21.5.12

O REINO PELAS “ALMAS” – UMA ANÁLISE DO “GANHAR ALMAS PARA JESUS”

Mas um chavão que o senso comum “evangélico” perpetuou – “ganhar almas para Jesus”. O mais incrível disso é que não há nenhum texto bíblico que diz que Jesus quer que ganhemos “almas” para ele. Não querendo entrar nessa discussão dicotômica ou tricotômica quanto a divisão do ser humano (antropologia bíblica que não é), por entender que a Bíblia não divide o ser humano, ele é alguém unitário. Enquanto para os gregos é possível separar corpo de alma, por entender que o corpo é inferior, no contexto bíblico isso é praticamente inadmissível, uma vez que é com o corpo e não apenas com a alma que o indivíduo faz parte da tribo, do clã (no Primeiro Testamento) e da igreja, da comunidade (no Segundo Testamento). Seguindo José Comblin nas suas observações da antropologia bíblica, não é por acaso que a reflexão bíblica sobre a encarnação se deu no corpo de Jesus de Nazaré.

Sempre ouvi, quando criança e agora também, a frase: “precisamos ganhar almas para Jesus” ou então essa – que é pior ainda –, “precisamos saquear o inferno, tirar dele as almas”. É horrível, mas não sei contar quantas vezes já ouvi isso.

O fato é que, desde cedo, nos foi ensinado de que o que, realmente, importa é a “alma do pecador”. Era preciso garantir um lugar no céu para a alma do indivíduo, não importando muito o seu contexto social e político. Por conta dessa preocupação excessiva com a alma, o cristão de vertente protestante aprendeu que não deveria se inteirar e interagir politicamente, uma vez que a suma preocupação era com a alma.

A maior preocupação de Jesus não foi com a alma, mas sim com o Reino. No evangelho de Marcos (1,15) lemos: o tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho. Não se trata de “ganhar almas”, mas de arrebanhar partidários do Reino de Deus. Quando Jesus entrou na casa de Zaqueu (Lc 19,9) e este aceitou a mensagem do Reino, Jesus pronunciou: hoje houve salvação nesta casa. A salvação aí não foi da alma de Zaqueu, mas sim de suas más ações, de sua maneira de enxergar o outro. A mensagem do Reino de Deus é integral, não paliativa. Ela visa o ser humano por inteiro, não separa sua alma do seu corpo.

A missão da igreja não pode olhar apenas para a alma, ela tem visão holística. Se fosse o contrário a resposta de Jesus àquele homem que perguntou (Mt 19,16-24) o que deveria fazer para ter a vida eterna seria: nada, você já entregou a sua alma ao Deus de Israel. Antes a resposta foi: vende os teus bens e dá aos pobres.

Produziu-se terrorismo em cima dessa questão de “ganhar almas para Jesus”. Quando na verdade o que Jesus requereu sempre foi discípulos, pessoas que partilhassem os mesmos desejos dele, ser fomentador do Reino de Deus.

Ganhar almas para Jesus não tem na Bíblia, mas em compensação o convite para fazer parte do Reino de Deus não falta.

15.5.12

A GRAÇA AMEAÇADA – OBSERVAÇÕES QUANTO AO CHAVÃO “INIMIGO DAS NOSSAS ALMAS”

O chavão é conhecido.

Já ouvi de pregadores; já li; já presenciei apelos sensacionalistas; já vi o ministro de música (no conhecido “momento de louvor” – nomenclatura infeliz) nos cânticos fazer terrorismo com a comunidade. É o famoso chavão do “inimigo das nossas almas”.

Sem dúvida a realidade do Mal é um fato. Mas no imaginário religioso brasileiro a concepção do demoníaco é uma herança do catolicismo português que cultivou em terras tupiniquins a compreensão de que o Mal, personificado pelo diabo, pode causar danos. Daí as fitinhas do Bom Jesus da Lapa no braço para o fechamento do corpo contra os espíritos maus; santinhos colados nos vidros dos carros ou dentro da carteira para proteção e outras coisas parecidas com isso.

