade de Teologia e Ciências da Religião, reivindicamos publicamente as seguintes medidas que podem ajudar o país a retomar o caminho da democracia e da paz social:
1.        Resgate da Democracia, do Estado Democrático de Direito e da Soberania Nacional;
2.        Recuperação dos serviços públicos de saúde para toda a população, com a sustentação prioritária do SUS;
3.        Revogação das leis antipopulares como a Reforma Trabalhista e a Lei do engessamento do Orçamento Nacional por 20 anos;
4.        Recuperação da Educação pública, gratuita e universal em todos os níveis e a garantia da continuidade da pesquisa nacional autônoma;
5.        Demarcação dos territórios indígenas, das terras quilombolas, das terras dos povos originários, sobretudo na Amazônia;
6.        Reforma Agrária com apoio creditício e técnico à agricultura familiar, à agroecologia e à agricultura orgânica; retomada do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos pelo governo federal e instituições públicas de ensino; a redução do uso de agrotóxicos;
7.        Combate à impunidade e ao feminicídio, com garantia da vida de mulheres ameaçadas;
8.        Garantia de liberdade de culto para todas as expressões religiosas sem interferência do Estado;
9.        Garantia plena do direito de opinião, de exercício do pensamento crítico e do debate público nas escolas em todos os níveis;
10.    Resgate da ética na política com participação popular, garantia plena do voto popular e do direito às candidaturas de todas as pessoas;
11.    Resgate do direito pleno à presunção de inocência, cf. o artigo 5º da CF 1988;
12.    Resgate da dignidade de isenção do Poder Judiciário;
13.    Democratização das mídias abertas e controle dos monopólios da informação;
14.    Defesa irrestrita da vida das pessoas, do meio ambiente e resgate do instituto da precaução, sobretudo na agricultura de exportação e da monocultura;
15.    Promoção da dignidade de todas as pessoas e dos direitos humanos conforme os Planos Nacionais de Direitos Humanos.
No momento em que o pais vive talvez sua mais grave crise social, política, econômica, ambiental e moral, a SOTER, seus membros e participantes deste Congresso Internacional conclamam publicamente o povo, as instituições científicas, as comunidades de fé, os movimentos sociais, as igrejas, os sindicatos, as entidades civis, as associações e as cooperativas a levantarem sua voz em defesa dos direitos e garantias fundamentais, e a buscar com organização e criatividade caminhos para o resgate da Democracia participativa e transformadora, única forma de evitar o caos social, o abuso do poder estabelecido e a violência sem tréguas.
Inspirados pelo Espírito da Vida que sopra dos quatro ventos da terra, afirmamos nossa esperança de novos céus e nova terra, com cidadania, justiça e paz.
            A Diretoria 
            Cesar Kuzma – Presidente da SOTER
            Maria Clara L. Bingemer
            Paulo Fernando C. de Andrade
            Solange Maria do Carmo
            Alex Villas Boas Mariano

Participantes do 31º Congresso Internacional da SOTER 2018



24.6.18

O DESCONTROLE EMOCIONAL DE NEYMAR, O ÍDOLO PATÉTICO QUE SOBROU PARA O BRASIL

Kiko Nogueira
Neymar chora.

Tite defendeu o choro de Neymar após a vitória suada do Brasil sobre a Costa Rica: “Ele tem a responsabilidade, a alegria, a pressão e a coragem para externar esse sentimento. Eu, por exemplo, sou um cara emotivo, mas cada um tem a sua característica”, disse.

Desequilibrado, Neymar foi às redes sociais se queixar.
“Nem todos sabem o q passei pra chegar até aqui, falar até papagaio fala, agora fazer…”, escreveu.

Segundo ele, as lágrimas são de “alegria, de superação, de garra”.
“Na minha vida as coisas nunca foram fáceis, não seria agora né! O sonho continua, sonho não, OBJETIVO!”. 

O mimimi ganhou o apoio de Thiago Silva, o zagueiro que abriu um berreiro indigente em 2014 antes da decisão nos pênaltis contra o Chile.
“Falei para ele: ‘Chora mesmo, só você sabe o que passou para estar aqui nesta Copa’”. Thiago Silva, um mestre em choramingar, é capitão. 

Tite gosta de repetir um mantra para seus comandados: “Mentalmente forte”. O resultado é esse que se vê.

A comissão técnica dispensou um psicólogo.

Tite faz esse papel como “coach” — uma dessas picaretagens marqueteiras que não significam coisa alguma, tipo “sustentabilidade”.

Neymar é tratado, simultaneamente, como um menino que precisa ter as fraldas trocadas e como um super salvador da pátria.

Nas entrevistas, os outros jogadores, a grande maioria estrelas em seus clubes, têm que ouvir perguntas sobre ele.

“Na minha vida as coisas nunca foram fáceis”, diz um sujeito que ganha mais de 700 mil euros por semana e carrega dois cabeleireiros para a Rússia.

É absurdo um atleta desabar dessa maneira na fase de grupos após superar a esforçada Costa Rica.

Tentou cavar um pênalti com um teatro ridículo.

Mais tarde, reclamou com o juiz que colocou casualmente a mão em seu peito: “Não me toque!”.

Deu um soco na bola. Xingou um adversário, em espanhol, de “filho da puta”, entre outras gentilezas, por uma falta ordinária.

Tomara que sejamos campeões.

Mas Neymar é o ídolo patético que este Brasil merece.

31.5.18

O PERIGO DA INERRÂNCIA SELETIVA

Molly T. Marshall (1)

Inerrância bíblica foi supostamente a razão para a aquisição hostil da Convenção Batista do Sul (SBC), ou ressurgimento conservador, como alguns preferem. Eu afirmo que a inerrância bíblica era uma mera ferramenta para a preservação do poder patriarcal e do privilégio masculino branco.

