19.2.10

ESPIRITUALIDADE SECULARIZADA

Considerações de Marià Corbí Quiñonero

Um dos principais pesquisadores no tema cultura e religião, Marià Corbí Quiñonero, teólogo espanhol, no texto intitulado La gran crisis de las religiones y el auge de los integrismos expõe a crise que passa as religiões neste processo de globalização e aponta projeções para as vivências religiosas, entre elas o que ele chama de espiritualidade secularizada.

Partindo sobre os pressupostos de que o mundo passa/ou por transformações e mudanças culturais, Marià Corbí entende que vivemos um grande trânsito cultural, não há mais condições para um etnocentrismo ou o fundamentalismo coexistir com esta dinâmica, ainda que haja em países e culturas esta mentalidade, mas, segundo ele, será inevitável a superação dessas formas de vê o mundo pela globalização e a secularização.

Entendendo que as religiões foram desenvolvidas em uma época pré-industrial, e, que portanto, as crenças e a maneira de ver o mundo passa pelo mito, pelos símbolos, pelas narrações sagradas, Corbí acredita que esta maneira de ver o mundo foi superada ocorrendo a primeira secularização. Esta se deu quando o cristianismo travou sangrentas guerras em nome de Deus, de forma inevitável, a secularização abarcou o Estado e a vida pública das pessoas, deixando a opção religiosa sob a escolha de cada um. Este processo teve como impulsionador o Iluminismo, a Revolução Francesa e para fechar mesmo a Revolução Americana e sua Constituição com a liberdade religiosa. Com isso Corbí entende que as religiões entraram numa crise de sentido por não saber dialogar ou se inserir neste processo, surgindo então dois caminhos: postura conciliatória de diálogo e compreensão dos novos tempos ou fundamentalismo, o que ele chama de integrismo, se fechando para o mundo e suas transformações. Mas isso não é tudo nesta crise religiosa, o espanhol entende que a segunda secularização é pior que a primeira. Na primeira é dado ao indivíduo escolher, ainda uma religião institucional, a segunda secularização passa pela espiritualidade, ou seja, é quando o indivíduo entende que não precisa da mediação institucional ou ortodoxa para vivenciar a sua espiritualidade. Desse modo religião e espiritualidade não são mais inseparáveis, são dicotômicas de fato.

Em nenhum momento cogita-se a perda da dimensão do Sagrado. Ocorre que esta independência religiosa ou espiritual segundo Corbí foi gestada aos poucos. Ele aponta quatro momentos para isso: o desaparecimento das sociedades pré-industriais, onde há economia o sentimento religioso é adormecido; a constante mudança no mundo como globalização, inovações, maneiras de organizar-se e pensar, desconsiderando os costumes e as tradições religiosas; a compreensão de que a história esta nas mãos das pessoas e não em divindade; e por último e o mais importante, as diferentes religiões alegando o exclusivismo e a verdade absoluta levando ao raciocínio de que quando todas as religiões promovem o exclusivismo significa que todas não têm exclusividade, portanto são todas bem vindas.

Este texto foi escrito para o contexto europeu, mas segundo Corbí é uma tendência mundial a chamada espiritualidade secularizada. Estamos começando a vivenciar isso por aqui quando um IBGE diz que mais de 6% da população brasileira não professa nenhuma religião, mas acreditam em Deus.

4 comentários:

Clademilson Paulino disse...

Caro Alonso,

apenas para fomentar a discussão que você coloca, tomando como base as reflexões de Marià Corbí Quiñonero, digo: e se pensássemos no secularismo ou secularização não com a negação da religião ou a supressão dela, mas sim como uma nova forma de criar sentido ao homem/mulher moderno ou pós-industrial, como seu texto coloca? O que, em princípio, eu penso, tiraria do primitivo o “a priori’’ da religião e a colocaria não como algo a ser superado – principalmente por ser primitivo –, mas como algo a ser reencontrado ou resignificado dentro da espiritualidade secular, uma certa forma de retorno a um mundo onde não há divisões entre sagrado e profano. O que, depois, em segundo, daria à teologia um campo mais vasto e, penso eu, até mais interessante de leitura para o pensamento sobre Deus. A teologia, como diria Antonio Magalhães, não pode nem deve se prender à igreja ou aos domínios do sagrado como únicos lugares da observação de Deus ou, como você coloca, da espiritualidade. Acredito – e apenas acredito – que encontrar o sagrado no secular é um retorno a um mundo que era apenas sagrado, o que, em parte, é bom e não ruim ou “pior”. No entanto, é um fazer isso – sem superar a espiritualidade ou as expressões da religião institucionalizada – abolindo a ideia de Estado Sagrado, dominado por qualquer que seja o regime religioso, do tipo fundamentalista. Seria – e aqui puxo para o lado mais eclesiástico – como pensar num Reino de Deus sem a existência da Igreja.

Um forte abraço...

jerielbrito disse...

Olá Alonso,
As mudanças e transformações no mundo causam sempre um imapacto profundo principalmente na religião. A espiritualidade que deveria ser entendida e vivenciada de uma maneira real e mais humana tem a tendência de ser subjetiva, as vezes até sem sentido, num mundo cheio de mudanças. Penso nos valores da espiritualidade e no desafio que temos em aplicá-los numa sociedade secularizada que possui diversas opções. Vale a pena discutir este tema. As observações e sugestões do Clademilson creio que podem ser utilizadas como um plano de fundo.
Ótima iniciativa!
Um abraço.

Alonso S. Gonçalves disse...

Gostaria de agradecer o diálogo, é um prazer.
As considerações de Corbí é no sentido de dar um novo caminho para a questão religiosa. Não coloquei no texto, até porque a ideia era tratar da espiritualidade secularizada, mas Corbí coloca que neste processo a religião é um vinho velho em copo novo, ou seja, é um repensar a importancia da religião para as pessoas, uma vez que as pessoas continuam religiosas, mas não suportam mais àquela maneira quadrada de ver as coisas. Dentro disso com certeza a dialética sagrado-profano deixa de existir, é o que P. Tillich faz na sua Teologia da Cultura, as raízes do Evangelho não está na igreja, mas na história, no projeto do Reino de Deus. A sua colocação Clademilson é oportuna, uma vez que estamos pensando que a religião institucionalizada deve passar por resignificação e rever seus postulados para o homem/mulher de hoje.

Obrigado pela participação meus colegas.

Clademilson Paulino disse...

Caro Alonso,

ouvindo Belchior lembrei de seu texto... se puder ouça a música alucinação de 1976.

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Nem nessas coisas do oriente
Romances astrais
A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais...

Talvez seja um bom começo para se pensar na espiritualidade secular e a relação dela com a igreja... em meio a tantos “sobrenaturais” no discurso evangélico brasileiro, Belchior possa ser um pouco de brisa boa.

Um forte abraço...