4.3.10

CRISTÃOS ANÔNIMOS

No último texto publicado neste blog, o Pr. Natanael Gabriel da Silva (doutor em Ciências da Religião pela UMESP), postou com muita propriedade um comentário em que fala do teólogo católico Karl Rahner, aliás, autor pesquisado em sua dissertação de mestrado e tese doutoral, acerca do “cristianismo anônimo”. Com isso ele coloca a questão do Cristianismo em outras dimensões, não somente aquela institucional e dogmática. Uma expressão que chamou minha atenção foi a “teologia da afetividade”, no sentido de que hoje, inevitavelmente, é preciso olhar com afeto e nem tanto com regras. Como deixei claro no comentário subsequente, o próximo texto que estaria indo ao ar seria sobre o teólogo alemão, que aprendi a ler com o próprio Natanael. Sua ideia seria analisada justamente porque, sendo um teólogo confessional, Rahner ultrapassa os limites da Igreja colocando Cristo em cada pessoa que seguisse o seu projeto humano-espiritual. Ocorre também que juntamente com alguns colegas do Vale do Ribeira estar-se pensando nos desafios que a cultura hodierna coloca diante da religião e da denominação enquanto instituição. Não somente nós, mas outros autores batistas, dentre eles Lourenço Stelio Rega em artigo publicado no O Jornal Batista com o título: “O bonde atrapalha o trânsito”, em que abre uma discussão sobre o real papel das instituições denominacionais como a CBB que corre um sério risco de cair no obsoletismo. Ainda em cima desse assunto, no dia 20/Fev realizamos a 1ª Mesa Redonda entre Pastores em Jacupiranga cujo tema foi as dificuldades dialógicas dos batistas com os paradigmas da pós-modernidade.

O sentimento religioso não vai deixar de existir, mas a religião institucionalizada deve passar por transformações, por mudanças que gerem vida. Como colocar diante da nova cultura uma postura mais afetiva, solidaria e companheira? Na expressão do Pr. Natanael isso é possível apenas quando pensarmos a teologia a partir da afetividade, do afeto mesmo, do amor; com a mudança da velha maneira de ler o mundo e nossa relação com ele.

Por mais que a comunidade seja o melhor lugar para se esta, a Igreja não é detentora da salvação. Há uma revelação de Deus que não passa pelo dogma, ritos ou declarações doutrinárias. No entender de Karl Rahner essa revelação seria um conhecimento de Deus atemático, ou seja, sem ainda sistematizar em que se vai crer. Essa dimensão no ser humano, segundo Rahner, é fruto da sua natureza transcendental. A antropologia teológica do teólogo alemão é transcendental. A experiência transcendente orienta para o mistério de Deus, portanto é um conhecimento atemático e anônimo de Deus. Com isso, segundo Rahner, todo aquele que vive valores humanos e religiosos relacionado ao projeto salvífico de Deus em Cristo Jesus é um “cristão anônimo”, sem a necessidade de conhecer tal relação entre Jesus e seus valores.

Acontece que nossa soteriologia é de gueto. Só é “salvo”, neste sentido, aquele que levanta sua mão num apelo no culto de domingo à noite. A própria postura das juntas missionárias trabalha com critérios de “conquistas” ou “ganhar” almas para Cristo!

Não esta se negando a atividade missionária da Igreja, mas os critérios adotados para se levar o Evangelho. Não se leva em consideração a revelação atemática de Deus; trabalha-se com a dialética nós/eles, como se fossemos os portadores auto-suficientes da mensagem de Cristo; ignora-se ainda que aqueles que não seguem o mesmo rito ou orientação de fé são considerados “não-convertidos”. Isso é tão real que há quem questione a vivência cristã de Zilda Arns!

Esse dualismo estabelecido em nossa postura de profano/sagrado, Igreja/mundo, obscureceu a nossa maneira de enxergar o mundo e suas possibilidades de ver Deus. Parece que estamos agindo como os discípulos que proibiram certo homem agir em nome de Jesus porque não andavam com eles.

5 comentários:

Claudinei Paulino disse...

pensando a partir dessa perspectiva, me faz lembrar do título de um livro de Bruno Forte, onde um blogueiro resolveu usar como tema de seu blog: "À escuta do outro." Como afirma Levinás: "O mestre é o outro".Interessante notar que um teólogo confessional (Rhaner)possibilta essa reflexão. Como confessionais, não seria esse nosso papel?
Belo texto, parabéns.

Clademilson Paulino disse...

Caro Alonso,

Suas postagens são interessantes, e seu tema é bastante amplo. É possível correr por ele para muitos caminhos que vão desde a compreensão de uma “teologia da cultura”, com leituras do sagrado na cultura – você apontou Tillich eu faria outro caminho –, o que faria de Belchior um excelente missiólogo; caminhar para uma leitura da morte de Deus, mesmo que seja só do Deus da instituição ou da metafísica, o que não seria possível a partir da confessionalidade, como já apontado; ou como você fez, partir para um caminho de nivelamento.

