10.9.08

"O BRASIL TEM SEDE DE DEUS"

Este é o tema da campanha de missões nacionais deste ano. O tema renasce em cima de velhos postulados: “milhões de pessoas estão em trevas”. Mais uma vez a velha e conhecida dicotomia da cristandade brasileira, protestantismo-catolicismo, é colocada como base de evangelização. Isso não é por acaso, é claro. O protestantismo de missão (presbiterianos, metodistas e batistas, para citar alguns) veio para este país a fim de resolver um problema, o catolicismo. O objetivo era converter católicos. Reconheço a dificuldade que muitos missionários batistas passaram para levar adiante a sua missão missionária de apresentar outro caminho para um povo que tinha no catolicismo a religião oficial. Mas o resultado desta dicotomia religiosa fez com que o catolicismo fosse visto como um inimigo a ser vencido, a qualquer custo. Junto a isso o discurso exclusivista do protestantismo e a postura apologética de possuir nada mais que a verdade pura e santa. A identidade protestante, e a base missiológica, emergem da oposição aos católicos.

O conflito metafísico de trevas e luz, salvação e perdição, verdade e falsidade, alimentaram e continua alimentando o discurso anticatólico. Anos atrás diversos autores que saíram da Igreja Católica, ou que tiveram alguma relação com ela, eram tratados como protagonistas em nossa denominação. O último, Aníbal Pereira dos Reis, que até mesmo lançou uma editora para divulgar seus textos, fez muito sucesso com sua mensagem anti-Roma, mas no final de sua vida perdeu fôlego. Agora esta velha temática surge na campanha de missões nacionais da Junta de Missões Nacionais da CBB. Na revista da campanha, lá pela página 21, o missionário julga surpreso com a cidade de Cachoeira Paulista/SP que tem 27 mil habitantes e abriga um templo católico para 110 mil pessoas, um dos maiores da América Latina. Isso é um sinal de que os batistas não estão fazendo missões. E toda aquela gente está em trevas, esperando a água viva que nossos missionários têm. Não importa o que eles estão fazendo com os jovens, tirando-os das drogas e cuidando de gente com obras sociais, dando atenção aos casais, levando cada vez mais jovens e adolescentes a ter um compromisso com Jesus Cristo. Eles estão em trevas.

A relação com os católicos sempre foi uma dificuldade entre nós: eles não são considerados cristãos. Recentemente uma cantora batista cedeu uma de suas músicas a um padre e foi duramente criticada por isso. Em nossas igrejas chamar os católicos de “irmãos” é pecado. Até mesmo eu, um pastor batista, escrever isso posso ser considerado um herege subversivo e adepto do ecumenismo. Os nossos princípios defendidos com sangue por muitos batistas no passado não conta. Os batistas ingleses marcaram sua época pela defesa da liberdade religiosa e espírito modernista, e não é por acaso que são as mentes mais ecumênicas dos batistas. Mas nós não recebemos missionários da Inglaterra, mas sim dos Estados Unidos. Lá surge o fundamentalismo teológico e sua importação para seminários e livrarias daqui. O diálogo ecumênico não é possível. Aliás, é inadmissível cogitar abrir conversas com “eles”. Líderes denominacionais expressam terminantemente contra o diálogo, mas eles não são a voz de todos, graças a Deus, e nem a Declaração Doutrinária da CBB é algo normativo, mas indicativo, embora alguns a consideram o Magistério da denominação, e até mesmo ela no item Igreja coloca a questão assim: “o relacionamento com outras entidades, quer sejam de natureza eclesiástica ou outra, não deve envolver a violação da consciência ou o comprometimento da lealdade a Cristo e sua Palavra”.

Confesso que apreciei mais o tema da campanha de missões nacionais do ano passado: Celebrando a Jesus Proclamando Vida. Falar da vida, do amor, da bondade, do perdão, de Jesus é sempre melhor. Apresentar outro caminho para se relacionar com Deus por meio de Jesus é sempre bom. Dentro da democratização religiosa é sempre salutar levar outra forma de experimentar a espiritualidade. Agora reivindicar uma postura de donos da verdade e salvos eternamente amém e não considerar outras vias religiosas como manifestação humana ao Transcendente é desconsiderar as bandeiras levantadas pelos batistas no decorrer de sua história de liberdade religiosa e consciência: “que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus ou outros mais”, dizia Thomas Helwys. Ainda bem que sou livre para divergir (Robert Torbert).

Pr. Alonso Gonçalves

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