14.2.18

SOMOS TODOS IRMÃOS...

Campanha da Fraternidade 2018 – Fraternidade e Superação da Violência

Nos últimos anos o país conheceu a brutalidade das facções que operam nas penitenciárias. Nas ruas a violência está gratuita e sistêmica e a mídia tem todos os dias notícias que relatam casos de famílias atingidas por ela, vitimando, cruelmente, crianças. Como se tudo isso não bastasse, nossa gente convive com a violência da corrupção do sistema político, o tipo de crime que mata silenciosamente quando priva crianças da merenda escolar e de melhores escolas; quando as pessoas convivem com o medo e a falta de segurança pública, onde seus agentes (policiais), não recebem adequadamente seus salários; quando os doentes precisam de hospitais, remédios e exames emergenciais e não há equipamentos disponíveis.

Somos todos irmãos”, trecho do Evangelho de Mateus 23,8. Com esse texto, a Campanha frisa que a violência é sempre contra um semelhante, ou seja, é sempre contra o outro que é igual diante de Deus. Nessa busca por dirimir a violência, as igrejas podem contribuir e muito, uma vez que são portadoras da mensagem de esperança e paz. Nesse sentido, as igrejas não poderiam coadunar com qualquer justificativa de violência, quer de pessoas que nutrem um discurso assim, quer do Estado e seu aparato policial.

Importa refletir sobre a paz e meios para buscá-la na permanente tentativa de aplacar a violência.

Um caminho de paz abre um caminho para a justiça. Na tradição bíblica, a justiça está na pregação profética, onde há um Deus de justiça. É Paul Tillich quem aponta a justiça como um dos critérios para se julgar as expressões religiosas, principalmente o cristianismo. No cristianismo, Tillich nos lembra, que os homens são aceitos pela justiça praticada, e não necessariamente pela religião confessada (Mateus 25,31-45).

As igrejas, por tradição, nutrem uma força ética para promover/provocar mudanças que favoreçam uma cultura de paz. O Estado, há muito comprometido com o mercado, ignora a grande maioria das pessoas que lutam pela sobrevivência. As igrejas podem e devem contribuir, principalmente sendo a consciência do Estado, como alertara Martin Luther King – “igreja... não é a senhora ou a serva do Estado, mas, antes, a sua consciência. Ela deve ser a orientadora e a crítica do Estado. E nunca sua ferramenta!”.

As igrejas não podem abrir mão da participação e atuação no atual contexto brasileiro. Estamos em um momento em que se conhece o drama da imigração de venezuelanos e haitianos; um tempo de intolerância religiosa, principalmente em relação às religiões afro-brasileiras; a brutalidade contra pessoas homoafetivas; a luta por igualdade de direitos da população negra. Diante de todos esses dilemas, é pueril pensar que o Estado tenha como principal meta encontrar soluções equitativas para esses dramas, até porque a justiça, na sua plena expressão, nunca foi o ponto forte do Estado. Em uma sociedade onde se dependa, exclusivamente, da justiça legal, acentua-se muito mais a sua desumanidade, principalmente quando há um sistema penitenciário onde a terceira maior população carcerária do mundo vive em condições sub-humanas. 

Não obstante a isso, a situação está ficando mais delicada ainda com um governo à serviço do capital neoliberal. Um governo que trabalhou, incansavelmente, para diminuir direitos dos trabalhadores com a sua Reforma Trabalhista. Isso não sendo suficiente, o atual governo quer continuar na sua missão de distanciar ainda mais aqueles que têm dinheiro daqueles que nada têm com uma Reforma da Previdência que atinge, em cheio, os menos favorecidos economicamente do país. Uma violência praticada por um Estado que não consegue fechar suas contas públicas por irresponsabilidade administrativa.

Diante disso, é preciso lembrar que o Deus bíblico se dá na prática da justiça e onde há injustiça, a sua ação é libertadora – “Deus também já está presente lá onde acontece a injustiça. Fazendo justiça aos que sofrem violência. O que é feito aos pobres e indefesos indiretamente é também feito a ele”, já dizia Jürgen Moltmann. Os profetas reivindicam justiça diante dos desmandos do Estado. Há uma luta intensa pelo direito dos despossuídos, desfavorecidos e marginalizados da sociedade. A justiça – como bem nos lembra Moltmann –, na perspectiva bíblica, se dá no direito, ou seja, “a justiça de Deus é, ao mesmo tempo, aquela que cria o direito, mas também traz justiça à vida injustiçada. Desta forma, é uma justiça criativa. Deus faz justiça a quem sofre violência e põe em ordem quem comete o mal”. Essa é a nossa esperança que nos impulsiona para uma práxis libertadora.

Caminhos de paz se faz por meio da justiça e justiça se estabelece na prática do direito equitativo. Que a Campanha da Fraternidade 2018 venha nos lembrar de que somos todos irmãos, portanto, devemos dar as mãos e enfrentar a violência sistêmica com amor e voz profética. 

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