17.6.08

A BUSCA PELO HUMANO NA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Quando se coloca a revelação para além do Cristianismo, é no sentido de distinguir aquele movimento iniciado por um homem de Nazaré, que a história conheceu como Jesus, onde sua mensagem, morte e ressurreição serão os elementos fundamentais da fé dos primeiros cristãos, daquele corrompido pelo século IV em que força os centros cristãos a se posicionar frente às “heresias” como o gnosticismo. Uma primeira formulação dogmática e centralizadora se dá com o Credo Apostólico, o início da chamada ortodoxia. É a partir daí que o Cristianismo terá que responder a algumas perguntas que eram levantadas, dentro do universo filosófico grego, sobre alguém que viveu longe dali e provavelmente nunca tenha ouvido falar de Sócrates ou Aristóteles. O Concílio de Nicéia (325) formula o conceito de Trindade com uma inútil discussão sobre substância e essência de Jesus Cristo com o Deus Pai. Agostinho e Pelágio irão litigar e o primeiro desenvolve a doutrina do Pecado Original, colocando o sexo como algo pecaminoso e quase uma aberração da natureza humana. O teísmo foi sendo construído em cima de postulados autoritários.

A Idade Média passa quando a Renascença e o Iluminismo chega com um discurso de maturidade humana. A era negra exercida pela Igreja chega ao seu fim com a busca incansável do homem por conhecer a sua realidade. Galileu e Copérnico desbancam a pretensão da Igreja em ser portadora do conhecimento científico e o sistema geocêntrico dá lugar ao heliocêntrico, o teocêntrico perde terreno para o antropocêntrico. O homem é dotado de capacidade racional e sistemas filosóficos como racionalismo surge no lugar da escolástica tomista e agostiniana. O Estado torna-se laico. O Homem se sente no controle de sua história. Com este cenário, a revelação se vê a procura de novos postulados, porque aqueles sustentados pelo sistema eclesiástico já não satisfazia o homem em constante descobrimento. O discurso teria que ser outro. Era preciso ter uma temática que buscasse o ser humano em seu sentido mais intimo, uma vez que a maturidade humana conseguiu produzir duas guerras de dimensões catastróficas. É aqui que gostaria de pontuar algumas soluções apresentadas pelo vocabulário teológico ao homem moderno.

Ainda neste período de descobertas e autonomia humana, surge o deísmo com a tentativa de acentuar a liberdade humana frente ao intervencionismo divino no mundo. Deus concebido como um relojoeiro que depois de dar cordas deixa o mundo aos cuidados do Homem no uso de suas atribuições morais.

A busca pelo humano dentro da revelação leva a consideração por outras tradições religiosas, que não seja, exclusivamente, o Cristianismo. Começa uma constatação pelo fenômeno religioso, o que faz alguém como Durkheim investigar formas religiosas na Oceania.

A teologia contemporânea busca essa dimensão do humano com um Barth e sua insistência de que é sempre Deus que procura pelo Homem; um Schleiermacher e seu processo indutivo em que o Homem olhando para si encontra Deus; Ritschl e sua preocupação ética como maneira de encontrar Deus; Bonhoeffer e seu cristianismo não religioso, criticando essa dicotomia sagrado/profano.

Como nada poderia escapar dessa incansável procura, depois da Reforma Protestante e sua centralização no texto bíblico, os olhos se voltam para a Bíblia – o que é isto? Rudolf Bultmann deixa sua contribuição: demitologização. É uma maneira de ver Deus no texto bíblico, mas não ficar espantado com o vocabulário mitológico e pré-científico. A Crítica da Forma coloca dúvidas que até então eram sacralizadas, como a autoria do Pentateuco, Evangelhos Sinóticos e suas fontes, as Cartas de Paulo, e o texto é desqualificado como produto final de Deus para o Homem. A contribuição foi inestimável. Tirou-se aquela ingenuidade de pensar que os homens e mulheres da Bíblia viviam sua ética, culto e religiosidade como algo expressamente revelado. O povo de Israel viveu sua fé que incluiu, naturalmente, vicissitudes como tramas, conquistas, derrotas, alegrias, tristezas. Sua história foi ganhando corpo escrito depois do exílio babilônico. E se há revelação no texto, como há de fato, ela surgiu como conseqüência de um processo de fé que modelou seu pensamento e experiência. O texto não surgiu como palavra feita e dada no nada e no vazio, pelo contrário, o texto recolhe sagas, mitos, festas, lendas, folclore para dar claridade ao passado de Israel e sua experiência originária com o conhecido Iahweh.O mesmo com os escritos neotestamentários: a experiência com o Deus de Israel e sua manifestação no Jesus de Nazaré e a ressurreição como confirmação de que ele era o Filho de Deus; dentro do imaginário religioso e cultural, a comunidade vivencia a sua fé sem pretensão alguma de construir dogmas e fazer doutrinas. O texto ganha status revelacional depois; as disputas com Marcião e seu cânon teve a reação da Igreja e como conseqüência a definição do cânon neotestamentário como escritos autorizados para reforçar a unidade centralizadora dos bispos e a fé expressa no Credo Apostólico, formulando a partir daí a doutrina da inspiração.

