1.8.09

ENTRE A CRUZ E O REINO DE DEUS

Na Memorial em Iporanga estamos trabalhando com alguns temas da fé: Deus, Jesus Cristo, Espírito Santo, Salvação, Pecado, Igreja etc. Com esta série de sermões, estou tentando mostrar outras dimensões desses temas que viraram tabu no protestantismo. No primeiro domingo de julho pregamos sobre Jesus Cristo. Embora com um discurso ameno e descompromissado com teorias teológicas elaboradas, procurei passar para a comunidade temas como Reino de Deus e o rosto humano de Deus revelado por Jesus de Nazaré, em contraponto com a teologia do sacrifício que perdura no nosso imaginário religioso. Com isso levantamos questões sobre a morte de Jesus: “o que o levou à morte?” A resposta comum entre os cristãos é de que Jesus veio para morrer em nosso lugar, e desde o início ele tinha isso em mente, sabendo, inclusive, que era o Filho de Deus. Dessa perspectiva saem os três temas que envolvem Jesus: o berço, a cruz e a pedra.

A teologia do sacrifício predomina na tradição protestante. A teologia da expiação é notória: Jesus Cristo morreu por nossos pecados; sua morte na cruz garantiu o nosso acesso a Deus e possibilitou a salvação para a humanidade. Daí a ênfase no sangue de Jesus que “me lavou” ou “salvos pelo sangue”. Imagens que estão presentes em nosso Cantor Cristão de forma até exagerada. Já com os católicos, a teologia do sacrifício é ainda pior, na Eucaristia come-se a carne e bebe-se do sangue, é a transubstanciação.

A exegese contemporânea, principalmente as pesquisas do teólogo alemão Rudolf Bultmann, mostraram a impossibilidade de determinar um rosto e uma missão única para Jesus. Isso se dá porque as comunidades interpretam Jesus de modo diferente, nenhuma delas trata do Nazareno de forma uníssona. Por estarem em diferentes lugares e possuírem uma teologia própria, as comunidades deram um rosto a Jesus totalmente comprometido com o seu contexto. A ressurreição é a chave hermenêutica das comunidades. É a partir dela que a cristologia da Igreja Primitiva irá se desenvolver. Por este fato a pluralidade de títulos cristológicos a Jesus: Senhor, Messias, Justo, Salvador e etc. Mas numa coisa as fontes evangélicas concordam: o tema da sua mensagem foi o Reino de Deus e o comprometimento da sua vida foi revelar o rosto humano de Deus.

Os evangelhos mostram que Jesus não começou pregando a si mesmo, muito menos dizendo que veio para morrer por nós na cruz, ele iniciou seu ministério pregando o Reino de Deus (Mc 1,14-15). A conversão era para o Reino de Deus que havia chegado. Reino de Deus é a realização de uma esperança; a superação do mal; é o senhorio de Deus sobre nossas vidas. É de Alfred Firmin Loisy a frase: “Jesus pregou o Reino e o que veio foi a Igreja”. A igreja não é o Reino de Deus, mas sim promotora; aquela que contribui para a continuação do Reino de Deus. Infelizmente a igreja esqueceu isso. Nos manuais de teologia sistemática não há nenhuma seção sobre o Reino; no nosso hinário o tema é escasso; no púlpito um tema quase abolido.

Conforme o evangelho, Jesus vai para cruz porque se opõe ao Deus da religião e àqueles que manipulavam o Sagrado de forma inconsequente (Mc 11,15-18). A cruz foi uma consequência da sua mensagem; a ressurreição foi a sua confirmação.

Como não formulamos uma teologia do Reino, colhemos a total ignorância da igreja para com os valores do Reino de Deus; desconsideramos a mensagem política e espiritual do Reino de Deus. Como resultado: uma conversão que nega o passado e o presente da pessoa; uma teologia fatalista de que o mundo vai piorar mesmo, e as coisas que acontecem é nada mais que os sinais dos tempos; uma fé que não se engaja com as questões do país, onde se demoniza o mundo e assimila-se a opressão e o descaso. É isso que colhemos como resultado de anos do predomínio da teologia do sacrifício. A igreja ainda não desceu Jesus da cruz.

Deslocar Jesus de seu contexto é ignorar o que motivou a sua vida, e com certeza a cruz não foi a sua máxima idealização, se assim o fosse a oração no jardim não teria sentido – “passe de mim esse cálice”. Fico com uma frase do teólogo salvadorenho Ignácio Ellacuria no seu livro “Conversión de la Iglesia al Reino de Dios”: o Jesus histórico não buscou nem a morte nem a ressurreição em si mesmas, mas o anúncio, até a morte, do Reino de Deus, que trouxe consigo a ressurreição.

Entre a cruz e o Reino fico com os dois: primeiro o Reino e como consequência a cruz; primeiro o Reino e como consequência a ressurreição.

2 comentários:

Natanael disse...

Caro Alonso,
É muito bom pensar e repensar a cristologia. A nossa tradição, de natureza mais paulina-agostiniana, consegue ver pouco da piedade na vida de Jesus, seu despreendimento de profunda natureza estóica. Optadmos pela cristologia do mundo das idéias, e hoje a maioria de nós tem uma vida avessa a de Jesus. Ao contrário do Mestre e Salvador, temos muitos travesseiros para reclinar a cabeça, forrados com o que há de mais chique, muitos abrigos que fariam inveja às raposas. Infelizmente, creio, preferimos o Jesus de um mundo que só faz parte do pensamento.
Repensar a cristologia, é repensar a fé. Grato pelo artigo.

IPORANGA EM FOCO disse...

Pastor dei uma olhada em suas postagens e achei muito interessantes, são textos para reflexão e para ser lido com atenção. Vou acompanhar com calma e recomendar. Vale a pena.