8.12.17

NÃO FOI NO PALÁCIO DE HERODES

O evangelho de Mateus coloca na narrativa do Natal a figura do asqueroso político Herodes em diálogo com os viajantes do Oriente e os chefes dos sacerdotes.

O capítulo 2 de Mateus, usa como construção literária um recurso conhecido como midraxe – é a explicação de um texto bíblico feita livremente com alegorias, imagens, comparações e até mesmo fantasias. Mateus quer equiparar Jesus à Moisés e para isso ele, habilidosamente, constrói um texto em que Jesus e Moisés são semelhantes. Assim como o Faraó procurou matar crianças no Egito e Moisés é poupado milagrosamente, Herodes faz o mesmo; assim como Moisés vai para o Egito, Jesus tem o mesmo caminho; assim como Moisés sobe ao Monte Sinai e recebe os Dez Mandamentos, Jesus profere as dez (contando com o versículo 12) bem-aventuranças no monte.

No início do capítulo 2, Mateus coloca, propositadamente, a figura de Herodes, o Grande, em contraste com o menino rei Jesus – “nos dias do rei Herodes”. Há um conflito aqui entre dois reis que são distantes em propósito e diferentes em condições.

Herodes – este vivia os meandros da política. Estava acostumado com o jogo de poder. A sua busca era expandir sua riqueza e influência na conturbada região. Gabava-se de ser “amigo” do imperador romano e todos que eram contra ou representava alguma ameaça ao seu domínio ele procurava eliminar. Por conta disso matou os três filhos e a esposa. Herodes governava a partir de construções e embelezamento de cidades, inclusive foi financiador da reforma do templo de Jerusalém. Isso lhe rendeu adeptos e o colocou como protagonista diante da classe sacerdotal.

Herodes representa a inveja, o interesse próprio, o poder simplesmente por ter. Ele é o ícone da nossa sociedade em que as relações são estabelecidas pelo interesse, onde a troca é um elemento chave de relacionamento, desde o casamento até os presentes de fim de ano.

Quando os “magos” procuram um rei que não seja ele, prontamente ele quer encontrar o menino a fim de matá-lo. Mateus faz uma criança suplantar o notório e poderoso Herodes; ele faz uma flor parar um canhão; ele faz uma luz, ainda tão pequena, dissipar as densas trevas. A opulência do castelo de Herodes não foi suficiente diante da manjedoura. Há outro rei, exclama os “magos”, e este não é Herodes e mais, os presentes são para ele e não para o temível rei. 

A manjedoura quer dizer “Deus conosco”. Um Deus que veio nos mostrar que a ordem das coisas pode mudar. A manjedoura é sinal de simplicidade, amor, acolhimento, visitação. O palácio gélido de Herodes é sinal de poder, sem graça, de força, sem autoridade, de ostentação de uma sociedade que busca nas relações de poder e na riqueza o seu bem-estar.

O que significa o menino não nascer em um palácio?

Significa que não se pode coadunar com quem explora o seu povo com impostos abusivos; significa que não se deve aplaudir medidas governamentais que beneficiam os mais ricos; significa ainda, que o Deus menino preferiu um lugar qualquer, rodeado de gente considerada ralé, para dizer que é assim que Deus é! Como? Uma criança.

Ele não está no palácio de Herodes, muito menos no templo de Jerusalém. Do templo vieram quem sabia onde iria acontecer o milagre da vida: “É em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta”. Só souberam dizer isso, porque ver o menino não foi possível. Ele não está disponível para um sistema religioso que faz conluio com o poder estatal para vilipendiar ainda mais a fé do povo. Sacerdotes sabem dizer o que é para fazer e como fazer. Mais ainda, sacerdotes sabem muito bem aplicar a pena quando não se faz ou se faz errado. No templo? Nesse, com certeza, o menino não nasceria. Está maculado pelo espúrio. Ele abriga um feudo familiar que se perpetua no poder. Lá, tem um banco que cobra muito caro para fazer o câmbio de uma moeda romana. Nem palácio, nem templo. Manjedoura. Sem luxo, sem dinheiro, mas com amigos (“magos") e colo (Maria e José). Natal é isso. É Deus dizendo: acolham o menino. 

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