Mas a reação a tudo isso veio. O movimento fundamentalista, que prefere ser chamado de conservadorismo, surge nos Estados Unidos com uma postura contrária à teologia liberal (se é que podemos usar este termo), e a crítica bíblica. Como paladinos da ortodoxia e apologista da fé, o fundamentalismo assevera a inspiração das Escrituras como revelação literal da Palavra de Deus, retomando posturas da Patrística como as de Jerônimo e sua posição de que as Escrituras, em cada palavra, sílaba, acento e ponto há significado.

A teologia contemporânea ainda produz teólogos preocupados com o humano e sua relação com o Absoluto. Da Alemanha nazista aparece Karl Rahner com sua antropologia transcendental. A procura é pela dimensão originária. A religião, instituída com seus credos e dogmas, é relegada como tentativa de aproximação do humano com Deus, um meio que procura criar uma linguagem e um vocabulário que expresse a dimensão mais profunda do ser humano. Neste caso, formula Karl Rahner, o Homem é um Ouvinte da Palavra e que, portanto, todo ele está impregnado pela presença da revelação. Em sua estrutura é constituída a vocação para ser este ouvinte. De um lugar que viu duas guerras e um lunático, Paul Tillich busca o fundamento do ser. O profundo, o abismo, o fundo do ser são símbolos do divino. Quando está busca pelo ser emerge, surge a revelação.

Deixando a teologia existencialista da Europa e o fundamentalismo pragmático norte-americano, pensemos em nosso continente: a America Latina.

Um continente subjugado pelo capitalismo selvagem e o colonialismo, condenado a ser sempre especulativo. Mas de um povo festeiro que consegue passar do soluço à gargalhada em minutos; um povo arraigado em suas tradições religiosas. Anos de dominação colonial não tiraram a diversidade cultural e religiosa de nosso continente – como bem diz um poema de nossa terra: “arrancaram nossos frutos, cortaram nossos galhos, queimaram nosso tronco, mas não puderam matar nossas raízes”. Povo hospitaleiro e possuidor de uma espiritualidade herdada pelos índios e seu apego à mãe Terra, a nossa Pacha Mama. Aqui, de fato, não há lugar para o secularismo religioso produzido na Europa, pelo contrário, é a fé em Deus que dá força para lutar contra a opressão social, a desigualdade e a miséria. Em um contexto como esse não poderia surgir outra coisa senão uma teologia da libertação.

Aqui, a revelação só pode ter seu rosto na comunidade que se chama Igreja. Não que ela seja a portadora da revelação e seu limite. Deus está aí – sempre dentro do mundo, em casa, transcendente, imanente e transparente, não necessita vir de fora, a sua presença já permeia toda a criação. Em nosso continente, a Igreja é a sinalização da graça de Deus já presente no mundo. Ela torna patente o plano de amor de Deus; torna realidade, nela mesma, a presença amorosa de Deus. A Igreja é a consciência mais profunda do manifestar de Deus. O nosso Jesus tem um rosto humano demais; a nossa oração é carregada de sentimentalismo; a nossa ética procura o desvalido e o necessitado; a nossa Bíblia é testemunho-exemplo do amor de Deus por um continente marcado pela esperança e o otimismo, a nossa leitura é libertadora – quem disse que o profeta Amós não era latino-americano?

Pr. Alonso Gonçalves
Iporanga/SP

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