25.8.08

O TEMPO E A VIDA

Homenagem a irmã Domingas Tavares pelos seus oitenta anos de idade

Não sei se você tem esta impressão, mas o tempo assusta. A nossa vida é tão efêmera que pensar no próximo ano chega a dar até mesmo desespero. O tempo é está dimensão que nos cerca do qual nós dividimos entre passado, presente e futuro. E mesmo assim não podemos vivenciar os três: o que passou não volta mais e o futuro ainda não chegou, resta mesmo viver o presente, pois é com ele que construímos o futuro.

Nesta pastoral não quero pensar no que faria com os meus oitenta anos, se é que chegarei lá, até porque só tenho vinte e seis anos de idade. Dedico a uma vida que já viveu muitos anos e tem muita história para contar. Quero pensar no tempo e na vida, e desde já irmã Domingas minhas desculpas por filosofar um pouco, é o hábito.

Nós, os ocidentais, temos uma maneira de demarcar o tempo, apenas isso. O tempo mesmo, alvo de discussões entre os filósofos, não conseguimos parar. É por isso que dizem que não é o tempo que passa, mas nós que passamos por ele. Essa idéia de marcar dias e anos surgiu, aproximadamente, há 3000 anos antes de Cristo lá com os chineses, egípcios ou sumérios, com base na observação do Sol e da Lua. Nosso calendário é tipicamente romano, a julgar pela palavra – calendarium (é latim) – que era um livro de contas para marcar os juros daqueles que pegavam dinheiro emprestado. O tempo mesmo não pede licença para ser o que é. Nós apenas o percebemos com os nossos corpos e as coisas que vão mudando, para melhor ou pior, nos últimos anos para pior.

O tempo só é tempo porque surgiu a vida. A vida é e sempre foi dádiva de Deus. Pensar que há cerca de 3,8 bilhões de anos, nos oceanos, sob a combinação de 20 aminoácidos, irrompeu a primeira célula viva, e contando com um processo evolutivo, que não poderia deixar de ter um Ser grandioso como organizador, a vida se transforma neste emaranhado ser complexo dotado de consciência e necessidades. É a partir daqui que contamos o tempo e seus desdobramentos na vida.

Contar o tempo é medir anos e dias, e eles vêm, querendo ou não. Para alguns ele não passa dos 20, 18 ou até mesmo 15, vitimados pela violência urbana das grandes cidades deste país; outros, como a irmã Domingas, ele chega até os oitenta. Não sei se Moisés (possível autor do Salmo 90) tinha razão quando diz que “os dias da nossa vida sobem a setenta anos, ou, em havendo vigor, a oitenta: neste caso o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos”. Não sei se Moisés tinha este vigor, mas a irmã Domingas posso garantir, têm! Acorda cedo, faz café; costura como ninguém; vai ao templo nos dias de culto e nos dias que não tem culto; visita a cozinha sempre e esperava ver a mesma pronta para encher o coração de alegria; visita os irmãos e irmãs; ora muito, muito mesmo; participa das atividades da igreja com zelo e dedicação. Não sei se o nome para isso é vigor, mas se for à irmã Domingas têm. Apesar das fragilidades do corpo que demanda cuidados com o passar dos anos, mas mesmo assim vigorosa. Quanto ao corpo, ele apenas denuncia a passagem que fazemos pelo tempo. Ele é a comunicação do que fazemos nesta vida – os amores vividos, os ódios sofridos, as dores padecidas, a história percorrida, a cultura adquirida, os hábitos, as manias, as alegrias...

Hoje se fala muito em felicidade na vida. Pessoas correm atrás da tal felicidade. O que a maioria das pessoas desconhece, é que a felicidade não é um lugar aonde se chega, mas um jeito como se vai. Alguns a encontram no dinheiro, nas compras, nas drogas como álcool e entorpecentes. Mas há quem a encontra no doador da Vida, a base da nossa existência; naquele de quem nunca saímos porque “nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At. 17,28). A felicidade seria aquele momento de completude: um sentimento que invade a vida e enche ela de significado e alegria, mesmo que as circunstâncias não sejam para tanto, e de paz, mesmo que haja guerras.

Olho para pessoas como a irmã Domingas, e vejo a felicidade. Não esta de ter dinheiro e sucesso na vida. Aliás, sucesso é algo tão relativo. Felicidade aqui, pela perspectiva da dona dos oitenta, é poder estar no templo com os irmãos e sentir o abraço, o sorriso, o carinho, o amor fraterno. É estar pronta para servir os irmãos que vêm trabalhar na construção; é poder ajudar a fazer aquela comida gostosa nos “Junta Panela” que a igreja promove para aproximar mais os irmãos uns dos outros; é cuidar da hortinha no fundo do salão social. A felicidade, com certeza, esta nas pequenas coisas da vida: no neto que nasce; na filha que casa; no conselho que é dado; na oração que é feita; na história que é contada; nas belezas que são vistas.

A vida e o tempo é assim, um depende do outro para ser o que é. Contamos o tempo com a vida, e vivemos a vida com o tempo. O que conta mesmo é o que fazemos com a vida que passa pelo tempo. O resultado pode ser a felicidade ou a infelicidade de não ter vivido a vida.

Quanto a Moisés, bem. Se o Salmo 90 é mesmo dele, ele passou dos oitenta, chegando a cento e vinte anos (Dt. 34,7).

Quanto a irmã Domingas, esperamos que esteja conosco até o tempo deixar.

Parabéns pelos seus oitenta anos, que Deus continue abençoando a sua vida.

Pr. Alonso Gonçalves

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