Como herança disso o chavão – “inimigo das nossas almas” – pegou no protestantismo por conta da acentuada dicotomia do corpo versus alma que é tão presente na Teologia Católica (contribuição de Santo Agostinho que faz uma leitura da filosofia de Platão e Aristóteles onde a alma é superior ao corpo e cristianiza o conceito).

Sendo assim, a frase tem lugar garantido no tal vocabulário evangeliquês. E não somente ela, mas outras como “o diabo quer lhe destruir” ou “vamos quebrar as setas inimigas” ou ainda “quando o crente ora, deve esperar retaliação do diabo”.[1]

Embora haja tantos outros chavões, crendices e idiossincrasias que deveriam ser abolidas do contexto “evangélico”, penso que está frase poderia muito bem cair no esquecimento. Ficaria grato se não pudesse ouvir na igreja ou ler em algum lugar novamente.

Externo meus motivos.

1. Não há nenhum texto bíblico com essa frase. Isso se deve porque a Teologia Bíblica não separa a alma do corpo. Tanto no Primeiro Testamento (AT) quanto no Segundo Testamento (NT), alma (tradução da Septuaginta de nêfesh em hebraico) é o ser humano em sua inteireza, não dicotômico, mas unitário.

2. A Bíblia não trata de corpo sem alma ou alma sem corpo. A Bíblia trata de ressurreição e não da alma, mas da pessoa. Não é uma imortalidade, mas sim um estar com Deus. Não há antecedência de uma alma (concepção grega e não bíblica).

3. Conceber que exista algo ou alguém que pode “roubar” ou até mesmo ter o “poder” de se intrometer no plano salvífico é colocar a graça de Deus e a obra de Cristo em um plano menor, quase obsoleto. Desde quando a graça de Deus pode ser ameaçada quanto à sua operosidade? Não foi Paulo quem disse que nada, digo nada, poderá nos separar do amor de Deus? (cf. Rm 8,33-39).

4. Aceitar a legitimidade desse chavão, agora no âmbito Batista, é desconsiderar um dos principais princípios dos Batistas de que uma vez salvo, sempre salvo. É claro que esse adágio dos Batistas não quer dizer que o cristão nunca comete pecado ou ainda de que o Mal não o possa atingir. Antes significa que a salvação mediante a graça de Deus, o dom do Espírito Santo e a participação no corpo de Cristo (a igreja) não poderia ter nenhum tipo de inimigo possível para invalidar essas realidades espirituais.

Concluo que contra a graça de Deus não poderia ter nenhum inimigo; que alma é coisa de grego e que, portanto, não seria possível alguém ser inimigo dela, pelo menos biblicamente, porque somo pessoa diante de Deus e não fantasmas.

13.5.12

EM DEFESA DA FÉ - O SURTO APOLOGÉTICO

Na História do Cristianismo sempre houve movimentos que reivindicava a “defesa” ou a “proteção” do bom nome de Deus. Todas as vezes que houve um confronto com a sociedade e suas formas de conhecimento que a Igreja não tinha competência, ocorreu o choque. Foi o caso de Galileu Galilei que sofreu as investidas da Santa Inquisição por conta de sua curiosidade sobre o Universo e tantos outros personagens.

No caso do protestantismo a questão da veracidade é uma preocupação premente. É uma fé em busca de conhecimentos absolutos, irrefutáveis. A verdade é uma obsessão, sem ela não há fundamentação protestante. Como bem observa Rubem Alves (Religião e repressão, São Paulo: Teológica/Loyola, 2005), “o critério de participação na comunidade é a confissão da reta doutrina”, o contrário disso provoca ruptura entre o indivíduo e a comunidade de fé. Essa ruptura é cruel tanto quanto a Santa Inquisição, só não há fogo literalmente, embora alguns quisessem esse item na disciplina.

O mercado editorial brasileiro protestante evangélico, tem tido um surto de textos sobre Apologética – ramo da Teologia que tem como proposta a defesa racional da fé cristã. Editoras como Edições Vida Nova (Batista) e Cultura Cristã(Presbiteriana) publicam quase que dois livros sobre o tema por ano. Entre os autores que tem recebido destaque é William Lane Craig que publicou no país três livros – Apologética Contemporânea: a veracidade da fé cristã; Apologética para questões difíceis da vidaEm guarda: defenda a fé cristã com razão e precisão.

