30.6.08

POR UMA NOVA IMAGEM DE DEUS

Refletindo sobre oração

Alguns anos atrás um amigo faleceu com câncer. Era um garoto, tinha apenas dezenove anos; bonito; bom emprego; estava sempre na Igreja; gostava de uma garota; tinha uma vida pela frente. No sofá de casa assistindo TV sentiu uma forte dor na altura da barriga e foi para o hospital. Em questão de dias o diagnóstico acusou câncer. Seu nome era Alberto.

A Igreja ora, os jovens choram, a mãe se desespera. Estava avançando rápido demais.

Naquele dia das mães, num hospital frio um jovem de olhos azuis encerra sua trajetória nesta realidade.

Foi por falta de oração? Será que a oração da Igreja não foi suficiente? Os irmãos não tinham fé? Os pentecostais teria tido êxito? Ou Deus quis levá-lo porque era da “sua vontade”? Será este Deus tão cruel ao ponto de dar cabo de uma vida na flor da idade? Se esta era, de fato, a “sua vontade”, como entender esta “vontade” que machuca e abre um vazio no peito de quem fica? Perguntas e mais perguntas. Foi aí que tive uma nova experiência com Deus. Ele não apareceu no meu quarto em “visão” para dizer o que tinha feito. Minha experiência foi de dentro. Aprendi alguma coisa sobre oração e uma nova imagem de Deus emergiu.

Aquela imagem de um Deus que esta fazendo a sua vontade de maneira implacável – e de que tudo o que ocorria nada mais era do que o seu controle sendo exercido – não era mais concebível. Conceber um Deus que agia por meio do determinismo, e que, portanto, permitia mortes horrendas, catástrofes, doenças, guerras pelo mundo enquanto o homem, passivamente, assistia a sua atuação era insustentável. Ainda tinha que ouvir crentes influenciados por uma teologia calvinista e exclusivista de que aos crentes em Jesus Cristo a misericórdia de Deus era constante. Sem contar a novidade estabelecida pelos neopentecostais de que a oração que não produzia resultados práticos – na sua maioria de consumo – não era oração de verdade. Oração mesmo é aquela em que se manipula a “mão de Deus” para receber recompensas. E os subterfúgios são diversos para constatar a resposta de Deus ao “clamor” dos 318.

Encontrei o sentido de oração no interior de minha existência. Foi na experiência com o Deus de Jesus que encontrei aquele fundamento de base. Naquele em que a oração se fez tão presente: preparou-se para a morte orando e morreu orando.

Concebi uma nova imagem de Deus. Não daquele que controla a história de maneira determinista e inexorável. Nesta nova imagem, ele não esta fora esperando ser acionado para agir de maneira intervencionista. Ele esta dentro e agindo no mundo, mas no e com os seres humanos. A estes foi lhes dada à capacidade de perceber essa Realidade que a tradição judaica chamou de Iahweh e Jesus com profunda intimidade chamou de Abbá.

Oração foi o meio que encontrei para se captar esta nova realidade de Deus; foi perceber de que estava sendo sustentado pela sua presença viva e que por isso não havia necessidade de se achegar a ele, uma vez que ele sempre esteve aí, mas carecia apenas aperceber-se de sua presença atuando, falando, perdoando, animando e interpelando.

Talvez orar seja isso – procurar ser a presença de Deus em cada relacionamento, em cada gesto e atitude concreta. É respirar a Vida e vivê-la de maneira intensa.

Não espero mais que Deus aja numa doença terminal ou mude o curso natural das coisas. A vida é assim: vírus atacam, guerras matam, tumores se formam, veias sangüíneas se desgastam e se rompem, pessoas são mortas por embriagados... Dor e sofrimento são coisas da vida. E vida vivida com suas debilidades e incertezas e é isso que a torna vida. Hoje posso dizer que Deus não está em um câncer, mas no tratamento; ele não está no desemprego, mas na cesta básica; ele não está no seqüestro, mas no telefonema anônimo denunciando o cativeiro. Quando perguntaram a Billy Graham onde estava Deus no fatídico 11 de setembro, ele respondeu: “nos bombeiros”.

Confundimos a nossa vida com Deus. Ele é bom, poderoso e justo, e por isso achamos que nossa vida deveria ser assim também. Nossa compreensão de fazer a vontade de Deus esta muito associada com a ausência de problemas na vida. Deus se torna uma muleta para explicar as mazelas da vida e as coisas inexplicáveis. E a oração como meio para conseguir algo da parte de Deus. Não é orar por simplesmente orar, é orar para se obter alguma coisa. O que não dá para explicar, é que oração é oração, ou seja, é aquela oportunidade de sentir Deus no dia-a-dia, e para isso não é necessariamente falando, pode ser meramente aquele silêncio que torna a nossa realidade cheia de significados.

Oro? Sim oro, mas não como antes. Eu convido todos os dias o doador da Vida para estar comigo, mas não apenas dizendo frases que começam e terminam com o “em nome de Jesus amém”. É uma oração que me remete aquela dimensão mais profunda de se ter “consciência de eu estar em Deus, e ele em mim” (R. S. Thomas, poeta galês do século XX). Talvez seja isso que Paulo quis dizer com o “orai sem cessar”.

Pr. Alonso Gonçalves
Iporanga/SP

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