A teologia da afetividade é até bonita, mas é irreal. Pode até servir para a Zilda, e aí teríamos que conhecer e compreender os caminhos teológicos dela, mas não serve para a igreja de forma geral: protestante, evangélica, pentecostal, neopentecostal ou católica. A igreja não evangeliza – digo isso de forma geral – nem faz missões ou tem uma ação pastoral por afetividade, a intenção – eu penso – é quase sempre ou sempre de aumentar o número de prosélitos, expandir territórios de controle, como missão mesmo, ou, em alguns casos, adquirir recursos, em outras palavras, menos sutis, ganhar dinheiro mesmo.

Agora a afetividade é real no diálogo. O afeto reconhece o outro. Mas aí eu fico pensando no “anônimo”. E isto tudo são agora apenas perguntas, talvez você e o Natanael, leitores de Rahner, possam responder: Entender o outro como anônimo não é entender o outro como sendo apenas um eu diferente? Quando eu olho para o outro eu vejo apenas aquilo que eu acho que eu sou, no caso, cristão? Nisto haveria realmente diálogo ou seria apenas um monólogo? Pressupondo que do ponto anterior passássemos para o diálogo. Conversar sobre o que é comum deixando o que é incomum de lado é diálogo? Isso também não poderia ser uma forma de dizer que todos estão nivelados de forma igual, cristãos e não cristãos num mesmo plano divino? E Rahner usou o termo “anônimo” para dizer isso de forma anônima? Pois, eu penso, isso também poderia fazer de mim, um cristão, um anônimo do outro. Talvez eu seja um budista anônimo e não sei ou um muçulmano anônimo e não percebi isso ainda. A partir disso tudo seria possível compreender a religião como falseamento da verdadeira relação com o divino, e, talvez, digo apenas talvez e em forma de provocação, a espiritualidade secularizada como caminho de saída.

Claudinei,

Para o confessional isso nem existe. Não existe o outro como um eu diferente, nem o outro como um outro diferente, pronto para o diálogo, mas o outro é só diferente, o outro é sempre um demônio.

Mas tudo isso são apenas opiniões e perguntas de um servente de pedreiro.

Um abraço,
Clademilson Paulino.

Alonso S. Gonçalves disse...

Valeu galera, muito bom ter a participação de vocês, legal mesmo.

Concordo com o Clademilson de que a teologia da afetividade é irreal, também pudera, a nossa tradição é proselita até o último fio de cabelo, como pensar em outras tradições e vertentes do Cristianismo quando não consideramos o outro participante da revelação divina!

Leitura interessante para aprofundar o pensamento de K. Rahner é Hans Kung e o brasileiro Faustino Teixeira. Ambos trabalhando a questão do outro a partir do diálogo.

Obrigado!

Anônimo disse...

infelizmente, como frisaram alguns de vocês, a principal preocupação missionária da Igreja é fazer prosélitos e, nem sempre anunciar o verdadeiro Cristo que, ama a diferença, dialoga com o outro a partir do outro, que ama e perdoa sem impor condições e que mostra um PAI que ama e acolhe a todos,independentemente de sua confissão religiosa ou estado de vida. Deus veio para todos, justos e injustos, bons e maus, crentes e não crentes. Como dizia o teólogo António Pagola, Jesus veio nos mostrar que Deus não é propriedade de nenhuma religião. Será isso verdade? não dará lugar a um relativismo religioso sem precedentes? onde estáa verdade nisto? é aqui que entra a reflexão rica e abrangente de RAHNER. Cristãos anónimos consiste na tentativa de Rahner em fazer da salvação um dom para todo o homem e mulher, e não objecto privilegiado de alguma religião. Com a temática do existencial natural e da transcendencia do ser, ele quer dizer que Deus está no homem, pela sua graça e que quer salvá-lo,até mesmo quando este o ignore, parcial ou totalmente. Pessoalmente penso a tese de rahner sobre essa temática um grande bem à Igreja e ao mundo e,sua figura, incontornável no diálogo ecuménico, isto é, das igrejas entre si, e da igreja com o mundo não-crente.

Adriano Calime disse...

infelizmente, como frisaram alguns de vocês, a principal preocupação missionária da Igreja é fazer prosélitos e, nem sempre anunciar o verdadeiro Cristo que, ama a diferença, dialoga com o outro a partir do outro, que ama e perdoa sem impor condições e que mostra um PAI que ama e acolhe a todos,independentemente de sua confissão religiosa ou estado de vida. Deus veio para todos, justos e injustos, bons e maus, crentes e não crentes. Como dizia o teólogo António Pagola, Jesus veio nos mostrar que Deus não é propriedade de nenhuma religião. Será isso verdade? não dará lugar a um relativismo religioso sem precedentes? onde estáa verdade nisto? é aqui que entra a reflexão rica e abrangente de RAHNER. Cristãos anónimos consiste na tentativa de Rahner em fazer da salvação um dom para todo o homem e mulher, e não objecto privilegiado de alguma religião. Com a temática do existencial natural e da transcendencia do ser, ele quer dizer que Deus está no homem, pela sua graça e que quer salvá-lo,até mesmo quando este o ignore, parcial ou totalmente. Pessoalmente penso a tese de rahner sobre essa temática um grande bem à Igreja e ao mundo e,sua figura, incontornável no diálogo ecuménico, isto é, das igrejas entre si, e da igreja com o mundo não-crente.