A questão é saber: quem precisa de apologética? São os membros das igrejas? São os universitários? Ou é a sociedade que precisa entender que Deus existe e que a Bíblia não contém erros?

Em tempos de secularismo e pluralismo religioso, existem alguns caminhos a serem percorridos pelas diferentes alas da igreja de segmento protestante. A ala notadamente conservadora (para não dizer fundamentalista) está promovendo através de livros, sites, blogs, encontros e congressos temas de apologética para se discutir esse fenômeno (secularismo e pluralismo religioso), mas pelo viés daproteção da igreja. Nesse caso são os membros das igrejas quem precisam de apologética. Exemplo disso é o III Congresso de Cristianismo e Cultura promovido pelo Mackenzie e tendo como preletora Nancy Pearcey e sua principal fala –“Estratégias para Cristãos numa Era de Secularismo Global”.

Assim como ocorreu com a Eclesiologia – onde um punhado de métodos e programas foram importados para a realidade brasileira – tem ocorrido com a questão do secularismo e do pluralismo religioso. Se na América do Norte a preocupação é com o ateísmo e na Europa há vários do tipo de Richard Dawkins, aqui no Brasil, e na América Latina, a preocupação não é a mesma. Por aqui nunca tivemos uma discussão ferrenha sobre Evolucionismo e Criacionismo; o continente respira religião e, embora exista, não temos um surto de ateísmo no país, pelo contrário, o que há é uma efervescência religiosa sem conteúdo, nutrindo um relacionamento com Deus com base no “toma-la, dá cá”. Além disso, há uma bancada tida como evangélica que quer cercear o debate em torno de temas importantes para o país.

Nesse cenário de secularização e pluralidade em todos os sentidos a postura tem sido diversa – enfrentamento, daí o surto fundamentalista; reclusão, principalmente igrejas de segmento pentecostal que considera o mundo perdido para o diabo; diálogo, com a sociedade não por meio do fideísmo que não aceita nada e ninguém a não ser a própria fé como mediadora, mas um diálogo aberto, fraterno, profético.

Não precisamos de apologética, mas sim de Teologia Pública. Para isso ser possível colho as observações de Jürgen Habermas de que é preciso abrir mão de uma imposição violenta de verdades de fé; submeter-se a autoridade da Ciência naquilo que ela é competente; traduzir para uma linguagem descodificada a riqueza do Evangelho e da Tradição cristã.

4.5.12

QUANDO A IGREJA NÃO VAI BEM

É fato que inúmeras pessoas na comunidade de fé têm suas opiniões de como deveria ser a igreja. O incrível disso é que cada uma olha a igreja pela sua própria perspectiva e raramente consegue enxergar o todo, ou seja, as debilidades e as qualidades da comunidade como um todo. Até aí isso é completamente compreensível. É por isso que ovelha não é pastor e pastor não é ovelha, porque cabe ao pastor ter uma visão holística da igreja.

Mas, vez ou outra, somos – os pastores – alertados por alguns de que a “igreja não vai bem”. Geralmente essas pessoas que se sentem na “obrigação” de dizer que a “igreja não vai bem” são consideradas extremamente espirituais por elas mesmas e de reputação ilibada. O interessante nisso é que a compreensão de que a “igreja não vai bem” é muito relativo, e dependendo de quem crítica ou alerta há diversidade de entendimento.

