19.9.08

INTOLERÂNCIA

Os batistas ao longo de sua história sempre defenderam a liberdade de consciência e religiosa. Somos marcados não por questões doutrinárias, mas por princípios dentre eles a competência do homem diante de Deus e a separação igreja-estado.

Notadamente os batistas se mostram intolerantes com os que não comungam das mesmas idéias. É claro que isso não é de hoje, tem raízes norte-americanas, que sempre nutriram disputas internas e externas marcadas pelo exclusivismo e intolerância religiosa, diferente dos batistas ingleses que toleram opiniões e buscaram convergências nas divergências. Não foi por acaso que os batistas particulares (tendência calvinista) e os gerais (tendência arminiana) se fundiram por lá. O mesmo não ocorreu entre os batistas dos Estados Unidos do norte-sul quanto à questão escravagista, dividiram-se. E não causa surpresa nenhuma a Convenção Batista do Sul não participar do Conselho Mundial de Igrejas enquanto a Aliança Batista Mundial, da qual a CBB é filiada, integra o CMI.

Nossa eclesiologia, marcada pela autonomia, dificulta o relacionamento com outras tendências do cristianismo, mas isso não tem impedido líderes batistas selarem profícuas relações com outras denominações, inclusive Igreja Católica. Mas basta ler alguns textos de pastores e líderes proeminentes da denominação para ver a clara indisposição ao diálogo e o trato pejorativo com quem ousa na possibilidade de convergência, tolerância e respeito – são tratados como trânsfuga do autêntico evangelho e até mesmo, em alguns casos, é colocada em dúvida a autenticidade da experiência com Cristo.

Essa intolerância tem suas raízes, e uma delas indubitavelmente é o fundamentalismo herdado dos missionários norte-americanos que aqui chegaram. Os fundamentalistas surgem como apologistas da verdadeira fé em contraste com a teologia liberal européia. Não entrando em detalhes históricos quanto ao surgimento do termo, ligado aos presbiterianos e sua assembléia que definiu os cinco fundamentos da fé, ou aos professores de Princenton e sua pureza doutrinária ou ao batista Curtis Lee Laws e o periódico batista que vinculava o fundamentalismo da Convenção Batista do Sul, os fundamentalistas preconizam a inerrância da Bíblia e têm uma postura hermenêutica literalista do texto. Deste fundamentalismo os seminários beberam. Tanto que não temos uma reflexão teológica batista brasileira, mas repetição do que já foi produzido na sua maioria por estrangeiros. Em concílios examinatórios para candidatos ao Ministério Pastoral prevalecem a Teologia Sistemática de A. B. Langston. A ênfase esta na evangelização. Pastores são treinados para evangelizar e não para refletir com labor sobre teologia. Certa vez estava em um retiro espiritual da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil Seção São Paulo. Havia diversos livros, inclusive de teólogos como Karl Barth, Bultmann e Tillich dentre outros. Títulos de uma editora considerada não-convencional pelos pastores. Confesso que fiquei até surpreso. No outro ano estávamos de volta ao retiro e dessa vez só havia livros de editoras consideradas ortodoxicamente corretas. Perguntei ao irmão a ausência de tais livros, ele me respondeu: “ah pastor pegou muito mal, tivemos várias reclamações”. O fundamentalismo bíblico dos batistas é uma das raízes de intolerância religiosa, visto que a produção teológica se deu basicamente em cima de truculências com outras denominações históricas e contra o catolicismo. A postura que foi assumida de serem os únicos intérpretes do texto sagrado e a prerrogativa da verdade tem dificultado ao nosso povo ver em outros grupos cristãos a irmandade.

Outra base da intolerância é o landmarquismo, movimento surgido nos Estados Unidos e popularizado por James Robinson Graves e J. M. Carroll com seu livro O Rastro de Sangue em que ele ensina a sucessão apostólica dos batistas. De acordo com os landmarquistas a única igreja neotestamentária de fato era a igreja batista, enquanto que as outras eram consideradas sociedades religiosas e seus líderes-ministros destituídos de qualquer autoridade espiritual. No Brasil o landmarquismo se cristalizou também, não de forma autêntica como nos Estados Unidos, mas perceptível. É dessa concepção a ceia restrita entre os batistas brasileiros, alvo de inúteis discussões; a supremacia e centralidade da Igreja Local, embora herança louvável; a reivindicação de alguns de que os batistas são, até mesmo, anteriores a Jesus, lá com João Batista, por isso é a igreja mais bíblica de todas. Essa pretensão colheu problemas e o impedimento para um diálogo ecumênico, uma vez que a identidade denominacional é baseada em disputas e não mais em princípios, aqueles que foram balizados no século XVII.

Outro pilar dessa intolerância religiosa é o anticatolicismo. Como nos Estados Unidos a luta era entre protestantismo versus protestantismo, daí o landmarquismo batista, no Brasil o inimigo foi somente um: os católicos. Os missionários norte-americanos, imbuídos pelos ideais do liberalismo, viram no catolicismo o atraso do país, o impedimento à democracia e a impossibilidade da separação igreja-estado. Daí o sentimento de messianismo que norteou a conduta missionária e a teologia nascente. Não estou colocando em demérito as conquistas ideológicas do protestantismo de missão, que teve muitos méritos na república que viria nascer, estou apenas constatando que o espírito do anticatolicismo petrificou no protestantismo, em particular nos batistas, ao ponto dos católicos serem odiados. A intolerância se mostrou nos periódicos da denominação, nos púlpitos e na literatura teológica de tendência apologética. Com isso cresceu a ótica de não considerar o catolicismo cristianismo. Isso é patente nas campanhas missionárias que tem como slogan “a pátria para Cristo”, desconsiderando a tradição cultural-religiosa do povo brasileiro e as constantes mudanças do catolicismo e seu trabalho político-espiritual realizado. Com isso não esta se negando a necessidade de levar às pessoas a mensagem de fé que os batistas professam e a espiritualidade que vivenciam, mas dentro da democratização religiosa que é salutar. Agora colocar os batistas como paladinos da verdadeira fé e negar a competência espiritual de outros segmentos religiosos é uma barreira para entender a pós-modernidade que clama por diálogo em todas as esferas, principalmente religiosa. Os batistas possuem bases para uma tolerância e convergência cristã porque preconizam a liberdade de consciência e a liberdade religiosa como princípios inegociáveis. Não há mais espaço para paradoxos.

Pr. Alonso Gonçalves

Um comentário:

Unknown disse...

Intolerancia é um termo forte, o problema é que temos lutado contra a pregação que tem levado muitos ao afastamento da Palavra de Deus, não é o caso do diálogo, não irá resolver os problemas pertinentes à salvação do homem... enquanto pastor, não me vejo no direito de negociar com os valores do reino, antes me proponho à obediencia e desta forma clamo às pessoas e a mim mesmo para que se arrependam, pondo sua boca no pó e clamem a Deus por salvação, sejam eles batistas ou não, embora não me reserve ao direito de também julgar os que serão salvos, mas me preocupa a mensagem q tenho pregado, seria ela a mensagem de arrependimento que é necessário falar aos quatro ventos ou simplesmente o politicamente correto??? Não estou preocupado com a questão de sob qual rótulo o homem se esconde, mas sobre a condição de sua existencia espiritual atual, isto sim, tem tirado meu sono, se quiser taxar isto de intolerancia, que o faça. Não fará diferença a tua opinião sobre mim ou a igreja a qual pertenço, estou mais preocupado com o IDE de Jesus e a necessidade do homem. Abraço e que o Espírito esteja orientando teus passos.

Rodmar Vieira - Pastor Batista