Eu estava involuntariamente na mira de tudo, tendo começado meu doutorado no Seminário Teológico Batista do Sul em 1979, o ano da primeira vitória fundamentalista seguindo o manual de Pressler (2) e Patterson (3). Quando entrei para a faculdade lá em 1984, a controvérsia estava a todo vapor, e a posição de alguém sobre o papel das mulheres no ministério tornou-se o teste decisivo para a inerrância. Como pastor que trabalhava na SBC na época em que fui contratada, tornei-me uma exposição de tudo o que os líderes masculinos temiam: uma mulher ordenada que reivindicou seu lugar de direito como líder pastoral.

No verão de 1984, a Convenção tinha notoriamente resolvido que as mulheres deveriam ser impedidas de exercer o ministério pastoral por causa da “prioridade na queda edênica”. Falo sobre a inerrância seletiva! Os proponentes escolheram um texto obscuro como prova da disposição duradoura de Deus sobre a culpabilidade feminina e, portanto, a incapacidade de liderar uma igreja. Naturalmente, este é o único lugar em todas as Escrituras (além do Gênesis) onde Eva é mencionada, e a abordagem hermenêutica dos conservadores Batistas do Sul convenientemente ignoraram a maioria do corpus paulino com seu acento sobre a transgressão de Adão.

A teologia ossificada tem sido a marca do ressurgimento conservador, e Paige Patterson é o principal exemplar dessa tradição. Destrutiva em sua aplicação, esta teologia promoveu resultados cruéis. Enquanto eu evito a proposição da inerrância, acreditando que ela reivindica algo para a Escritura que não reivindica por si mesma, a inerrância seletiva de Patterson tem sido buscada por interesse próprio e medo do poder das mulheres. 

Patterson leu aqueles avisos ou proibições historicamente situados sobre a liderança das mulheres, literalmente ignorando todos os textos que identificam a liderança e as realizações das mulheres. Uma interpretação masculinista de textos o manteve cativo, e o dano esmagador de sua abordagem de sua teologia veio à tona agora. Exigir que as mulheres mantenham silêncio sobre o abuso e se submeter à chefia masculina é tudo sobre o patriarcado e nada sobre os valores bíblicos.

Eu trabalhei em um projeto de livro no início dos anos 90 com Paige; ele fazia parte de uma equipe conservadora de autores, eu estava com a equipe moderada. O volume resultante foi Beyond the Impasse (“Além do impasse”), um destino que nos iludiu. O que me impressionou imediatamente foi sua incapacidade de ouvir qualquer coisa que desafiasse sua visão de mundo fundamentalista. Lembro-me de uma troca entre o renomado estudioso do Velho Testamento Walter Harrelson (4) e Patterson sobre sua abordagem das Escrituras e o que estava em jogo se você abandonasse a inerrância. “Se não há Adão e Eva históricos e literais”, alegou Patterson, “então não temos doutrina do pecado”. Harrelson respondeu com sua bondade característica, ainda que incisiva: “Ó meu querido irmão, minhas perguntas são muito maiores do que isso”. Ele sabia que uma falsa suposição sobre as Escrituras não permitiria uma fé coerente.

A visão obscurantista de Patterson também permitiu que ele ignorasse inúmeras bandeiras sobre o comportamento desagradável de Pressler com os rapazes. Enquanto o seu lugar de honra fosse preservado, ele poderia ignorar as alegadas aberturas de seu colega mais próximo, cujo caso agora está no tribunal. O objetivo de recuperar a SBC de sua tendência liberal importava mais do que a integridade daqueles que guiavam essa busca, como confirmam recentes divulgações (o caso das mulheres que veio à público agora).

A inerrância seletiva é tão prejudicial quanto a escolha de textos que reforçam as pressuposições liberais. A leitura de todo o texto divino-humano conta a história do envolvimento de Deus com a humanidade nas várias épocas, forjando a tradição judaico-cristã. A Bíblia fala implacavelmente de mudanças sociais e da esperança de que a nova comunidade forjada por Cristo supere as estruturas patriarcais.

Esconder-se atrás da inerrância, a fim de preservar o privilégio masculino, causa danos irreparáveis ​​a um testemunho cristão lúcido. Deus sabe, precisamos contar melhor nossa história e vivê-la mais plenamente, para que tanto mulheres quanto homens possam florescer.

Notas
(1)   Doutorado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul; pós-graduação no Instituto Ecumênico Tantur (Jerusalém, Israel); Universidade de Cambridge (Cambridge, Inglaterra); Seminário Teológico de Princeton (Princeton, Nova Jersey). 
(2)   Paul Pressler, uma figura importante no processo fundamentalista da Convenção Batista do Sul em 1979. Em 2018, surgiram alegações de décadas de abuso sexual. Pressler foi acusado de ter estuprado um menino regularmente, começando quando o menino tinha 14 anos quando ministro da juventude. O líder da Convenção Batista do Sul, Paige Patterson, é acusado de ter ajudado no acobertamento do caso.
(3)   Paige Patterson, foi demitido do Seminário Batista do Sul depois que surgiu acusações de que ele teria aconselhado mulheres abusadas física e sexualmente a se manterem caladas e casadas.
(4)   Walter Harrelson, pastor batista; estudou na Universidade de Basileia (Suíça) e na Universidade de Harvard. No Brasil tem um livro traduzido: “Os Dez Mandamentos e os Direitos Humanos” (Paulinas, 1987).