Vejamos. Para aqueles que gostam de evento a “igreja não vai bem” porque não há movimento na igreja; não há eventos sendo produzidos; não há envolvimento da comunidade em alguma programação importante pela ótica da pessoa que considera que a “igreja não vai bem”. Se for alguém que olha para a igreja pela perspectiva da construção, uma igreja que não tenha uma obra em andamento não vai bem, porque para a maioria das pessoas que pensam em igreja como “canteiro de obras” construções, ampliações e reformas é sinal de que a igreja está “crescendo”. Para outros a “igreja não vai bem” porque algumas coisas não acontecem da maneira que deveria; porque certas atitudes não são tomadas como deveriam ser (lê-se, pelo pastor – óbvio); pessoas não são afastadas quando deveriam ser para mostrar aos outros a rigidez legalista e farisaica de parte da igreja. Ou ainda, a “igreja não vai bem” por conta do pastor que não sabe lidar com a igreja e sua postura é quase irrisória. A lista pode perfeitamente continuar. Dependendo do dono da frase – “a igreja não vai bem” –, ela pode ter outro motivo ainda e geralmente atrelado ao “crescimento” da igreja.

Quando uma igreja não vai bem? Olhamos para Paulo, mais precisamente para a igreja de Tessalônica (1Ts 1,3). Paulo elogia àquela igreja não pelo seu estacionamento amplo, ou seu templo confortável, ou ainda suas entradas, muito menos pela sua rigidez doutrinária, ou pelos eventos e programas, menos ainda pela sua construção. Isso porque na igreja do Segundo Testamento (NT) não há estruturas eclesiásticas, mas pessoas; não são as regras, mas o amor; não são os eventos, mas o estar-junto.

A igreja está bem quando há operosidade da fé, ou seja, quando irmãos que decidem compartilhar Cristo tem uma fé vibrante e frutífera; a igreja está bem quando o amor é abnegado, ou seja, quando há uma demonstração de amor fraternal acima da média, onde pessoas podem se sentir amadas; a igreja está bem quando a esperança em Cristo move a dinâmica da igreja, ou seja, não é evento, programa, construção, sistema doutrinário, mas sim Cristo o alvo da igreja, a razão maior da igreja se reunir e estar em comunhão.

A igreja não vai bem quando pessoas que dizem seguir a Cristo, mas não consegue imprimir em seus relacionamentos nenhuma marca do Mestre; a igreja não vai bem quando há pessoas que se reúnem apenas para cantar como se esse fosse o único e exclusivo propósito; a igreja não vai bem quando há pessoas que preferem às regras e sua dolorida execução ao amor desinteressado e altruísta; a igreja não vai bem quando não se vê pessoas com uma fé madura; a igreja não vai bem quando a única razão de ser de uma igreja – Cristo – é deixado de lado por conta do tradicionalismo e legalismo acentuado durante anos; a igreja não vai bem quando o principal momento da igreja, o culto, a celebração, a adoração, é colocado em segundo plano e até mesmo desconsiderado por qualquer outro motivo.

E aí, a igreja vai bem?

13.4.12

UNIDADE E NÃO UNIFORMIDADE

Mais uma vez a Convenção Batista do Estado de São Paulo (CBESP) promove um dia, 15/04, para Celebrar a Unidade Batista no Estado. A meu ver é uma ótima iniciativa a campanha dado o fato de que os Batistas, por conta do seu sistema de governo, são independentes e faz bem se sentir parte de um todo, mesmo que seja por uma noite de domingo.

Considero importante esse momento – relembrar a história e reafirmar os Princípios – pela oportunidade de lembrar de que os Batistas não surgiram na história do Cristianismo no século passado, nossa história é datada desde 1609, portanto são mais de 400 anos de história. A oportunidade é salutar devido ao número imenso de pessoas que são membros de Igrejas Batistas que desconsideram a origem, os princípios e as bandeiras distintivas dos Batistas ao longo dos anos.

Mas por outro lado é bom ressaltarmos alguns pontos que em tempos são esquecidos ou, na melhor das hipóteses, não são lembrados. Considero alguns aqui.

