26.2.10

REPENSANDO O CONCEITO DE RELIGIÃO

É interessante ver que o conceito religião sofreu alterações no decorrer da história. Um termo tipicamente romano religio, dentro do universo político romano, era basicamente um sistema de comportamentos que o cidadão romano deveria ter diante da república. Com Agostino e Tomás de Aquino o conceito religare passa a ser vertical, uma relação homem-Deus e não mais uma relação cidadão-república. Apenas um adendo.

Tenho lido alguns autores que pontuam o fim da religião institucional numa era tecnológica, global onde o multiculturalismo e a urgência de diálogo se fazem necessária, tornou-se imprescindível o repensar o lugar da religião neste contexto.

Até pouco tempo atrás a religião tinha um status de soberana sobre a vida humana. Valendo-se do apoio metafísico, o discurso religioso era construído em torno da ontologia, a busca pelo Ser. Na modernidade a filosofia irá se preocupar não com a ontologia, o sentido do Ser, mas com a subjetividade, a consciência. Daí a centralidade da razão com I. Kant, onde a pretensão de conhecimento da metafísica será questionada, transitando agora pelo campo da experiência, da razão prática.

Com a secularização e a globalização, a religião se vê num dilema: antes era possível uma religião burocrática, fixada em suas posições doutrinárias e dogmáticas, agora uma realidade de fraqueza e impotência em relação ao Homem pós-moderno. A secularização relativiza a religião; o fim da metafísica leva a repensar a transcendência. Se antes a religião era centralizadora, hoje se faz desnecessária num contexto de sociedades flutuantes e dinâmicas, pelo menos no Ocidente.

Como tentar recuperar o conceito religião neste atual contexto? Este processo foi o mesmo que F. Nietzsche trilhou. Quando em seu texto Assim falou Zaratustra o filósofo alemão proclama a “a morte de Deus” não é uma posição atéia, mas uma revolta contra um sistema religioso que não tinha mais nada a acrescentar às pessoas. Por um lado a religião estava em crise do ponto de vista institucional, por outro lado F. Nietzsche compreendia que na religião havia ainda a posse da espiritualidade, do Sagrado, do sentido para o Homem contemporâneo. A “morte de Deus” era a morte do Deus metafísico.

Assim como religião não pertence mais a lugares específicos de produção simbólica, o conceito de Sagrado esta ganhando outras proporções também. O indivíduo molda sua crença em torno da disponibilidade religiosa que encontra. Neste sentido se antes religião significava códigos definidos, ritos, normas morais e discurso institucional, agora carrega em seu campo semântico a ideia de busca pela transcendência, o ato de transcender, a busca pelo bem-estar espiritual. O lado negativo disso é que os neopentecostais, inconscientes ou conscientes, levam milhares de pessoas em seus templos em cima desta nova temática de religião.

Eis o problema. De um lado a religião institucionalizada não é mais atrativa; por outro lado ainda chama atenção a espiritualidade e os valores pregados pela religião. Caso típico disso é os católicos que admiram e seguem os preceitos de Dalai Lama.

A questão é abrir caminhos para dialogar com este tempo em que o místico substituiu o doutrinário, o afetivo superou o ritual e o experiencial suplantou o institucional. Seremos capazes de ler este tempo?

4 comentários:

Natanael Gabriel da Silva disse...

A crítica de Nietzsche, na tentativa de superação da metafísica e sua opção pela Filosofia da Vida, se seguirmos a interpretação de Tillich, tem sido recebida com muita reserva, na interpretação equivocada sobre a morte de Deus. Contudo, Karl Rahner, nitidamente confessional, católico, que não nega a autoridade papal e nem a hierarquia, confessa em seu livro "Missão e Graça", que a Igreja precisa compreender os seus limites sobre a Graça de Deus, que está além dos enunciados dogmáticos e do controle interpretativo da Igreja. Ora, quer se queira ou não, ser cristão é mais do que pertecer a uma comunidade, razão pela qual o próprio Rahner concebeu o conceito de "cristão anônimo", daí o caráter soteriológico de sua teologia, que é universal. Com outras palavra, há uma "igreja" fora da igreja e que juntas compõem a universalidade do povo de Deus.

Uma coisa é um pensador com Nietzsche suspeitar da metafísica, outra coisa é um teólogo confessional e metafísico reconhecer os limites da comunidade religiosa, principalmente na teologia católica que tem suspeitado do excesso de secularização da teologia protestante.

Eu me aventuro a pensar que vivemos o tempo da teologia da afetividade.

Alonso S. Gonçalves disse...

Obrigado pelo comentário.

Por incrível que pareça o próximo texto que seria publicado no blog é sobre o conceito de "Cristianismo Anônimo" de K. Rahner, uma tentativa de olhar o aspecto missionário hoje de outra forma.

Concordo quando diz que hoje vivenciamos uma Teologia da Afetividade, ela pode fazer a diferença neste momento secularizador e global

Um abraço

jerielbrito disse...

Este anseio em fazer uma leitura do nosso tempo, nos desafia a reescalar o caminho da teologia e da vida como ela é. Porque não aceitamos as coisas como elas são, queremos mudar tudo até porque estamos mais insatisfeitos do que contentes com o mundo em que vivemos. Esta busca pelo místico é uma obsessão da sociedade que quer saber apenas do seu eu. Por outro lado esta mesma sociedade já não acredita mais em nada, é como se todos carregassem uma faixa com os seguintes dizeres: "ESTAMOS TODOS VAZIOS". Como disse o historiador Leandro Karnal "há uma revolução da incerteza" o que realmente nos fará feliz? Complemento: A religião institucional ou a mística? Creio que devemos dar continuidade a esta reflexão.
Um abraço, parabéns pelo texto.

Osmari Ramos disse...

penso que essa fase que estamos vivendo vem cumprir as escrituras em que diz :quando jesus vier, encontrará fé na terra?. acho que estamos caminhando escatologicamente para o fim.um desse nosso exemplo é que não podemos mudar o que já esta determinado; outro melhor é sobre a crise global que enfrentamos sobre como salvar o planeta ; e cúpulas se reunem mas não fazem nada para tirar a poluição e destruição do nosso planeta.Enquanto isso a amazonia cai dia a dia sem que haja quem faça parar .isso tambem não foi dito que aconteceria?. ainda penso que tudo está determinado,calculado rotulado...