Uma das características dos Batistas foi à luta por liberdade religiosa e de opinião (Thomas Helwys). Os Batistas nasceram dentro do sistema filosófico inglês – o liberalismo – e um de seus expoentes mais proeminentes foi John Locke. O clamor por liberdade foi um marco na história do Cristianismo inglês que lutou, até a morte, principalmente Helwys, para ter a liberdade de cultuar e vivenciar a religião da melhor maneira possível sem a tutela do Estado (rei). Os Batistas não nascem a partir de uma revelação miraculosa de alguém dotado de algum dom sobrenatural. Surgem a partir de questões políticas e teológicas. Portanto os Batistas, num primeiro momento, não têm tendência ao fundamentalismo e nem mesmo reivindica serem paladinos de um discurso “verdadeiro”. Pelo contrário, o movimento das igrejas livres na Inglaterra procurou o caminho do ecumenismo (Zaqueu Moreira de Oliveira, Liberdade e exclusivismo – ensaios sobre os batistas ingleses) sendo Guilherme Dell um dos percussores do movimento ecumênico inglês.

Acredito que seríamos diferentes – nós, os Batistas brasileiros – se ao invés dos norte-americanos, nossos missionários fossem os ingleses. Indubitavelmente seríamos mais integrados à cultura brasileira e abertos ao diálogo com o diferente.

Mas mesmo assim, não sendo os ingleses e sim os norte-americanos, é no mínimo incompatível com o espírito Batista ver pessoas ou instituições advogando para si o domínio do discurso eclesiástico ou teológico. É extremamente deprimente ver uma instituição teológica negar aos seus alunos a diversidade de pensamento, de opinião ou ponto de vista divergente sobre questões teológicas por exemplo. Os Batistas – para citar Torbert – são “livres para divergir”. Não há uma ortodoxia Batista. A opinião de alguém sempre será de um indivíduo e não de um grupo, nunca representando a coletividade.

A liberdade é uma bandeira distintiva dos Batistas ao longo da sua história. A unidade, por meio da cooperação, é uma característica. Mas a uniformidade de pensamento, eclesiologia e teologia são inadmissíveis. Unidade não quer dizer uniformidade. Essa é a graça de ser Batista.

6.4.12

ENTRE O ALTAR E A MESA – DUAS COMPREENSÕES SOBRE A PÁSCOA NO EVANGELHO DE LUCAS 22,1-30

No evangelho de Lucas há uma diversidade de códigos de leitura incrível. A criatividade da comunidade/autor em dar dinamicidade à narrativa é de encher os olhos.
Quero me ater a uma, das diversas leituras de Lucas, a mesa.

A mesa/comunhão é um dos temas centrais no evangelho de Lucas. Temos a mesa de Levi (o cobrador de impostos); a mesa do fariseu e a mulher pecadora; a mesa de Marta e Maria e tantas outras.

Mas uma da mesa principal em Lucas é a mesa da Páscoa, da última ceia. Mas ele faz um paralelo interessante entre a Páscoa da mesa (dos discípulos) e a Páscoa do templo (dos sacerdotes). Ambos têm algo em comum, a Páscoa – a celebração do povo de Israel por conta da saída do Egito – mas têm também compreensões diferentes.

A páscoa do templo tem sacrifícios, tem comida em abundância. É sinônimo de alegria, de celebração. Há pessoas, a priori, consagradas por Deus para levar o povo à adoração e conduzir uma das festas mais importantes do povo de Israel, a Páscoa.

Em outro cenário está Jesus e seus discípulos para comer a Páscoa em uma casa ao redor de uma mesa. Lucas coloca uma diferença peculiar aqui. Há a Páscoa do altar (sacerdotes) e a Páscoa da mesa (discípulos).

A Páscoa do templo e a Páscoa da mesa há um contraste proposital colocado por Lucas – aliás, Lucas faz esse paralelo no capítulo 1º também quando faz uma ponte entre o sacerdote Zacarias que recebe a visitação do Senhor (anjo) no templo e duvida, e a moça camponesa (Maria) recebe a visitação do Senhor (anjo) num casebre e aceita a mensagem. Aqui no capítulo 22 Lucas coloca a Páscoa do templo (sacerdotes) com sua preocupação cerimonial, com sua pseudosantidade, com suas leis, seus sacrifícios. O templo é um lugar onde pessoas, os sacerdotes, estão a serviço de Deus e a favor do povo. Tudo isso é uma prerrogativa do templo, da instituição. Está dentro da legalidade; está dentro da concepção teológico de Israel. Portanto, o templo era o lugar, ou deveria ser, legítimo da celebração pascal.

Mas é no templo que ocorre a trama da traição em troca de dinheiro. Isso se dá porque o sistema religioso quando perde o seu propósito tenta eliminar qualquer ameaça a sua estrutura.

A religião institucional, geralmente, se preocupa em arrumar o altar, em preparar o sacrifício, mas também desconsidera a vida, o ser humano quando pretende defender o sistema religioso e é capaz de matar por isso.

Em outras palavras Lucas está dizendo: o templo não serve mais para celebrar a Páscoa. Por outro lado ele está dizendo: não é mais um templo, e sim uma casa; não é mais um altar e sim uma mesa; não é mais um sacrifício e sim um pão repartido; não são sacerdotes, mas sim irmãos.

Que tenhamos uma ótima celebração de Páscoa neste domingo em torno da mesa.

29.3.12

DEVANEIOS SOBRE POLÍTICA

Alguns detestam. Outros não querem nem mesmo ouvir falar. Outros ainda a ignoram completamente. Mas o fato é que ninguém vive sem ela, a política. É uma pena, mas muitos são analfabeto político, para citar o poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956) que dizia:

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, [...] nascem o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra e corrupto [...].

O mais interessante no texto de Brecht, é que ele escreveu isso há tanto tempo e essas linhas continuam sendo atuais, muito mais ainda por aqui, no Brasil.

Quem diria eh Aristóteles, como a sua semântica – política – mudou tanto ao longo dos anos. Se lá na Grécia política significava os “negócios da cidade” hoje, com muito pesar, ela significa, para uma grande maioria, os “negócios do bolso”. É lamentável.

Numa coisa Aristóteles tinha razão, “o homem é um animal político”. O filósofo grego dizia que a partir do momento que se vive na cidade (polis = cidade, portanto cidade não são os prédios, as ruas, mas sim as pessoas, daí a ideia de política, no entender grego, de cidadania) é um ser político, porque o homem tem uma ferramenta que o distingui dos outros animais, a linguagem. E é ela que organiza a nossa realidade e nos torna comunicáveis nas relações humanas. Daí a política ser um meio para promover o bem comum dos cidadãos.

Mas como seria bom viver em um país onde as pessoas votassem em seus candidatos pelas suas ideias, propostas, projetos e vida comprometida com a “coisa pública” – que é o real sentido da palavra república.

Como seria bom não poder ver nenhuma faixa no Posto de Saúde ou no Hospital recém-inaugurado ou reformado agradecendo ao Executivo as melhorias realizadas. Quando isso acontecer será um atestado de maturidade política dos cidadãos, pois aí eles já teriam aprendido de que eleição é apenas uma maneira de contratar um gestor público e o patrão, de fato e de direito, é o povo.

Como seria bom não ver ninguém apoiando ninguém em suas candidaturas. Agindo assim, os candidatos estariam dizendo a todos de que não querem induzir ninguém a votar em seu correligionário. E por outro lado as pessoas estariam exercendo a sua cidadania de forma mais concreta, sem intermediários no processo democrático.

Como seria bom não ver políticos profissionais como José Serra e tantos outros por aí que fazem uso de manobras marcadas dentro do seu partido para sair candidato a qualquer cargo do Executivo, seja ele presidente, governador ou prefeito. Seria bom o povo dar um basta nesses políticos que só aparecem em ano eleitoral. Pega na mão de tanta gente que nunca viu, mas nem mesmo irá se lembra do nome.

Como seria bom não ver os eleitores trocarem a democracia conquistada com vidas por sacos de cimento, tijolo e benesses. Seria bom ver os eleitores questionando seus candidatos quanto a melhorias em temas tão básicos como saúde, educação e bem comum, e não querendo obter alguma coisa em troca do seu voto.

Acho que isso não seria possível, por enquanto. Mas quem sabe um dia.

Por enquanto apenas devaneios mesmo sobre a arte da politica, como diriam os gregos.

Por ora a música Coração civil de Milton Nascimento e Fernando Brant serve de utopia – Quero nossa cidade sempre ensolarada; os meninos e o povo no poder, eu quero ver.